Foi Don Siegel quem dirigiu o derradeiro
filme de John Wayne, o excelente “O Último Pistoleiro” (The Shootist). Clint
Eastwood afirmou que devia eterna gratidão a Don Siegel por quem foi dirigido nos
westerns “Os Abutres têm Fome” (Two Mules for Sister Sara) e “O Estranho que
Nós Amamos” (The Beguiled) e em outros três filmes. Siegel dirigiu também
“Estrela de Fogo” (Flaming Star), o melhor filme de Elvis Presley. Mas o que
fez de Don Siegel um diretor muito respeitado não foram esses filmes estrelados
por atores famosos e sim alguns de seus filmes Bs como “Rebelião no Presídio” e
“Vampiros de Almas”. Trabalhando com pequeno orçamento e com atores pouco
conhecidos Siegel realizou esses dois filmes considerados entre os melhores dos
gêneros ficção científica e de prisão, além de muitos outros filmes de ótima qualidade. Nascido em 26 de outubro de 1912, Siegel merece ser lembrado por
ocasião de seu centenário de nascimento.
Aprendendo
tudo sobre cinema - Donald Siegel nasceu em Chicago,
filho de pais de origem judaica. Aos dois anos de idade o pai de Donald que era
músico levou a família para Nova York. Notável bandolinista, Mr. Siegel foi
contratado para tocar na Inglaterra para onde levou a família, isto quando
Donald era ainda um adolescente. Donald estudou em Cambridge, aprofundando-se
no estudo do Novo Testamento, pois professava o judaísmo. Curiosamente Donald
gostava de tocar instrumentos musicais de percussão, o que o levou a Paris como músico,
após o que retornou aos Estados Unidos quando estava com 21 anos. O espírito
aventureiro de Donald fez com que ele fosse depois para Los Angeles, onde a indústria
cinematográfica não parava de se expandir. Um tio de Donald chamado Jack Saper
trabalhava no Departamento de edição da Warner Bros. e conseguiu emprego para o
sobrinho. O também judeu Jack Warner, que dirigia o estúdio, percebeu logo o
talento do jovem Donald que rapidamente se tornou um dos melhores editores da
Warner Bros. Entre os principais filmes que Donald Siegel editou estão
“Confissões de um Espião Nazista”, “Heróis Esquecidos”, “Irmão Orquídea”, “O
Intrépido General Custer”, “O Ídolo Público” e trechos de “Casablanca”. Cansado
de ‘melhorar’ filmes na moviola, Siegel pediu a Jack Warner que o deixasse
dirigir. Como Warner não queria perder seu melhor montador, o chefão segurou
Siegel na sala de edição, permitindo que ele estagiasse como assistente dos diretores Howard Hawks, Raoul Walsh e Michael Curtiz. Professores melhores
impossível...
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Don Siegel, Viveca Lindfors e Ronald Reagan |
Surge
um promissor diretor - Somente em 1945, a título de
experiência, Warner autorizou que Donald Siegel dirigisse dois curtas-metragens
intitulados “Star in the Night” e “Hitler Lives” e como resultado o estúdio
recebeu dois prêmios Oscar de curta-metragem pelas duas ‘experiências’ de
Donald Siegel. Hollywood ganhava um novo diretor, mas que ninguém imaginava que pudesse ser tão criativo e rápido, o que em termos de produção significa ser econômico. Para a Warner Bros. Donald Siegel dirigiu “Justiça Tardia’ e “Noite
Após Noite”, este último com Ronald Reagan e uma bonita atriz sueca chamada
Viveca Lindfors. Donald e Viveca se apaixonaram e se casaram durante as
filmagens, em 1948. Decidido a realizar filmes mais pessoais, Siegel deixou a
Warner e na RKO deu mostras de seu talento com “O Caís da Maldição”, um dos primeiros sucessos de Robert Mitchum. Dirigiu sua esposa Viveca Lindfors em “Adorável Tentação”, em
1952, mesmo ano em que estreou no western em “Onde Impera a Traição” (Duel at
Silver Creek), com Audie Murphy. Veio em seguida o policial “Medo que Condena”,
com Teresa Wright e “Aventura na China”, com Edmond O’Brien.
