O diretor Enzo Barboni. |
Em 1973 o western-spaghetti já havia
deixado de ser a mina de ouro descoberta por diretores italianos. Ainda assim a
série ‘Trinity’ iniciada em 1970 fazia enorme sucesso tornando conhecido o
diretor Enzo Barboni, responsável por aquelas comédias ambientadas no Velho
Oeste. Tanto o êxito de público de Trinity quanto a fama de Barboni passaram a
incomodar Sergio Leone, o mais celebrado diretor de euro-westerns e reconhecido
como criador do gênero apelidado de 'western-spaghetti'. Leone gastara muito com a obra-prima “Era Uma Vez no
Oeste” e com seu filme seguinte que foi “Quando Explode a Vingança” sendo que
esses filmes não alcançaram o sucesso esperado na Itália e menos ainda nos
Estados Unidos. Enquanto isso a série com a dupla Trinità e Bambino faturava alto
tanto na Itália quanto no resto do mundo, inclusive nos States. Foi aí que
Leone decidiu mostrar que seria capaz de produzir um filme tão engraçado quanto
os de Barboni e ainda com mais conteúdo e linguagem artística.
Bambino (Bud Spencer) e Trinità (Terence Hill). |
A
ideia de ‘Ninguém’ - Para dirigir esse faroeste produzido
pela Rafran Cinematográfica, produtora de Leone, foi chamado Tonino Valerii
conhecido principalmente por “Dias de Ira” (com Lee Van Cleef e Giuliano Gemma).
Leone queria ver o filme feito mas não queria arriscar colocar seu internacionalmente respeitado nome assinando
uma western em tom mais divertido. Os
westerns-comédia de Enzo Barboni tinham títulos que faziam referência ao nome
do herói (“Lo Chiamavano Trinità”, “...Continuavano a Chiamarlo Trinità” e “E
Poi lo Chiamarono Il Magnífico”). Leone não se deu por achado e intitulou sua
produção como “Il Mio Nome è Nessuno” (Meu Nome é Ninguém), estrelado pelo
próprio ‘Trinità’ Terence Hill, ex-Mario Girotti. O ponto de partida da ideia
de Sergio Leone foi uma frase de “A Odisséia”, de Homero, quando o gigante
ciclope Polifemo pergunta a Ulysses qual seu nome e o grego responde ‘Ninguém’. Após vencer Polifemo Ulysses
grita para ele que agora é ‘Alguém’ Porém a
intenção real de Leone era confrontar um jovem e irreverente herói com outro
bastante famoso mas já decadente num ritmo possível de comédia. A ideia de
Leone foi desenvolvida por Fúlvio Morsella e Ernesto Gastaldi, com roteiro
deste último e Sergio Leone inovaria como diretor-ventríloquo de Tonino Valerii.
Jack Beauregard (Henry Fonda) enfrenta sozinho o The Wild Bunch. |
Desafio
desproporcional - Jack Beauregard (Henry Fonda) é um
envelhecido pistoleiro que busca se vingar da morte do irmão Nevada Kid morto
por ordem de Sullivan (Jean Martin). Sullivan é um escroque que controla uma
mina usada para lavar ouro roubado de bancos por uma quadrilha chamada The Wild
Bunch. O ano é 1899 e desiludido com o Velho Oeste, Beauregard tenciona partir
para a Europa e conta isso para o jovem Nobody (Terence Hill). Nobody admira
bastante Beauregard e quer ver o nome de seu ídolo entrar para a história e
para isso o desafia a enfrentar o The Wild Bunch, bando composto por 150
cavaleiros fortemente armados. Beauregard se vê diante do descomunal adversário
e se sai bem desse confronto dizimando parte do bando. Para não deixar rastro
de seu paradeiro, Beauregard aceita participar de uma farsa em forma de duelo contra
Nobody. Este é mais rápido e fere Beauregard de forma supostamente mortal. Com
seu nome inserido nos livros de história Beauregard pode agora partir para seu
merecido descanso, deixando Ninguém como novo personagem importante daqueles
territórios onde os mais rápidos se tornam famosos.
