Conhecido como ‘Ciclo Ranow’ a série de
westerns produzida por Randolph Scott em sociedade com Harry Joe Brown é
confundida com a série de westerns dirigida por Budd Boetticher e estrelada por
Scott. Um dos mais cultuados filmes dessa série “Sete Homens Sem Destino”
(Seven Men from Now), foi produzido não pela Ranow, mas sim pela Batjac de John
Wayne. "Um Homem de Coragem" (Westbound) teve produção da Warner Bros. e não da Scott-Brown. E dos sete filmes dirigidos por Boetticher e interpretados por Randy
Scott são considerados os melhores aqueles quatro cujos roteiros foram escritos
por Burt Kennedy. Não é o caso de “Entardecer Sangrento” (Decision at Sundown),
de 1957, que teve como roteirista Charles Lang, que se baseou numa história de
Vernon L. Fluharty. No entanto “Entardecer Sangrento” merece figurar entre os
principais westerns de Scott dirigidos por Budd Boetticher.
|
Acima Noah Beery Jr. e Randolph Scott; abaixo Scott interrompendo o casamento. |
Vingança
injusta - Os westerns de Randolph Scott sob direção de Budd
Boetticher têm em comum o tema da vingança e sempre com o personagem de Scott
tentando vingar sua esposa morta. Em “Entardecer Sangrento” não é diferente e
Bart Allison (Randolph Scott) chega a Sundown em companhia do amigo Sam (Noah
Beery Jr.) decidido a matar Tate Kimbrough (John Carroll). Ocorre que Kimbrough
se tornou o homem mais poderoso de Sundown e toda a cidade o teme e admira. E
Allison encontra a cidade se preparando para a cerimônia de casamento de
Kimbrough com Lucy Summerton (Karen Steele) a moça mais bonita do lugar. Quando
o Juiz de Paz Zaron (Richard Deacon) profere as palavras “Se alguém souber de algo que impeça este casamento...”, Allison
que adentrara a igreja diz a todos que se o casamento acontecer a noiva ficará
viúva antes do anoitecer. Após essa ameaça trava-se um confronto entre os
homens de Kimbrough liderados pelo xerife Swede (Andrew Duggan) contra a dupla Allison
e Sam acuados numa estrebaria. Ao entardecer, depois de algumas mortes,
inclusive a de Sam, Allison descobre que cometeria um erro ao matar Kimbrough.
Allison considerava Kimbrough culpado pelo suicídio de sua esposa, sendo que os
fatos ocorreram de forma diferente.
|
Randy Scott como Bart Allison. |
O
indisfarçável rancor - Em “Entardecer Sangrento” Bart
Allison é um homem obstinado por vingar a esposa Mary que cometera suicídio uma
semana antes de Allison retornar da Guerra Civil. Allison acredita que o
causador do suicídio teria sido Tate Kimbrough, a quem persegue por três anos. Porém
quem contou sobre a morte de Mary não disse a Allison que sua esposa era uma
mulher frívola que cometera outros casos de infidelidade além daquele com
Kimbrough. Esse fato, por si só, já é um surpreendente e diferente ingrediente
na motivação da vingança de Bart Allison. Até a descoberta da verdade muitos
outros fatos se sucedem em Sundown fazendo com que este filme com roteiro de
Charles Lang e não de Burt Kennedy, como foi dito, seja um dos mais fascinantes
da série Scott-Boetticher. De início “Entardecer Sangrento” dá a impressão de
ser um western menos trágico e mais irônico, no mesmo tom que Boetticher imprimiria
a seu filme seguinte que foi “Fibra de Herói” (Buchanan Rides Alone), de 1958.
