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5 de dezembro de 2013

MEU NOME É NINGUÉM (IL MIO NOME È NESSUNO) – O WESTERN-COMÉDIA DE LEONE


O diretor Enzo Barboni.
Em 1973 o western-spaghetti já havia deixado de ser a mina de ouro descoberta por diretores italianos. Ainda assim a série ‘Trinity’ iniciada em 1970 fazia enorme sucesso tornando conhecido o diretor Enzo Barboni, responsável por aquelas comédias ambientadas no Velho Oeste. Tanto o êxito de público de Trinity quanto a fama de Barboni passaram a incomodar Sergio Leone, o mais celebrado diretor de euro-westerns e reconhecido como criador do gênero apelidado de 'western-spaghetti'. Leone gastara muito com a obra-prima “Era Uma Vez no Oeste” e com seu filme seguinte que foi “Quando Explode a Vingança” sendo que esses filmes não alcançaram o sucesso esperado na Itália e menos ainda nos Estados Unidos. Enquanto isso a série com a dupla Trinità e Bambino faturava alto tanto na Itália quanto no resto do mundo, inclusive nos States. Foi aí que Leone decidiu mostrar que seria capaz de produzir um filme tão engraçado quanto os de Barboni e ainda com mais conteúdo e linguagem artística.


Bambino (Bud Spencer) e
Trinità (Terence Hill).
A ideia de ‘Ninguém’ - Para dirigir esse faroeste produzido pela Rafran Cinematográfica, produtora de Leone, foi chamado Tonino Valerii conhecido principalmente por “Dias de Ira” (com Lee Van Cleef e Giuliano Gemma). Leone queria ver o filme feito mas não queria arriscar colocar seu internacionalmente respeitado nome assinando uma western em tom mais divertido. Os westerns-comédia de Enzo Barboni tinham títulos que faziam referência ao nome do herói (“Lo Chiamavano Trinità”, “...Continuavano a Chiamarlo Trinità” e “E Poi lo Chiamarono Il Magnífico”). Leone não se deu por achado e intitulou sua produção como “Il Mio Nome è Nessuno” (Meu Nome é Ninguém), estrelado pelo próprio ‘Trinità’ Terence Hill, ex-Mario Girotti. O ponto de partida da ideia de Sergio Leone foi uma frase de “A Odisséia”, de Homero, quando o gigante ciclope Polifemo pergunta a Ulysses qual seu nome e o grego responde ‘Ninguém’. Após vencer Polifemo Ulysses grita para ele que agora é ‘Alguém’ Porém a intenção real de Leone era confrontar um jovem e irreverente herói com outro bastante famoso mas já decadente num ritmo possível de comédia. A ideia de Leone foi desenvolvida por Fúlvio Morsella e Ernesto Gastaldi, com roteiro deste último e Sergio Leone inovaria como diretor-ventríloquo de Tonino Valerii.

Jack Beauregard (Henry Fonda) enfrenta
sozinho o The Wild Bunch.
Desafio desproporcional - Jack Beauregard (Henry Fonda) é um envelhecido pistoleiro que busca se vingar da morte do irmão Nevada Kid morto por ordem de Sullivan (Jean Martin). Sullivan é um escroque que controla uma mina usada para lavar ouro roubado de bancos por uma quadrilha chamada The Wild Bunch. O ano é 1899 e desiludido com o Velho Oeste, Beauregard tenciona partir para a Europa e conta isso para o jovem Nobody (Terence Hill). Nobody admira bastante Beauregard e quer ver o nome de seu ídolo entrar para a história e para isso o desafia a enfrentar o The Wild Bunch, bando composto por 150 cavaleiros fortemente armados. Beauregard se vê diante do descomunal adversário e se sai bem desse confronto dizimando parte do bando. Para não deixar rastro de seu paradeiro, Beauregard aceita participar de uma farsa em forma de duelo contra Nobody. Este é mais rápido e fere Beauregard de forma supostamente mortal. Com seu nome inserido nos livros de história Beauregard pode agora partir para seu merecido descanso, deixando Ninguém como novo personagem importante daqueles territórios onde os mais rápidos se tornam famosos.

