Burt Lancaster conseguiu enorme sucesso
como ator dramático no início de sua carreira atuando em filmes como “Os Assassinos”,
“Brutalidade”, “Uma Vida por um Fio”, “Baixeza” e “A Um Passo da
Eternidade”. Foi, no entanto, com a
trilogia de capa-e-espada “O Gavião e a Flecha”, “Sua Majestade, o Aventureiro”
e principalmente “O Pirata Sangrento” que Lancaster ampliou seu público
mostrando que era tão bom em filmes de emocionantes aventuras como nos dramas.
E Burt Lancaster foi ainda um dos primeiros atores a se envolver com a produção
de filmes, iniciando essa nova aventura em sociedade com Harold Hecht, com quem
produziu “O Pirata Sangrento” e o western “O Último Bravo” (Apache). Esses dois
filmes tiveram excelentes bilheterias, o que possibilitou à Hecht-Lancaster
Productions partir para um projeto mais ambicioso, um novo western. Esse filme
seria “Vera Cruz”, baseado numa história de Borden Chase.
Dardo e Capitão Vallo |
Lancaster
escolhe seu personagem - “O Último Bravo” custara 1.240.000
dólares e rendera seis milhões de dólares. Para a nova produção a Hecht-Lancaster
calculou um orçamento de 1.750.000 dólares e programou o filme para ser rodado inteiramente
no México. Foram contratados Robert Aldrich, o mesmo diretor de “O Último
Bravo” para dirigir “Vera Cruz” e Alfredo Ybarra para conceber o desenho de
produção do filme. A equipe composta por 150 pessoas entre atores e técnicos
chegou ao México e as filmagens tiveram início em 3 de março de 1954,
prolongando-se até 12 de maio do mesmo ano. A maior parte das filmagens ocorreu
em Cuernavaca (Morellos) com os interiores rodados nos estúdios Churubusco. A
história de Borden Chase foi roteirizada por Roland Kibee em parceria com James
R. Webb, sendo continuamente alterada durante a produção. A princípio Burt
Lancaster iria interpretar o personagem ‘Ben Trane’, mas o ator-produtor
percebeu o maior potencial de ‘Joe Erin’, o outro personagem principal.
Lancaster orientou uma série de modificações no roteiro para que ‘Joe Erin’
fosse moldado em ‘Dardo’ e ‘Capitão Vallo’, personagens interpretados por
Lancaster em “O Gavião e a Flecha” e “O Pirata Sangrento”, respectivamente.
Gary Cooper |
Gary Cooper como Ben Trane - Cary Grant chegou a ser sondado para interpretar
‘Ben Trane’ mas recusou a oferta respondendo a Lancaster que não chegava perto
de cavalos. O segundo nome da lista era o de Gary Cooper que aceitou trabalhar
por 200 mil dólares e mais uma porcentagem nos lucros do filme (Cooper recebeu
um milhão de dólares no total). O elenco principal foi completado por César
Romero, George Macready, Henry Brandon, Morris Ankrum, a francesa Denise
Darcel, a espanhola Sarita Montiel e coadjuvantes que em pouco tempo se
tornariam famosos como Ernest Borgnine, Jack Elam e Charles Bushinsky, este
adotando o sobrenome Bronson. Um dançarino negro chamado Archie Savage, que
havia atuado com Lancaster em “Sua Majestade, o Aventureiro”, foi também
elencado para “Vera Cruz”. Conta-se a história que Borgnine e Bronson teriam
ido a um bar em Morellos onde foram confundidos com bandidos e presos, mas essa
história não é verdadeira. Quem foi preso de fato numa cantina foi o stuntmen e
ator Charles Horvath, confundido pela polícia mexicana com ‘Jamarillo’, um
bandido procurado pela Justiça mexicana. Burt Lancaster tinha como marca
registrada o hábito de sorrir bastante, até exageradamente, mostrando sua
perfeita dentição em seus últimos filmes. Mas para “Vera Cruz” o vaidoso Burt
gastou cinco mil dólares encapando todos os dentes que surgem na tela a todo
momento, mais alvos que nunca.