Passados os 20 minutos iniciais de “Entardecer Sangrento”, a cínica e risonha interpretação
de Randolph Scott dá lugar ao herói de feições imutáveis e eternamente
rancorosas.
|
Herói desconstruído. |
Herói
humilhado - Esplendidamente esboçado por Budd Boetticher, o herói de
“Entardecer Sangrento” (Randolph Scott) passa por um processo de total
desconstrução. Personagens principais de outros westerns, entre eles Will Kane
de “Matar ou Morrer”, Jimmy Ringo de “O Matador”, George Temple de “Gatilho
Relâmpago”, Howard Kemp de “O Preço de um Homem” e Ethan Edwards de “Rastros de
Ódio” já haviam sido mostrados como seres humanos cujas personalidades iam da
covardia ao racismo exacerbado. Boetticher descreve Bart Allison como um homem
atormentado pelo desejo de vingança o que o leva a proceder como um estúpido,
insensível e pior que tudo, traído humilhantemente pela esposa que adorava. E
num insólito final de faroeste Allison parte de Sundown mais amargurado que
nunca e derrotado por sua própria irascibilidade. Apenas o tratamento dado a
esse personagem seria suficiente para fazer de “Entardecer Sangrento” um
western importante não só na filmografia de Boetticher, mas no próprio gênero.
|
Acima os bandidos de Sundown: H.M. Wynant, Andrew Duggan e Bob Steele; abaixo John Archer e Randolph Scott. |
A
superação de Sundown - O inteligente roteiro de “Entardecer
Sangrento” destaca-se também por demonstrar como uma cidade dominada por um
homem apenas pode se conscientizar e se livrar de sua covardia e conformismo. O
Dr. John Storrow (John Archer), médico da cidade é a única pessoa a contestar o
poder de Tate Kimbrough. Pacientemente consegue ele fazer com que o rancheiro
Morley Chase (Ray Teal) e seus homens ‘nivelem’, como o médico diz, o covarde
confronto entre Allison e os homens de Kimbrough comandados pelo xerife Swede
Hansen (Andrew Duggan). Entre um gole de uísque e outro e diante dos
acontecimentos, os cidadãos de Sundown se enchem de coragem para virar as
costas a Kimbrough e encontrar a resiliência da cidade. Entre esses
acontecimentos estão a cerimônia de casamento interrompida, o covarde assassinato
de Sam, amigo de Allison e a iminente morte de Allison acuado como um rato pelo
xerife Swede. Acaba o Dr. Storrow sendo o personagem mais importante de toda a
trama, ainda que sem portar armas e usando apenas seu exemplo de coragem e as
palavras que persuadem os covardes de Sundown.
|
James Westerfield e John Archer; Karen Steele de noiva e Valerie French. |
O
aviso da cascavel - Quando o personagem Sam pergunta a
Bart Allison por que este não consumou sua vingança dentro da igreja, Allison
responde que “mesmo uma cascavel alerta
sua vítima”. Allison queria prolongar através da tortura do medo o
sofrimento de Kimbrough, mas não é o que acontece pois é Allison quem passa de
caçador a caçado. “Entardecer Sangrento” tem poucas cenas de ação e em nenhuma
delas as clássicas lutas do herói com os vilões. Quando muito há troca de tiros
interrompendo os preciosos diálogos capazes de resultar em um western
fascinante. É a magia de Budd Boetticher em outro belo filme conseguindo com
que tantos personagens sejam perfeitamente delineados em poucas falas. Para
aqueles que atentam aos muitos atores característicos dos pequenos filmes é
prazeroso ver Noah Berry Jr., Ray Teal, James Westerfield, Guy Wilkerson e
Richard Deacon em papéis de certo destaque. Vaughn Taylor, ator de tantas e pequeníssimas
participações em faroestes, chega a se exceder na bela oportunidade de
interpretar o barbeiro falastrão. E há ainda Bob Steele e até Pierce Lyden,
ambos aparecendo em diversas sequências. Uma pena que todos eles coadjuvem a
canastrice de John Carroll enquanto Karen Steele e Valerie Frech disputem durante o filme quem
é pior atriz. E Randolph Scott mais uma vez dá prova de sua generosidade
permitindo que o bom ator John Archer tenha papel até de maior importância que
o seu. No elenco ainda o ótimo Andrew Duggan desempenhando o xerife a serviço do
poderoso, a quem destemidamente contesta.
|
Randolph Scott e Vaughn Taylor; Andrew Duggan e John Carroll. |
Excelentes
filmes com pequenos orçamentos - Na década de 50 (e na seguinte)
Hollywood passou a produzir westerns cada vez mais caros, alguns deles verdadeiras
superproduções como “Sem Lei e Sem Alma” e “Da Terra Nascem os Homens”. No
entanto nem sempre foi alcançado um resultado artístico capaz de tornar esses filmes clássicos. Este terceiro western da parceria Budd Boetticher-Randolph
Scott com apenas 77 minutos de duração é claramente um faroeste, assim como os
demais da parceria, onde a economia de recursos foi fator primordial.
