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3 de março de 2015

O RETORNO DE CLINT EASTWOOD AOS U.S.A. E O MASSACRE DA TRILOGIA DOS DÓLARES


Sergio Leone dirigindo Rory Calhoun
em "O Colosso de Rodes".
É bastante conhecido o início da trajetória de Clint Eastwood como ator. Apesar de sua boa estampa não foi bem aproveitado pelo cinema em seu país, tendo mais sorte na televisão onde coestrelou a série “Rawhide” ao lado de Eric Fleming. Após alguns anos interpretando Rowdy Yates nessa série a insatisfação começou a tomar conta de Eastwood que sabia que séries produzidas para a televisão marcavam negativamente um ator, reduzindo enormemente suas chances de vencer no cinema. Lá na Itália, encerrado o ciclo chamado ‘Sandália e Espada’ os produtores passaram a explorar um novo filão iniciado timidamente nos anos 60, o western. Os italianos sempre gostaram muito do gênero e prova disso eram as histórias em quadrinhos que desde os anos 40 eram produzidas na Itália, chegando inclusive ao Brasil, entre elas “O Pequeno Xerife” (Il Picollo Sceriffo) e “Tex Willer”, este publicado na revista ‘Júnior’, ambas semanais. Sergio Leone, foi um dos diretores que migraram dos épicos para o western com um projeto próprio, ele que adorava os clássicos norte-americanos do gênero. Conseguido o financiamento de 200 mil dólares, Leone começou a busca pelo ator principal de seu primeiro faroeste, que deveria ser um ator norte-americano para ser um homem do oeste autêntico.

Capa do exemplar n.º 1 de "O Pequeno Sheriff", de autoria de Tristano Torelli e
Camilo Zuffi, HQ lançada na Itália em 1948 e no Brasil em 1949; abaixo o exemplar
n.º 28 do gibi "Júnior" (1951), edição em que pela primeira vez foi publicada uma
aventura de Tex Willer, criação de Gian Luigi Bonelli e Aurelio Gallepini.

Acima Clint Eastwood e Eric Fleming;
abaixo Clint com sua Ferrari 275 GTB.
O início da Trilogia - Os produtores contataram, pela ordem, Henry Fonda, James Coburn, Charles Bronson, Richard Harrison e Eric Fleming, o companheiro de Clint Eastwood na série “Rawhide”. Fleming também não aceitou a proposta mas sugeriu o nome de Clint Eastwood. O salário oferecido foi de 15 mil dólares e o filme seria rodado aproveitando o interregno entre uma temporada e outra de “Rawhide”. Clint aceitou a aventura italiana, principalmente porque teria oportunidade de conhecer a Itália (e parte da Espanha), de graça. O resto é história bastante conhecida. “Por um Punhado de Dólares” (Per un Pugni di Dollari) fez um enorme sucesso na Itália e uma continuação era inevitável. E veio “Por Uns Dólares a Mais” (Per Qualche Dollaro in Più), com o salário de Clint Eastwood passando para 50 mil dólares para praticamente repetir o personagem criado no filme anterior. Novo sucesso estrondoso de bilheteria, não só na Itália, mas praticamente em toda Europa. A esta altura, os westerns italianos rodados no Sul da Espanha eram contados às dezenas, mas não se comparavam àqueles dirigidos por Sergio Leone. Isso levou ao terceiro filme da série que se convencionou chamar de ‘Trilogia dos Dólares’, novamente com Clint Eastwood como astro, mas ao preço de 250 mil dólares, além de uma novíssima Ferrari 275 GTB. Com os também norte-americanos Lee Van Cleef e Eli Wallach no elenco e com Leone cada vez mais criativo e com orçamento de um milhão de dólares, “Três Homens em Conflito” (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo) superou em bilheteria os filmes anteriores. Verdadeiro fenômeno de público, Clint Eastwood se tornou um nome equivalente ao de Marcello Mastroianni, mas frustrado pois em Hollywood ele continuava um ilustre ninguém.

A Trilogia chega aos States - Era impossível ignorar os sucesso da ‘Trilogia dos Dólares’ que segundo números divulgados havia levado mais de 50 milhões de espectadores aos cinemas só na Itália. A United Artists adquiriu então os direitos de exibição de “Por um Punhado de Dólares” nos Estados Unidos, lançando o western no dia 18 de janeiro de 1967. Ao contrário da crítica que detestou o filme de Sergio Leone, o público o transformou no western de maior sucesso daquele ano, rendendo 3,5 milhões de dólares. Os mais renomados críticos cinematográficos dos Estados Unidos, sem mencionar os nomes de Leone e Eastwood, escreveram resenhas nada simpáticas ao filme como estas:
Bosley Crowter (New York Times) – A melhor definição para este filme é um Western brega.
Judith Christ (World Journal Tribune) – Inteiramente horrendo. Homens e mulheres são espancados, queimados, pisoteados e esfolados até a morte.
Philip K. Scheuer (Los Angeles Time) – Filmado na Espanha, uma pena que esse filme não tenha sido enterrado lá mesmo.
Newsweek – Filme terrivelmente estúpido.

Críticas desprezíves - Aproveitando o sucesso de “Por um Punhado de Dólares”, sem perda de tempo a United Artists lançou “Por uns Dólares a Mais” nos Estados Unidos em maio de 1967. O público ávido por conhecer mais daquele novo estilo de faroestes lotou os cinemas como havia feito com o lançamento anterior. Este segundo western europeu de Clint Eastwood rendeu em seu lançamento na América 4,3 milhões de dólares. Clint já havia deixado de ser um estranho e passou a ser cobiçado por produtores de Hollywood espantados com o carisma daquele ator que nunca havia chamado a atenção anteriormente. Já a crítica redobrou os vitupérios tanto sobre “Por uns Dólares a Mais” quanto a Clint Eastwood, a quem decididamente detestava. Escreveram então coisas assim:
Bosley Crowther (The New York Times) – O matador interpretado por Clint Eastwood é uma máquina de matar sem nenhum arrependimento. Mr. Leone encena violência sobre violência e enche a tela com hediondas fantasias mortais.
Judith Christ (NBC Today Show) – Um tratado para necrófilos. O diretor deveria ser açougueiro.
Tanto Crowther quanto Judith sabiam que havia ainda um terceiro western a ser lançado...

