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28 de março de 2015

‘CLINT’, ‘DÓLARES A MENOS’ E O MODESTO LANÇAMENTO DE UM CLÁSSICO


Giuliano Gemma, Clint Eastwood
O subgênero do faroeste que viria a ser conhecido por ‘Spaghetti Western’ era já bastante conhecido dos brasileiros em 1967, isto devido ao extraordinário êxito de “O Dólar Furado” (Il Dollaro Bucato). Lançado em maio de 1966, esse filme dirigido por Giulio Petroni permaneceu por surpreendentes 38 semanas consecutivas em cartaz no centro da cidade de São Paulo. Durante esses oito meses em que grande parte do público paulistano se apaixonou pelo novo estilo de faroeste, muitos outros westerns spaghetti foram lançados, entre eles “Por um Punhado de Dólares” (Per un Pugno di Dollari). Mesmo sem repetir o extraordinário êxito de “O Dólar Furado”, “Por um Punhado de Dólares” obteve respeitável sucesso, atingindo 16 semanas consecutivas nas salas lançadoras do circuito paulistano. A aceitação desses filmes pelo público gerou notória insatisfação da crítica especializada que demorou a reconhecer que na enxurrada daqueles faroestes diferentes, grande parte deles com dólar nos títulos, havia alguns de excepcional qualidade artística. E “Por um Punhado de Dólares” era um deles. Por outro lado os jornalistas descobriram logo que o diretor Bob Robertson não era outro senão o romano Sergio Leone. E não demorou para se saber que Clint Eastwood era Clint Eastwood mesmo, diferentemente de Montgomery Wood que americanizava o nome de Giuliano Gemma.

Cine Marrocos, verdadeiro palácio das
1000 e uma noites (no cinema).
O ainda luxuoso Cine Marrocos - O sucesso de “Por um Punhado de Dólares” possibilitou a Sergio Leone, um ano depois (1965), dirigir um segundo filme, que recebeu o título de “Por uns Dólares a Mais” (Per Qualche Dollari in Più). Este segundo western conseguiu a proeza de ser ainda mais bem sucedido nas bilheterias europeias que “Por um Punhado de Dólares”. Seria razoável esperar que os distribuidores brasileiros investissem em “Por uns Dólares a Mais”, mas, certamente devido ao excessivo número de westerns spaghetti aqui lançados, por vezes dois ou três por semana, não foi o que aconteceu. “Por uns Dólares a Mais” foi lançado (em São Paulo), em dois cinemas: Cine Marrocos e Cine Miami. Situado na Cinelândia Paulistana, o Cine Marrocos ainda guardava o luxo e requinte dos áureos tempos de sua inauguração, em 25/1/1951. Inaugurado com “Memórias de um Médico”, o Cine Marrocos lançou o clássico “Matar ou Morrer” (High Noon), com Gary Cooper. Passou depois esse cinema a ser lançador da 20th Century-Fox para, em meados dos anos 60, voltar a exibir filmes distribuídos pela United Artists, como foi o caso de “Por uns Dólares a Mais”. Já o Cine Miami se localizava na Praça Marechal Deodoro, distante três quilômetros da chamada “Cinelândia Paulistana”, quase ao final da Avenida São João. Assim como o Cine Marrocos, o Cine Miami era bastante luxuoso, sendo o acesso ao balcão feito por elevador e tendo sido inaugurado em 29/4/1964 com o filme “Os Nove Irmãos”, com Henry Fonda

Cartazes de "Por uns Dólares a Mais' e de "Os 9 Irmãos".

‘Clint’ e os ‘Dólares a Menos’ - O jornal “O Estado de S. Paulo”, em sua resenha publicada aos domingos assinada por Rubem Biáfora, comentando os lançamentos da semana simplesmente ignorou “Por uns Dólares a Mais”, sequer citando o western de Sergio Leone. Melhor sorte o filme teve na mesma seção publicada na “Folha de S. Paulo”, resenhas de Orlando Lopes Fassoni. Os anúncios de “Por uns Dólares a Mais” publicados nesses dois jornais ocuparam espaços modestíssimos, a metade daqueles dedicados a lançamentos daquelas semanas contemporâneas como “Ringo não Perdoa”, “Django Atira Primeiro”, “Vá com Deus Gringo”, “Os 7 Pistoleiros” e “Johnny Texas”. Os citados jornalistas provavelmente desconheciam o estrondoso sucesso desse western na Europa, mais especialmente na Itália. Tão grande foi a repercussão de “Por uns Dólares a Mais” que rápida e oportunisticamente foi produzida a comédia “Por Alguns Dólares a Menos”, com o cômico Lando Buzzanca. Por sinal essa paródia foi lançada no Brasil em 5/11/1967, simultaneamente com o faroeste estrelado por Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Gian Maria Volonté. A cegueira dos nossos distribuidores e lançadores era ilimitada, tanto que não perceberam que houve até um euro-western intitulado “Clint, o Solitário” (Clint El Solitario). Produzido para faturar iludindo o público que poderia acreditar ser esse ‘Clint’, o já famosíssimo Clint Eastwood, que já deixara de ser ninguém, menos para os desatentos críticos e distribuidores.

Cartazes de filmes lançados simultaneamente a "Por uns Dólares a Mais"
em São Paulo.

Clint Eastwood e Lee Van Cleef;
Gian Maria Volonté.
Com o tempo, muitos dólares a mais - Devido à péssima divulgação, “Por uns Dólares a Mais” permaneceu somente três semanas em cartaz nos Cines Marrocos e Miami. Considerada a qualidade desse filme, bastante superior a “Por um Punhado de Dólares”, é de se lamentar que ele tenha permanecido tão pouco tempo naquelas salas, sendo logo relegado ao esquecimento como se fosse apenas mais um dos tantos e medíocres westerns spaghetti que o público digeria com masoquista prazer. O conceito de “Por uns Dólares a Mais” mudaria com o lançamento posterior de “Três Homens em Conflito” e de “Era Uma Vez no Oeste”, westerns que elevariam seu diretor ao patamar dos grandes criadores do gênero. Tornou-se obrigatório assistir a “Por uns Dólares a Mais” como parte da ‘Trilogia dos Dólares’, assim como a crítica brasileira passou a falar respeitosamente de Sergio Leone. Sem esquecer que Clint Eastwood e Lee Van Cleef se tornaram astros de primeira grandeza do cinema e o premiadíssimo Gian Maria Volonté uma espécie de presença obrigatória em qualquer filme político que se fizesse na Itália. E os detentores dos direitos do segundo western de Sergio Leone recebem até hoje muitos, mas muitos dólares a mais.

Página do jornal 'O Estado de S. Paulo' do dia 19/10/967 com cartazes
dos filmes em exibição.

Alguns dos westerns spaghetti lançados ao mesmo tempo de
"Por uns Dólares a Mais", em São Paulo.


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