Diferentemente de John Sturges, Anthony Mann e Delmer Daves, Budd Boetticher
nunca teve oportunidade de trabalhar com orçamentos maiores e atores mais
conceituados. Fica-se a imaginar como resultaria um western dirigido por ele
com mais recursos e estrelados por um James Stewart, por exemplo. Além do campo
da mera imaginação, há esta série de sete faroestes que comprovam a merecida
fama que Boetticher passou a desfrutar, reconhecido como um dos grandes
diretores do gênero. E “Decision at Sundown”, com seu belo e apropriado título
em Português (“Entardecer Sangrento”) é exemplar como pequeno e primoroso
faroeste.
A Karen Steele não é uma atriz bonita (será parente do Bob Steele ? )
ResponderExcluirmas ela aparece em outro filme do Budd Boetticher e do Randolph Scott
que a meu ver é bem melhor que o "Entardecer.....) Falo do "O homem que luta só" onde além da Karen,estão Pernel Roberts e Lee V.Cleef .Gosto mais deste!
Abraços !!
Lau Shane
ExcluirA Karen Steele, aquela moça da cinturinha de pilão e seios pontiagudos não é parente do querido Bob Steele. A heroína de O Homem que Luta Só, como você lembrou, é ela mesmo.
Darci Fonseca
Prezado Darci,
ResponderExcluirComo sempre a sua análise é rica e precisa, concordo plenamente. No entanto, "Entardecer Sangrento" (Decision At Sundown) e "Fibra de Herói" (Buchanan Rides Alone) cujos roteiros foram de Charles Lang Jr. , bem como "O Homem de Coragem" (Westbound) este com roteiro de Berne Giller, não foram bem aceitos pela maioria dos críticos por não terem o roteiro escrito por Burt Kennedy. O próprio Budd Boetticher ( pronuncia-se Boriker pelos americanos) e Burt Kennedy não gostaram do resultado, alegando que os direitos foram adquiridos antes de suas contratações pela Ranown e por isso não houve a participação de ambos nas elaborações nos roteiros, o que não ocorreu no filme seguinte “Fibra de Herói” (Buchanan Rides Again) quando Boetticher e Kennedy interferiram no roteiro e falas sem o conhecimento de Lang.
Boetticher contou ao autor Robert Knott que sua maior preocupação era macular a imagem de Scott (Boetticher orgulhava-se de dizer que ele era o maior admirador de Scott como ator e ser humano) como herói e vingador de tantos filmes e não aprovou o seu personagem de bêbedo e fracassado no final de “Entardecer Sangrento” (Decision at Sundown).
A justificativa dada por Boetticher ao autor Knott foi: “ Randy Scott era perfeito, desde que eu o conheci ele nunca fez alguma coisa errada e, completava, se o Sul tivesse tido quarenta Randolph Scott , eles teriam ganhado a guerra”.
Os críticos, também, na maioria, não apreciavam o trabalho de Scott chamando de “Cara-de-Pedra” e outros rótulos, assim como fizeram com Clint Eastwood. No entanto, a sua legião de fãs em todo o mundo tinha outra impressão (incluindo Lee Marvin, Steve McQueen, Clint Eastwood, Martin Scorsese, Robert Knott, Andre de Toth, Michael Curtiz e muitos outros).
Outra particularidade era que Scott sempre exigia em seus filmes a participação, mesmo pequenas de antigos astros e amigos, em “Entardecer Sangrento” (Decision at Sundown) pode-se notar a presença dos citados Bob Steele, Pierce Lyden, Ray Teal, Noah Beery Jr., também, de Jack Perrin , Reed Howes, Bob Reeves, Philo McCullough, Guy Wilkerson e Herman Hack
No excelente “Pack” lançado pela Columbia Pictures (Sony Pictures) cujo título é “The Films of Budd Boetticher com Randolph Scott” estão os cinco filmes do ciclo Ranown e são comentados por Clint Eastwood, Martin Scorcese e Taylor Hackford, consta ainda o documentário “A Man Can Do That” e todos os trailers. A qualidade de imagem em cores e widescreen é extraordinária. Pena que não foi lançado no Brasil, até o momento.