‘Uma boa surra em Leone’ - O crítico Andrew Sarris do ‘Village Voice’ destoava de seus colegas pois havia percebido o talento de Sergio Leone. Sarris, defensor ardente da teoria do diretor como ‘autor’ de seus filmes, sabia que Leone era um artista criativo e original, imprimindo a seus filmes um estilo que faria escola. Referindo-se a “Três Homens em Conflito”, Sarris escreveu esta frase lapidar: “O western, como a água, ganha sabor com as impurezas”. Antes que “Três Homens em Conflito” fosse lançado nos Estados Unidos, Andrew Sarris já havia assistido ao filme na Europa e ficara admirado com o que vira. Já outros críticos não pouparam resenhas negativas como estas:
Charles Champlin (Los Angeles Times) – Não posso resistir ao trocadilho de chamar este filme de ‘O Mau, o Enfadonho e o Interminável’, porque é isso que ele é.
Pauline Kael (The New Yorker) – Filme estúpido e macabro que não merece ser classificado como western.
Time – Sergio Leone merece uma boa surra por se atrever a invadir o solo sagrado do western norte-americano.
Renata Adler (The New York Times) – O Carbonizado, o Logrado e o Destroçado, esse seria o título mais apropriado para o mais repelente filme da história do gênero western. Duas horas e meia de filme inteiramente sem sentido.

Clint entre os grandes de Hollywood - O público, como era de se esperar, fez os donos de cinemas e a United Artists ainda mais felizes com as bilheterias extraordinárias que superaram as dos dois outros westerns, atingindo a expressiva soma de 6,3 milhões de dólares. Clint Eastwood, que fora para a Itália sem nenhuma esperança de ter oportunidade em Hollywood, era, aos 37 anos de idade, um ator tão cobiçado quanto John Wayne, Lee Marvin, Paul Newman, Sidney Poitier, Steve McQueen, Sean Connery, Paul Newman e a então campeã de bilheterias Julie Andrews. A Colúmbia iria produzir o western “O Ouro de Mackenna” (Mackenna’s Gold) ao custo de sete milhões de dólares e queria Eastwood no papel principal. Mas Clint tinha outros planos para seu retorno à capital do cinema e, ainda bem, não participou dessa artisticamente fracassada superprodução.

Aniversário de John Wayne e ao redor do Duke que corta um bolo estão Lee Marvin,
Clint Eastwood, Rock Hudson, Fred MacMurray, James Stewart, Ernest Borgnine,
Michael Caine e Laurence Harvey.

A criação da Malpaso - Contatado também por Warner Bros., Paramount, Universal e United Artists, Clint Eastwood acabou firmando parceria para seu primeiro filme nos Estados Unidos com a United Artists. Era um tempo em que todos os grandes astros possuíam sua própria produtora atuando em parceria com os estúdios distribuidores. Clint Eastwood fundou então a Malpaso, sua companhia produtora, cujo escritório era uma espaçosa sala com apenas três funcionários (Malpaso significa em Espanhol ‘passo mal dado’). O contrato com a United Artists determinava que Clint Eastwood receberia o salário de 400 mil dólares e ainda metade dos lucros do filme, deduzidas as despesas de distribuição. O roteiro escolhido por Clint Eastwood denominava-se “Hang ‘Em High”, título do filme que no Brasil foi chamado de “A Marca da Forca”. Bem sucedido nas bilheterias, este western foi o primeiro de uma série de filmes com Clint Eastwood como astro, muitos deles dirigidos pelo próprio Clint que já em 1968 foi o 5.º ator da lista do Top-Ten Money Making Stars daquele ano.


Os prêmios Oscar de Melhor Diretor e
Melhor Filme por "Os Imperdoáveis".
Premiado produtor-diretor - Por outros 20 anos Clint Eastwood esteve sempre presente à lista dos atores que mais faturavam nas bilheterias, com as seguintes colocações: 5.º/1969; 2.º/1970; 2.º/1971; 1.º/1972; 1.º/1973; 2.º/1974; 6.º/1975; 4.º/1976; 3.º/1977; 5.º/1978; 2.º/1979; 3.º/1980; 2.º/1981; 2.º/1982; 1.º/1983; 1.º/1984; 3.º/1985; 7.º/1986; 8.º/1992; 1.º/1993. Os antigos críticos morreram ou se aposentaram e os novos se renderam ao talento de Clint Eastwood reconhecendo o muito bom ator que ele sempre foi, candidato por duas vezes ao prêmio Oscar de Melhor Ator. Clint recebeu o Oscar de Melhor Diretor por “Os Imperdoáveis” e dois dos filmes que dirigiu foram premiados com o Oscar de Melhor Filme do Ano: “Os Imperdoáveis” e “Menina de Ouro”. Às outras duas indicações para Melhor Filme do Ano (“Sobre Meninos e Lobos”, “Cartas de Iwo-Jima”) veio a se juntar uma quinta indicação em 2015 com “Sniper Americano”. Prestes a completar 85 anos de idade, Clint Eastwood deve estar rindo de quem duvidava que ele venceria em Hollywood após se tornar astro do western spaghetti.

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