Acima Tonino Valerii conversando com Sergio
Leone na avenida em New Orleans onde foi
filmado o duelo; atrás deles conversam
Terence Hill e Henry Fonda. Abaixo o duelo.
Quem dirigiu o quê? - É sabido que “Meu Nome é Ninguém” teve, de fato, dois diretores, uma vez que muitas sequências do filme são creditadas a Sergio Leone, isto segundo diversos depoimentos. Os cenários barrocos e algumas imagens excelentemente elaboradas criam a certeza que Leone teria dirigido os melhores momentos deste western, o que não é verdade. Valerii e Leone jamais se entenderam quanto a quais sequências cada um teria dirigido e como exemplo disso é lembrado o duelo entre Beauregard e Nobody, em New Orleans. Valerii sempre afirmou que dirigiu sozinho a sequência inteira, divergindo do que afirmava Leone, mas fotos comprovam a presença de Leone no set de filmagem. E evidentemente o diretor de “Por um Punhado de Dólares”, por questão de temperamento, não se contentaria em apenas sentar em sua cadeira e assistir filmagens que ele concebeu e produziu. Ora, se os melhores momentos de “Meu Nome é Ninguém”, justamente os mais sérios do filme, têm a marca inegável de Sergio Leone, conclui-se que teria sido Valerii o responsável pelas muitas sequências pretensamente engraçadas. Engano pois nesse ponto Valerii e Leone concordam que este último dirigiu a maior parte das sequências nas quais Nobody faz exatamente aquilo que Trinità fazia nos filmes de Barboni. E o que torna “Meu Nome é Ninguém” desigual é justamente o excesso de comicidade conflitando com a solenidade que Beauregard dá ao filme. Sergio Leone, criador de obras memoráveis, não tinha jeito para a comédia, algo que o aproxima do Mestre John Ford.

Sóbrio, esbanjando dignidade e talento,
Henry Fonda.
Enfrentando os filhos bastardos - Tarefa nada fácil é levar o humor aos faroestes, intenção que gerou alguns desastres cinematográficos como “Nas Trilhas da Aventura”, de John Sturges. Mais difícil ainda é mesclar um tema grave como a decadência de um pistoleiro com a pândega debochada no estilo de Trinità. Afastando-se da mera paródia tão comum nos westerns-spaghetti, “Meu Nome é Ninguém” se propõe a contrapor o então agonizante faroeste norte-americano retratado na figura de Beauregard, com a enérgica alegria e descomprometimento expressado em cada gesto e frase de Nobody. Mais uma vez Leone presta reverência aos heróis que ele amou e que não queria ver desaparecidos com Beauregard que sintetiza os personagens vividos por John Wayne, Joel McCrea, Randolph Scott, Gary Cooper, Glenn Ford e tantos outros e em especial por Henry Fonda. Todos eles heróis da infância de Leone que os viu dar lugar aos seus ‘filhos bastardos’, como ele mesmo denominou os Ringos, Sartanas, Djangos e Sabatas. Êmulos de seu personagem mais célebre, o ‘Estranho Sem Nome’, vivido por Clint Eastwood. E nessa mescla entre o sério e o cerimonioso residem os defeitos maiores de “Meu Nome é Ninguém” que tinha tudo para ser um grande filme e acaba sendo apenas um divertimento não para todos os gostos.