A nobreza que dominava o México: Denise Darcel com Cesar Romero acima) e com Henry Brandon. |
Juaristas
contra franceses - A história de “Vera Cruz” se passa
durante o Segundo Império Mexicano (1864-1867), quando o México era dominado
pelos franceses e quando Maximiliano de Habsburgo-Lorena era o Imperador
daquele país designado que foi por Napoleão III. Nesse período teve início uma
revolução e aventureiros norte-americanos chegam ao México tentando tirar
proveito dos conflitos entre os revoltosos juaristas e as tropas de Maximiliano
(George Macready). O imperador quer mandar um carregamento de ouro para a
Europa e para isso contrata os aventureiros Joe Erin (Burt Lancaster) e Ben
Trane (Gary Cooper) que lideram um bando de gringos. Erin e Trane decidem ficar
com o tesouro mesmo tendo de enfrentar o pelotão comandado pelo Marquês de
Labordere (Cesar Romero) e pelo Capitão Danette (Henry Brandon), ambos de
confiança de Maximiliano. Para se apossar do ouro Erin e Trane precisam ser
mais espertos que a Condessa Duvarre (Denise Darcel) que também planeja se
apossar do tesouro. Os juaristas são comandados pelo General Ramirez (Morris
Ankrum) e querem que o ouro permaneça com seus legítimos donos, os espoliados
mexicanos. Após uma violenta batalha entre os revolucionários e a tropa de Maximiliano,
Trane e Erin ajudam os juaristas mas não se entendem quanto ao destino do ouro,
o que os leva a um decisivo confronto.
Sarita Montiel e Morris Ankrum |
Discreta mensagem política - Desde o primeiro encontro entre Erin
e Trane “Vera Cruz” prenuncia que nenhum deles é confiável. Aventureiros em
busca de alugar coragem e experiência a quem pagar melhor. À medida que outros
personagens surgem fica claro que ninguém na história, assim como Erin e
Trane é totalmente honesto e que a cobiça move a todos eles. Exceção única são
os juaristas que lutam por uma causa, mas mesmo Nina (Sarita Montiel), uma
jovem que quer ver seu país livre do domínio francês, não perde a oportunidade
para roubar a carteira do norte-americano Ben Trane distraído por seu encanto. Maximiliano,
o imperador, quer usar os mercenários para depois matá-los; a Condessa Duvarre
quer ludibriar o imperador e também os norte-americanos; Trane confia em Erin
tanto quanto Erin merece ser confiável, ou seja, nada. Os únicos seres dignos
da história seriam os revolucionários que querem o México para os mexicanos e
aí estaria contida a mensagem antiimperialista, e por isso mesmo, política do
filme. O filme de Aldrich porém não se preocupa com mensagem de qualquer tipo,
tendo a intenção única de divertir. Um western com a dinâmica de um movimentado
capa-e-espada. Capitão Vallo do Oeste na Revolução Mexicana, lembrando que
Vallo era o pirata sem pátria assim como seus liderados. Para mais se aproximar do bem sucedido “O
Pirata Sangrento” os personagens de “Vera Cruz” desconhecem a honradez e mais
que todos eles Joe Erin.
Show
de Burt Lancaster - O grande achado de “Vera Cruz” é
justamente ser um western passado num ambiente estranho ao gênero, envolvendo
nobres com ascendência européia e seus refinamentos confrontados com a rudeza
de cowboys. A sequência em que Joe Erin (Lancaster) choca a etiqueta da nobreza
na festa do palácio, clichê de muitos capa-e-espadas e presente em “O Pirata
Sangrento”, atinge o grau máximo de comicidade do filme. A soberba do Capitão
Danette (Henry Brandon) é escarnecida por Joe Erin num procedimento
incompatível para um herói do Velho Oeste. Mas Joe Erin não é esse herói comum
a tantos westerns e sim um modelo inédito no cinema norte-americano, que seria copiado
muitas vezes e personagem recorrente nos westerns-spaghetti que invadiriam as
telas dez anos depois. Dono do filme, produtor que foi do mesmo, Lancaster dá
um show inesquecível, como o charmoso, cativante, odioso e repugnante herói que
está em meio a uma revolução apenas para ganhar dinheiro e mais tarde tentar se
apropriar do disputado ouro. Seu contraponto é o ex-Coronel do Exército
Confederado, para quem a brutalidade das plantações e mansões queimadas durante a Guerra Civil
nunca foi esquecidas. Ao contrário de Erin, a causa revolucionária seduz Ben
Trane, assim como a bela Nina. Para a suave e perfumada Condessa Duvarre,
sobram os tapas desferidos por Joe Erin, a quem seus perfumes e charme não
conseguem iludir.