Acima Tonino Valerii conversando com Sergio Leone na avenida em New Orleans onde foi filmado o duelo; atrás deles conversam Terence Hill e Henry Fonda. Abaixo o duelo. |
Sóbrio, esbanjando dignidade e talento, Henry Fonda. |
Enfrentando
os filhos bastardos - Tarefa nada fácil é levar o humor
aos faroestes, intenção que gerou alguns desastres cinematográficos como “Nas
Trilhas da Aventura”, de John Sturges. Mais difícil ainda é mesclar um tema
grave como a decadência de um pistoleiro com a pândega debochada no estilo de
Trinità. Afastando-se da mera paródia tão comum nos westerns-spaghetti, “Meu
Nome é Ninguém” se propõe a contrapor o então agonizante faroeste
norte-americano retratado na figura de Beauregard, com a enérgica alegria e
descomprometimento expressado em cada gesto e frase de Nobody. Mais uma vez
Leone presta reverência aos heróis que ele amou e que não queria ver
desaparecidos com Beauregard que sintetiza os personagens vividos por John
Wayne, Joel McCrea, Randolph Scott, Gary Cooper, Glenn Ford e tantos outros e
em especial por Henry Fonda. Todos eles heróis da infância de Leone que os viu
dar lugar aos seus ‘filhos bastardos’, como ele mesmo denominou os Ringos,
Sartanas, Djangos e Sabatas. Êmulos de seu personagem mais célebre, o ‘Estranho
Sem Nome’, vivido por Clint Eastwood. E nessa mescla entre o sério e o
cerimonioso residem os defeitos maiores de “Meu Nome é Ninguém” que tinha tudo
para ser um grande filme e acaba sendo apenas um divertimento não para todos os
gostos.
Terence Hill tentando ser engraçado como Nobody. |
A
pantomima de Nobody - A série de Enzo Barboni com o herói
Trinità e seu companheiro Bambino (Bud Spencer) caiu no gosto do público de uma
forma especial, tornando-se fenômeno de bilheteria. No país da sutileza de
Mário Monicelli e da refinada galhofa de Totó, estranha-se esse sucesso que está
mais para os Três Patetas que para o riso provocado pelo talento de Vittorio
Gassman, Ugo Tognazzi e outros. Reflexo, certamente, de um momento
cinematográfico, os anos finais do western-spaghetti que havia criado os mais
excêntricos anti-heróis, todos desgastados pela repetição. E o modelo de
Barboni foi a opção de Sergio Leone, dando a “Meu Nome é Ninguém” o tom e o ritmo
dos filmes do criador do desabusado Trinity. Após a introdução de Nobody com
sua insólita pescaria, todas as demais sequências se mostram cansativas e até
inoportunas. A passagem de Nobody pelo circo com a casa dos espelhos, o
pastelão das tortas, o prolongado sofrimento no mictório público. E mais que
todas a homenagem ao clássico “Gatilho Relâmpago” (The Fastest Gun Alive), de
Russell Rouse, com Glenn Ford. É quando Nobody exibe sua perícia com o revólver
mesmo após ingerir uma quantidade de whisky capaz de derrubar um elefante. Antes
de esbofetear interminavelmente um calvo adversário, Nobody humilha justamente
o personagem ‘Squirrel’ (Esquilo), interpretado pelo londrino Neil Summers,
ator e dublê de tantos faroestes norte-americanos e famoso por seus dentes de
roedor. A melhor e mais inteligente das gags do filme é a do fotógrafo enquadrando o
duelo, por acaso aquela na qual Nobody é mero figurante.
Abaixo a sepultura de Sam Peckinpah indicando a morte do western no cinema. |
Fim
dos tempos das brincadeiras de mocinho - “Meu Nome é Ninguém” não segue o
estilo monossilábico dos personagens dos westerns-spaghetti com os muitos
diálogos entre Beauregard e Nobody. E o discurso final de Beauregard é um
profético testamento do que viria a acontecer com o gênero western mesmo após o
sopro revigorador de cineastas como o próprio Leone. “Não vai sobrar muito tempo para você fazer aquelas suas brincadeiras”,
diz Beauregard prenunciando o fim do western-spaghetti. Sam Peckinpah, o mais
inovador diretor de faroestes nos Estados Unidos, é lembrado numa tabuleta num
modesto túmulo num cemitério onde são enterrados também os últimos índios. “Quando eu era menino eu fazia de conta que era Beauregard”, lembra
nostalgicamente Nobody. O tom elegíaco deste western de Leone-Valerii é expresso
de forma sublime quando Beauregard coloca seu pequeno par de óculos para melhor
enxergar o The Wild Bunch que se aproxima. Joel McCrea também colocou óculos em
“Pistoleiros do Entardecer”, de Peckinpah, assim como John Wayne havia feito em
“Legião Invencível” de John Ford. Em meio a esses momentos de reflexão, “Meu
Nome é Ninguém” apresenta a sequência verdadeiramente grandiosa da aproximação
do colossal bando armado ao som da música de Ennio Morricone com trechos wagnerianos.
Puro Leone em sua delirante criatividade.
Jack Beauregard passando para a história. |
Morricone
impecável - Tão importante quanto a presença da inimaginável parceria
Henry Fonda-Terence Hill, parceria que só a cabeça de Leone poderia conceber, é
a música de Ennio Morricone, praticamente o terceiro personagem importante do
filme. Desde os créditos iniciais com o animado tema de ‘Nobody’ com as vozes do
Alessandroni Singers desenha-se o ritmo do filme. Mais adiante Morricone usa
trechos de composições feitas para westerns de Leone, salientando a guitarra de
Bruno Battisti D’Amario, o piano de Arnaldo Graziosi e o trompete de Gino
Agostinelli. Fica a saudade do canto de Edda Dell’Orso como no tema para Jill
em “Era Uma Vez no Oeste”. E Morricone empresta o tema principal da ópera de
Richard Wagner, o conhecido trecho de “A Cavalgada das Walkyrias”,
emoldurando magnificamente o confronto entre Beauregard e o The Wild Bunch.