Terence Hill tentando ser engraçado como Nobody.
A pantomima de Nobody - A série de Enzo Barboni com o herói Trinità e seu companheiro Bambino (Bud Spencer) caiu no gosto do público de uma forma especial, tornando-se fenômeno de bilheteria. No país da sutileza de Mário Monicelli e da refinada galhofa de Totó, estranha-se esse sucesso que está mais para os Três Patetas que para o riso provocado pelo talento de Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi e outros. Reflexo, certamente, de um momento cinematográfico, os anos finais do western-spaghetti que havia criado os mais excêntricos anti-heróis, todos desgastados pela repetição. E o modelo de Barboni foi a opção de Sergio Leone, dando a “Meu Nome é Ninguém” o tom e o ritmo dos filmes do criador do desabusado Trinity. Após a introdução de Nobody com sua insólita pescaria, todas as demais sequências se mostram cansativas e até inoportunas. A passagem de Nobody pelo circo com a casa dos espelhos, o pastelão das tortas, o prolongado sofrimento no mictório público. E mais que todas a homenagem ao clássico “Gatilho Relâmpago” (The Fastest Gun Alive), de Russell Rouse, com Glenn Ford. É quando Nobody exibe sua perícia com o revólver mesmo após ingerir uma quantidade de whisky capaz de derrubar um elefante. Antes de esbofetear interminavelmente um calvo adversário, Nobody humilha justamente o personagem ‘Squirrel’ (Esquilo), interpretado pelo londrino Neil Summers, ator e dublê de tantos faroestes norte-americanos e famoso por seus dentes de roedor. A melhor e mais inteligente das gags do filme é a do fotógrafo enquadrando o duelo, por acaso aquela na qual Nobody é mero figurante.

Abaixo a sepultura de Sam Peckinpah
indicando a morte do western no cinema.
Fim dos tempos das brincadeiras de mocinho - “Meu Nome é Ninguém” não segue o estilo monossilábico dos personagens dos westerns-spaghetti com os muitos diálogos entre Beauregard e Nobody. E o discurso final de Beauregard é um profético testamento do que viria a acontecer com o gênero western mesmo após o sopro revigorador de cineastas como o próprio Leone. “Não vai sobrar muito tempo para você fazer aquelas suas brincadeiras”, diz Beauregard prenunciando o fim do western-spaghetti. Sam Peckinpah, o mais inovador diretor de faroestes nos Estados Unidos, é lembrado numa tabuleta num modesto túmulo num cemitério onde são enterrados também os últimos índios. “Quando eu era menino eu fazia de conta que era Beauregard”, lembra nostalgicamente Nobody. O tom elegíaco deste western de Leone-Valerii é expresso de forma sublime quando Beauregard coloca seu pequeno par de óculos para melhor enxergar o The Wild Bunch que se aproxima. Joel McCrea também colocou óculos em “Pistoleiros do Entardecer”, de Peckinpah, assim como John Wayne havia feito em “Legião Invencível” de John Ford. Em meio a esses momentos de reflexão, “Meu Nome é Ninguém” apresenta a sequência verdadeiramente grandiosa da aproximação do colossal bando armado ao som da música de Ennio Morricone com trechos wagnerianos. Puro Leone em sua delirante criatividade.

Jack Beauregard passando para a história.
Morricone impecável - Tão importante quanto a presença da inimaginável parceria Henry Fonda-Terence Hill, parceria que só a cabeça de Leone poderia conceber, é a música de Ennio Morricone, praticamente o terceiro personagem importante do filme. Desde os créditos iniciais com o animado tema de ‘Nobody’ com as vozes do Alessandroni Singers desenha-se o ritmo do filme. Mais adiante Morricone usa trechos de composições feitas para westerns de Leone, salientando a guitarra de Bruno Battisti D’Amario, o piano de Arnaldo Graziosi e o trompete de Gino Agostinelli. Fica a saudade do canto de Edda Dell’Orso como no tema para Jill em “Era Uma Vez no Oeste”. E Morricone empresta o tema principal da ópera de Richard Wagner, o conhecido trecho de “A Cavalgada das Walkyrias”, emoldurando magnificamente o confronto entre Beauregard e o The Wild Bunch. Utilizado anteriormente em 1915 por David W. Griffith em “O Nascimento de uma Nação”, certamente Francis Ford Coppola assistiu “Meu Nome é Ninguém” antes de criar a antológica sequência dos helicópteros em “Appocalipse Now” (1979).