Lancaster e Cooper em ação; Charles Bronson beijando Sarita Montiel. |
O talento
de Robert Aldrich - As sequências de ação de “Vera Cruz”
se sucedem num ritmo frenético, não faltando intrigas e traições, que se
iniciam com o encontro de Erin e Trane; prosseguem com a fuga deles saltando fenda de
despenhadeiros como nos antigos seriados; com Joe Erin mostrando quem é o líder
na junção dos dois bandos de aventureiros; na exibicionista demonstração de
pontaria no palácio de Maximiliano; na emboscada dos juaristas à carruagem que
transporta o ouro; no ataque dos revolucionários às forças imperialistas na
missão; e finalmente no clássico duelo entre o bem e o mal, clichê dos
faroestes do qual “Vera Cruz” não abriu mão. Num filme relativamente curto, de
apenas 94 minutos, há espaço para um excelente grupo de atores
coadjuvantes, cada um se destacando em pelo menos uma sequência. O sadismo de
Borgnine ao assistir a tentativa de estupro de Charles Bronson contra Sarita
Montiel; os passos da dança sulista de Archie Savage em meio ao flamengo das
dançarinas mexicanas; o constante desejo de ação de Jack Elam; a hostilidade de
Jack Lambert; a dignidade de Morris Ankrum como o general juarista; a
arrogância de Henry Brandon; a falsa simpatia de César Romero e a caliente sensualidade
de Sarita Montiel. Robert Aldrich só conseguiria fazer melhor com o portentoso e
bem dirigido elenco de “os Doze Condenados”.
Lancaster mais exibicionista que nunca. |
A influência
de “Vera Cruz” - Chama a atenção em “Vera Cruz” o desenho de produção de Alfredo
Ybarra ambientando sequências em locais de grande beleza como as pirâmides de
Teotiaucan e outros cartões postais do México. Gary Cooper com sua atuação discreta
mas segura ajudou no grande sucesso de “Vera Cruz” que arrecadou nove milhões
de dólares quando de seu lançamento, sucesso merecido para essa memorável aventura.
Porém mais importante que o êxito financeiro do filme foi sua influência em
tantos outros westerns passados nos conflitos políticos mexicanos. O
precursor dessa série de filmes foi “Viva Zapata” (1952) que, apesar das cinco
indicações ao Oscar, nenhuma influência deixou no faroeste ao contar a história
do revolucionário Emiliano Zapata. Mas é a “Vera Cruz” que muito devem “Sete
Homens e um Destino”, “Meu Ódio Será Sua Herança”, “Os Profissionais”, “Os
Abutres Têm Fome” e até “Viva Maria”. O western-spaghetti “Chamam-me Aleluia” (Mi
Chiamano Alleluya) parodiou “Vera Cruz” e Giuliano Gemma confessou sua
admiração pela interpretação de Lancaster como Joe Eri. Essa interpretação rompeu
com o esquematismo dos heróis do faroeste e o fascinante modelo de amoral anti-herói
foi imitado à exaustão. Mas Burt Lancaster com seu inconfundível e exagerado
sorriso era um só, faceta cômica desse grande ator que brilha intensamente neste fantástico faroeste.
Burt Lancaster liquída Jack Lambert com perícia sob as vistas de Gary Cooper e Cesar Romero (acima); Lancaster desrespeitando a etiqueta. |
Aventureiros de "Vera Cruz": Ernest Borgnine, Charles Bronson e Archie Savage; abaixo James McCallion, James Seay e Jack Elam. |
As pirâmides de Teotiaucan como cenário; abaixo Gary Cooper recupera sua carteira devidamente esvaziada por Sarita Montiel. |
Assisti e recomendo o filme. A temática e interessantíssima: a luta do povo mexicano contra Maximiliano da Austria. Recomendo.
ResponderExcluirProvavelmente o mais spaghetti dos westerns americanos. São muitas as influências, incluindo um personagem de Charles Bronson tocando gaita (harmonica).
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