UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

18 de outubro de 2012

DUELO AO SOL – CONFRONTO ENTRE O PERVERSO E O BIZARRO


Os melhores filmes normalmente são compostos de ótimas sequências, o que não significa que ótimas sequências, isoladamente, resultem em um excelente filme. Este é o caso de “Duelo ao Sol”, faroeste pretensamente épico com alguns momentos admiráveis inseridos numa longa e excessivamente melodramática narrativa. A falta de unidade de “Duelo ao Sol” pode ser atribuída ao número recorde de diretores que dirigiram o filme, mas o grande responsável pelo enorme desperdício de dinheiro e de talentos foi mesmo seu produtor, David O. Selznick. Além de produzir, Selznick ainda assinou o roteiro, participou da edição e, sem dúvida, orquestrou o trabalho dos muitos diretores que contratou para a realização de um filme puramente comercial com pretensões a ser um clássico do gênero.


Joseph Cotten e Jennifer Jones;
Jennifer e Lillian Gish.
Pearl Chavez chega ao novo lar - Conhecedor profundo do gosto do público, Selznick temperou seu monumental faroeste com ênfase na lascividade não se esquecendo do toque bíblico de dois irmãos inimigos. Nem Cecil B. DeMille faria melhor (ou pior). Partindo de uma história de Niven Busch, Selznick deu o tom trágico e amoral à narrativa que conta como Pearl (Jennifer Jones), uma inocente mestiça, se torna órfã e vai viver na Fazenda ‘Spanish Bit’. A extensa propriedade pertence ao Senador Jackson McCanles (Lionel Barrymore), o maior criador de gado daquela região do Texas, próxima à fronteira com o México. A mãe de Pearl dançarina da megacantina local, após uma frenética dança diante de centenas de olhos dos frequentadores, sem direito mesmo a recuperar o fôlego, sobe direto para o quarto com o amante. Scott Chavez (George Marshall), o esposo jogador, acometido de repentino ataque de dignidade lava sua muito abalada honra matando os amantes. Morar na fazenda dos McCanles era uma sorte caída dos céus para Pearl e isso só ocorreu porque seu pai Scott Chavez fora amante de Laura Belle (Lillian Gish), esposa do barão de gado. O velho Senador jamais esqueceu o fato e nunca perdoou esse relacionamento da esposa. E certamente o senador é um racista, como não poderia deixar de ser. O barão de gado torna a inocente jovem de pele escurecida o alvo de seu amargo ressentimento, agredindo-a com palavras e, ainda que preso a uma cadeira de rodas, lança à moça olhares inconfessáveis. O Senador e Laura Belle têm dois filhos: Jesse (Joseph Cotten) e Lewt (Gregory Peck). A única mulher da fazenda, além de Laura Belle é a negra Vashti (Butterfly McQueen), atrapalhada para falar mas esperta o suficiente para notar que os dois irmãos disputam os encantos de Pearl.

Cotten e Peck, diferentes em tudo, até nos cintos.
Mestiça para o prazer - Jesse é advogado, culto, refinado e elegante (menos na escolha de um cinto comprado na mesma general store em que Shane comprou o seu). O certinho Jesse gosta de Pearl e a ingênua mestiça corresponde. E tudo vai bem, até que surge Lewt, o Caim da história que é arrogante, turbulento e com um código moral que não respeita mulheres. Para Lewt as mestiças são tão ardentes quanto fáceis. Pearl é naturalmente atraída pela soberba e presunção do bonito moço rebelde das planícies. Mas Pearl quer ascender socialmente e tornar-se uma nova Laura Belle. Pearl sabe que Jesse é quem lhe abrirá essa porta. No entanto a porta que se abre é a do barracão onde Pearl foi estranhamente alojada, como que se na mansão dos McCanles não houvesse um quarto para hóspedes. E quase da altura da porta do barracão iluminado por um lampeão surge o impetuoso Lewt, inicialmente rechaçado por Pearl que afinal não resiste aos braços e lábios do atrevido herdeiro McCanles. A razão de Pearl lhe diz para ficar com Jesse, enquanto o coração quer mesmo Lewt. A razão aparentemente fala mais forte, mas Pearl é bipolar e decide até se banhar nua num riacho enchendo-se de pudor ao saber que é observada por Lewt. Exatamente quando Jesse percebe que não terá chances com Pearl, ocorre um desentendimento com o pai e Jesse decide partir de Spanish Bit, liberando o caminho para Lewt. Pearl então descobre o óbvio: que o filho também racista do senador jamais se casaria com uma mestiça, de quem quer apenas o prazer.