Mario Peixoto Alves
Caro Mário
ExcluirVale o que escrevi na resposta ao Lau Shane. Entardecer Sangrento é muito melhor do que parecia. Peckinpah não teve a mesma preocupação de Boetticher com a imagem de Randy Scott, em Pistoleiros do Entardecer. Isso de macular a imagem me parece uma tolice. Seria o mesmo que imaginar que Lee Marvin jamais pudesse estar do lado da lei. John Wayne teve a imagem maculada por ter interpretado o mais odioso dos heróis em Rastros de Ódio? Claro que não, apenas demonstrou ser mais ator do que se imaginava. Você notou como foram ampliadas a as participações de atores secundários em Entardecer Sangrento? Gostei muito disso também. Não conheço o pacote The Films of Budd Boetticher com Scott, pelo que você disse vale a pena conhecer.
Darci Fonseca
Darci
ResponderExcluirRealmente o preciosismo de Boetticher com a imagem cinematográfica de Randy Scott é exagerada, considerando que anteriormente Scott havia interpretado fora-da-lei em "The Doolin of Oklahoma'' (A Lei é Implacável) e "Western Union" (Os Conquistadores), em ambos morrendo no final e um cínico e corrupto agente de terras em "The Spoilers" (A Indomável) com John Wayne.
Mario
Olá, Mário
ResponderExcluirBoas lembranças essas. Não vi ainda A Lei é Implacável. Muitos entendem que as feições de Randolph Scott eram as que mais se aproximavam das de William S. Hart. Assim como Hart, Scott possuía um rosto perfeito para homens maus, daqueles que raramente sorriem e expressam grande amargura na alma.
Darci Fonseca
Gostei do texto do Mario Peixoto sobre Boetticher e o cuidado com a imagem de Randolph Scott !
ResponderExcluirLau Shane
ExcluirComo você já deve ter observado, os comentários do Mario Peixoto Alves demonstram ser ele um profundo conhecedor do gênero faroeste. Suas sempre pertinentes observações enriquecem os textos com informações que ele extrai certamente de uma biblioteca das mais completas. Isto além de possuir o bom gosto que fica patenteado nas entrelinhas dos comentários, tudo sem jamais alardear conhecimento e sem se julgar dono da verdade.
Darci Fonseca
Com respeito e licença dos dois , eu aprendo muito, lendo as matérias do articulista e os comentários do Sr.Mario Peixoto. Não basta apenas gostar
ResponderExcluirde cinema e curtir o gênero western. As observações e os comentários informam e enriquecem nosso conhecimento sobre filmes,atores,diretores,etc..Abraços !!
Acabo de rever "Entardecer sangrento" filme interessante,que foge um pouco da história tradicional e repetida dos filmes de westerns.É prá se respeitar,sem dúvida!
ResponderExcluirPor também ter sido citado, vou rever "A lei é implacável" de Gordon Douglas.Não me recordo do enrêdo ! Abraços !
O roteiro é uma Obra-Prima e este brilhante faroestes é um dos melhores da carreira do astro Randolph Scott.Elenco competente de coadjuvantes, com antigos ases do gênero em papéis menores menores - Bob Steele, Guy Wilkerson e, numa pontinha, o cowboy do cinema silencioso Jack Perrin.
ResponderExcluirConheci-o em 2012 e revi-o hoje!
ResponderExcluirBom faroeste da lenda RS... um dos 7 da parceria entre ele e o ótimo diretor Budd!
Histórico (com as datas que achei) do filme na tv aberta:
1975 – 02/03 – DOMINGO – 00:00 – GLOBO – CORUJA COLORIDA
1976 – 08/08 – 4ª – 00:00 – GLOBO – SESSÃO CORUJA (NO RJ NÃO)
1978 – 16/10 – 2ª – 00:00 – GLOBO – SESSÃO CORUJA
1979 – 21/05 – 2ª – 23:40 – GLOBO – SESSÃO CORUJA
1980 – 17/05 – SÁBADO – 04:15 – GLOBO (NO RJ NÃO)
1980 – 03/08 – DOMINGO – 06:30 – GLOBO
1992 – 05/02 – 4ª – RECORD – SESSÃO BANG-BANG