O enquadramento da foto do duelo na virada
do século XIX; abaixo Benito Stefanelli
em ação com seu time de dublês.
Sucesso absoluto de bilheteria - Filmado parte em La Calahorra, na Andaluzia (Espanha), “Meu Nome é Ninguém” teve locações em New Orleans (Louisiana), no Bairro Francês, usado para o duelo entre Beauregard e Nobody. Outras locações nos Estados Unidos foram feitas no Novo México (Alamogordo) e no Colorado. Excelente o trabalho de Benito Stefanelli e seu grupo de stuntmen mostrando o quanto o euro-western se aproximou dos norte-americanos nesse quesito. Henry Fonda, aos 68 anos, é o grande nome do elenco com sua evocação perfeita da desilusão de ver o fim de uma era. Terence Hill muito bom quando olha extasiado para Henry Fonda como se estivesse diante de um mito real, o que não deixa de ser verdade. No resto, Hill é um excessivo careteiro com grande habilidade nas cenas de ação. R.G. Armstrong em aparição diferente de seus tipos característicos de pastor e/ou de insano. Pequenas participações de Leo Gordon, Geoffrey Lewis e Neil Summers. O vilão Jean Martin completamente inadequado para o papel. A intenção de Sergio Leone de produzir um western de sucesso foi alcançada pois “Meu Nome é Ninguém” atraiu um público enorme na Itália e onde mais foi exibido. Certamente para ver Trinità se transformar em Nessuno (na Itália) ou Trinity virar Nobody para o resto do mundo na versão em Inglês. Foi, no entanto um adeus apenas regular de Sergio Leone e também de Tonino Valerii ao gênero. Por sinal os dois cineastas nunca mais se falaram após esse filme que deixou ressentimentos em Valerii e uma sensação de fracasso em Leone.


Acima mais uma referência a "Meu Ódio Será Sua Herança", a obra-prima
de Sam Peckinpah, com soldados ineptos guardando o trem e um idiotizado
sargento (Antonio Molino Rojo), como no western de Peckinpah;
Os Três Patetas de Leone (Tommy Polgar, R.G. Armstrong e Mario Brega);
a versão careca de Jack Wilson ("Shane") interpretada por Marc Mazzacurati;
Nobody enganando os bandidos na sala dos espelhos; Nobody no mictório
público com o maquinista do trem; o boneco giratório nas mãos de Nobody. 

Podem chamá-lo 'O Magnífico' Henry Fonda.

5 comentários:

  1. Excelente western. Não tem nada de excessivo. O diretor faz o contraponto entre um pistoleiro prestes a se aposentar e o seu fã, um jovem com jeito de desmazelado, malemolente, cínico e habilidoso. O contraponto entre a tradição e o moderno.

    Mr Bean, westernmaníaco

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  2. Perfeita e brilhante argumentação (repetindo o que está escrito na resenha) de um westernmaníaco que se identifica por um vulgo e que só faz comentários a respeito de westerns-spaghetti. Não seria melhor se identificar como 'Mr. Bean, spaghettimaníaco'? Ou o gênero western se resume apenas às produções feitas naquele curto período em que o modismo do faroeste tomou conta da Itália e imediações?
    Assinado Darci Fonseca, discípulo de Hoppy Losso e Doc Barretti, westernmaníacos autênticos.

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  3. Estive fazendo uma pesquisa sobre esse filme, e esse foi sem dúvida, disparado, o melhor artigo que encontrei. Este filme foi, juntamente com "...E o vento levou", meu filme preferido por algum tempo. Porém, me decepcionei com ambos quando assisti novamente após algum tempo, e acho que todos os dois por conta do humor um pouco exagerado (que não me lembro encontrar nos filmes do John Ford, talvez a utilização de alguns personagens caricatos, mas lembro de gostar do humor sagaz dele, mas preciso reassistir para ter certeza). Mesmo assim, acho que "Meu nome é Ninguém" tem uma certa aura poética que me encanta, e conforme eu vou me distanciando da data em que assisti, eu vou ficando apenas com a impressão boa sobre ele...haha

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  4. O filme tem quase 50 anos e mesmo assim vez em quando assisto ele,considero atemporal ,muito a frente de muitos nos dias de hoje,sem conteúdo,sem noção, só arte gráfica,chega ser uma mesmice de repetições,este filme nos mostra e prende nossa atenção do início ao fim ,esperando pelo seu desfecho final, aí está uma prova que não fazem mais filmes bons como antigamente,queria ver fazerem um filme hoje em dia nestes moldes,sem arte gráfica,computadores,e efeitos , só pra ver o que saía

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