Jennifer Jones, com Gregory Peck e com Joseph Cotten (fotos acima)
Lillian Gish com Walter Huston, os melhores do filme.

A famosa sequência final de
"Duelo ao Sol", com Jennifer e Peck.
Hollywood virando Churubusco - Surge então o capataz Sam Pierce (Charles Bickford), um infeliz disposto a se casar com Pearl, o que não se consuma porque Lewt, tomado por possessivo ciúme, mata Sam Pierce. A aliança de noivado rola dramaticamente da mão de Pierce. Jesse por sua vez, se deu bem em Austin, onde é cotado para ser governador e fica noivo de Helen Langford (Joan Tetzel) uma moça fina da sociedade da capital texana. Spanish Bit passa por maus momentos com a autorização federal para a ferrovia cortar as terras do intransigente Senador McCanles. O que o Senador é incapaz de fazer é executado por Lewt, então foragido da Justiça, provocando o descarrilamento de um trem carregado de explosivos. Em seguida o invejoso Lewt dispara contra Jesse, ferindo-o gravemente. A frágil Laura Belle não resiste a tantas desgraças e falece nos braços do marido. Lewt foge com destino ao México mas é alcançado próximo à fronteira por Pearl que hábil no manejo do rifle dispara contra ele. Lewt revida e atinge a mestiça que ferida arrasta-se até onde seu grande amor se esvai em sangue sob o sol inclemente do Texas. Pearl abraça Lewt e o amor e o ódio que atrairam os amantes os leva ao trágico fim. “Duelo ao Sol” não é uma produção da Pelmex, como se poderia deduzir da história.

Cowboys contra a Cavalaria.
Western em que tudo é ‘over’ - “Duelo ao Sol” é um faroeste com prólogo de dez minutos, pomposa introdução narrada pela inimitável voz grave de Orson Welles e epílogo com a suíte dos temas musicais criados para o filme por Dimitri Tiomkin. E não faltam em “Duelo ao Sol” os céus avermelhados do poente como cenários e nem mesmo relâmpagos e trovoadas emoldurando todo ódio e paixão dos personagens principais nos momentos mais dramáticos. Insistentes também são os close-ups de Jennifer Jones com suas expressões de escárnio e de provocante sensualidade num dos maiores exemplos de excessos de atuação do cinema. Puro overacting. Quase tudo é over (demasiado) em “Duelo ao Sol”, filme superproduzido, incluída a trilha sonora retumbante e nada sutil de Dimitri Tiomkin. Com todo esse comprometedor excesso e com mal contido riso, “Duelo ao Sol” prende o interesse do espectador pois Selznick não conseguiu destruir os pontos positivos do filme. Belíssimas são as transições de sequências, todas elas através de excepcionais composições de luzes e cores, fruto do trabalho de William Cameron Menzies, que já havia feito o mesmo em “E o Vento Levou”. Essas imagens são de autoria do cinegrafista Ray Rennahan,um dos três que trabalharam em “Duelo ao Sol”. E há as admiráveis sequências filmadas por King Vidor, entre elas o descarrilamento do trem; Lewt domando o corcel negro; a reunião das centenas de cowboys e seu tenso encontro com a Cavalaria; o pregador (Walter Huston) exorcizando os demônios de Pearl. Esses muitos momentos minimizam as incoerências do roteiro e a ênfase no trágico e na lubricidade.