Utilizado anteriormente em 1915 por David W. Griffith em “O Nascimento de uma Nação”,
certamente Francis Ford Coppola assistiu “Meu Nome é Ninguém” antes de criar a
antológica sequência dos helicópteros em “Appocalipse Now” (1979).
O enquadramento da foto do duelo na virada do século XIX; abaixo Benito Stefanelli em ação com seu time de dublês. |
Sucesso
absoluto de bilheteria - Filmado parte em La Calahorra, na Andaluzia (Espanha),
“Meu Nome é Ninguém” teve locações em New Orleans (Louisiana), no Bairro Francês, usado
para o duelo entre Beauregard e Nobody. Outras locações nos Estados Unidos
foram feitas no Novo México (Alamogordo) e no Colorado. Excelente o trabalho de
Benito Stefanelli e seu grupo de stuntmen mostrando o quanto o euro-western se
aproximou dos norte-americanos nesse quesito. Henry Fonda, aos 68 anos, é o grande
nome do elenco com sua evocação perfeita da desilusão de ver o fim de uma era.
Terence Hill muito bom quando olha extasiado para Henry Fonda como se estivesse
diante de um mito real, o que não deixa de ser verdade. No resto, Hill é um
excessivo careteiro com grande habilidade nas cenas de ação. R.G. Armstrong em
aparição diferente de seus tipos característicos de pastor e/ou de insano.
Pequenas participações de Leo Gordon, Geoffrey Lewis e Neil Summers. O vilão
Jean Martin completamente inadequado para o papel. A intenção de Sergio Leone
de produzir um western de sucesso foi alcançada pois “Meu Nome é Ninguém” atraiu
um público enorme na Itália e onde mais foi exibido. Certamente para ver Trinità
se transformar em Nessuno (na Itália) ou Trinity virar Nobody para o resto do mundo
na versão em Inglês. Foi, no entanto um adeus apenas regular de Sergio Leone e
também de Tonino Valerii ao gênero. Por sinal os dois cineastas nunca mais se
falaram após esse filme que deixou ressentimentos em Valerii e uma sensação de
fracasso em Leone.
Podem chamá-lo 'O Magnífico' Henry Fonda. |
Excelente western. Não tem nada de excessivo. O diretor faz o contraponto entre um pistoleiro prestes a se aposentar e o seu fã, um jovem com jeito de desmazelado, malemolente, cínico e habilidoso. O contraponto entre a tradição e o moderno.
ResponderExcluirMr Bean, westernmaníaco
Perfeita e brilhante argumentação (repetindo o que está escrito na resenha) de um westernmaníaco que se identifica por um vulgo e que só faz comentários a respeito de westerns-spaghetti. Não seria melhor se identificar como 'Mr. Bean, spaghettimaníaco'? Ou o gênero western se resume apenas às produções feitas naquele curto período em que o modismo do faroeste tomou conta da Itália e imediações?
ResponderExcluirAssinado Darci Fonseca, discípulo de Hoppy Losso e Doc Barretti, westernmaníacos autênticos.
Filme moderadamente bom.
ResponderExcluirEstive fazendo uma pesquisa sobre esse filme, e esse foi sem dúvida, disparado, o melhor artigo que encontrei. Este filme foi, juntamente com "...E o vento levou", meu filme preferido por algum tempo. Porém, me decepcionei com ambos quando assisti novamente após algum tempo, e acho que todos os dois por conta do humor um pouco exagerado (que não me lembro encontrar nos filmes do John Ford, talvez a utilização de alguns personagens caricatos, mas lembro de gostar do humor sagaz dele, mas preciso reassistir para ter certeza). Mesmo assim, acho que "Meu nome é Ninguém" tem uma certa aura poética que me encanta, e conforme eu vou me distanciando da data em que assisti, eu vou ficando apenas com a impressão boa sobre ele...haha
ResponderExcluirO filme tem quase 50 anos e mesmo assim vez em quando assisto ele,considero atemporal ,muito a frente de muitos nos dias de hoje,sem conteúdo,sem noção, só arte gráfica,chega ser uma mesmice de repetições,este filme nos mostra e prende nossa atenção do início ao fim ,esperando pelo seu desfecho final, aí está uma prova que não fazem mais filmes bons como antigamente,queria ver fazerem um filme hoje em dia nestes moldes,sem arte gráfica,computadores,e efeitos , só pra ver o que saía
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