"Duelo ao Sol", um western com grandes imagens e sequências.


Walter Huston tirando o diabo do corpo de Jennifer.
Esgares e arfares - O mesmo King Vidor em seu pequeno e magnífico western “Homem Sem Rumo” (Man Without a Star) tratou muito melhor do tema atração física e da sensualidade sem perder de vista o assunto principal da história que é a relação de dominação e poder dos grandes criadores. Em “Duelo ao Sol” desperdiçou-se o tema da luta do barão de gado contra o progresso, truncado que foi com o respeito do senador McCanles à bandeira de seu país. Mesmo subtramas mais interessantes, como as razões que levaram o senador a aceitar Laura Belle como esposa, foram reduzidas a poucas linhas. O histérico e pretensamente trágico final consumou o perverso e bizarro épico de Selznick. No grande elenco reunido por Selznick se destacam Lilian Gish e Walter Huston. Lillian, por vezes, parece estar ainda no cinema mudo sendo dirigida por Griffith e mesmo assim resplandece, fazendo de cada cena sua um momento de emoção. Walter Huston exuberante como o evangélico dotado de poderes divinos. Joseph Cotten está decididamente enfadonho e Lionel Barrymore colocado sobre um cavalo torna-se uma figura marcante. Gregory Peck ainda em início de carreira é convincente como o maldoso Lewt. Acredite-se: Jennifer Jones com a carregada maquiagem, constantes esgares e arfar de respiração foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz de 1946. David O Selznick, que produziria três anos depois a obra-prima “O Terceiro Homem”, não mais  retornou ao faroeste. Ainda bem.

Lewt (Gregory Peck) domando um cavalo e tentando domar Pearl (Jennifer).




4 comentários:

  1. Olá, Darci

    Assisti ao filme Duelo ao Sol já há muito tempo. Lembro que gostei, mas não é dos melhores a que assisti.
    Concordo em muitas coisas que você disse acima. Admirei os atores mais velhos como Lilian Gish, Walter Huston e Lionel Barrymore. Porém, vislumbrei Gregory Peck que, além de lindo, está bem no papel.
    Parabéns pelo texto!
    Abraços
    Janete

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  2. Olá, Janete, veja como as opiniões divergem: o comentário anterior (Corto Maltese) achou Gregory Peck canastríssimo. Muita gente acha que ele era canastrão, mas há muitos filmes mostrando que ele era excelente ator. Um abraço do Darci.

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  3. Só ontem tomei conhecimento deste blog (achei magnifico) atraves de um amigo do sr. Campos. Duelo ao Sol é um dos melhores filmes que já assisti (tirando que eu era apaixonado pela jennifer jones). O que sempre me chamou atenção era o tipo canastrão de todos os atores. Tudo sempre exagerado e o9 papel da esposo de jennifer erra o auge. Adoro por causa disto. E a trilha do mestre Tiomkin. Fiquei fã deste blog e desejo muita sorte ao sr. Darcy para QUE CONTINUE A ESCREVER BONS ARTIGOS. Meu amigo Jessuino é que me indicou o blog atraves do Campos. Fiquei f~ça e lerei muitos artigos que me interessarem e farei comentários. A série top ten parece ser muito interessante (visto o que o sr. Campos escreveu) e amanhã terei todo o tempo para ler todos (eu disse todos) que já se manifestaram à respeito. Como o meu amigo Jessuino me falou, o top ten do sr. Campos é muito. Falta Duelo ao sol e Sete Homens e um Destino. Esqueçam tudo e vejam Duelo ao sol. A beleza de Jennifer Jones vale ficar em frente a tela e assistir. Sr. Darcy, está de parabens por este blog.

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  4. Assisti recentemente o filme homens em revolta(52), com o mesmo Joseph Cotten mais Lee Van Cleef e Scott Brady. Esse de 52 sim, com menos diálogos compricados e final menos previsivel. Apesar de um pouco parecidos.

    Dagmar.

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