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À esquerda Don Siegel dirigindo Kevin McCarthy e Dana Winter em "Vampiros de Almas"; à direita posters de
"Rebelião no Presídio" e de "Inimigo Público N.º 1". |
Arrebatando
a crítica - Foi em 1954 que Don Siegel chamou a atenção da crítica
com “Rebelião no Presídio”, filme sem nenhuma estrela no elenco que tinha nomes
como Neville Brand, Leo Gordon e Emille Meyer, desconhecidos até como
coadjuvantes. Produzido por Walter Wanger, um dos assistentes de direção de
Siegel era um jovem chamado Sam Peckinpah, cujo pai havia sido juiz e condenado
muitos bandidos a cumprir pena na Penitenciária de Folson, na Califórnia, onde
o filme foi rodado. Tanto o produtor Wanger quanto o ator Leo Gordon haviam
também cumprido penas em prisões [Leia as biografias de Gordon e Wanger neste blog]. Os filmes
seguintes de Don Siegel foram “Dinheiro Maldito” (com Ida Lupino), “Dois
Corações e uma Alma” (com John Derek) e “A Rua do Crime” (com John Cassavetes e
Sal Mineo). Em 1956 Don Siegel arrebataria novamente a crítica e desta vez
também o público com “Vampiros de Almas” (com Kevin McCarthy). Aclamado como
obra-prima da sci-fi, Don Siegel reclamou muito com a mudança do final que o
produtor Walter Wanger teve que fazer para atender à censura, o que no entanto
não alterou o forte impacto que “Vampiros da Alma” produz até hoje quando assistido
quase 60 anos depois. A grande fase de Siegel continuou com “Assassino Público
N.º 1”, pequeno clássico do cinema policial, com Mickey Rooney interpretando o
bandido Baby Face Nelson. Separado de Viveca Lindfors desde 1953, Don havia se
casado em 1957 com Doe Avedon, ex-esposa do famoso fotógrafo Richard Avedon.
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Don Siegel conversa com Dolores Del Río antes de uma cena de "Estrela de Fogo"; Elvis Presley, Steve Forrest e
John McIntire (encoberto) só escutam. |
Western
com o Rei do Rock - Como é impossível acertar sempre,
Don Siegel aceitou filmar na Espanha o drama “Cigana Espanhola”, com Carmen
Sevilla, filme que o próprio Don afirmou ter se arrependido de dirigir. Ao
contrário deste, “O Sádico Selvagem” com Eli Wallach foi outro trunfo de
Siegel, já considerado ao lado de Samuel Fuller como os principais realizadores
de filmes B nos Estados Unidos. Vieram a seguir “Contrabando de Armas”,
não-western com Audie Murphy; “Covil da Morte”, com Cornel Wilde; “Uma Dívida
de Amor”, lançando o cantor Fabian no vácuo de Elvis Presley que estava no
Exército. Mas se era para filmar com roqueiros, o melhor era dirigir logo o
maior de todos e Don Siegel foi escalado como diretor de “Estrela de Fogo”
(Flaming Star), o melhor filme de Elvis Presley e com a maravilhosa Dolores Del
Río e John McIntire no elenco. Agora um nome mais prestigiado em Hollywood, Don
Siegel se afastou mais dos Bs ao dirigir “O Inferno é Para os Heróis”,
estrelado por Steve McQueen, Bobby Darin, Fess Parker, Nick Adams e James
Coburn, todos astros em grande evidência no cinema ou na TV. Esse filme não foi
bem nas bilheterias e Siegel passou dois anos dirigindo série para a TV, entre
elas dois episódios da clássica série “Além da Imaginação”.
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Lee Marvin em "Os Assassinos"; abaixo Siegel dirigindo Henry Fonda e Richard Widmark. |
Siegel e
Richard Widmark - Trabalhando para a TV, Don Siegel dirigiu em 1964
um remake de “Os Assassinos”, clássico noir de 1946. A refilmagem tinha no
elenco Lee Marvin, John Cassavetes, Angie Dickinson e Ronald Reagan. Depois de
pronto esse policial ficou tão bom que acabou sendo lançado no cinema e se
tornando em grande sucesso. Em 1968 Siegel repetiu a dose com o também
excelente “Os Impiedosos”, com Henry Fonda e Richard Widmark como policiais de
Nova York. Don Siegel nunca teve temperamento para conviver com injustiças ou
procedimentos arrogantes e por essa razão, em 1969, passou por uma situação
desagradável. Foi quando Siegel foi chamado para concluir “Morte de um Pistoleiro” (Death
of a Gunfighter), em substituição ao diretor Robert Totten que não aguentou continuar trabalhando com o astro Richard Widmark. O ator intrometia-se em todas as cenas
tratando Totten com extremo desprezo. Widmark tentou fazer o mesmo com Don
Siegel e por pouco não se pegaram para valer. Quando o filme ficou pronto
Siegel procurou a Directors Guild Association e solicitou que seu nome não
aparecesse como diretor do filme, sugerindo o nome de Richard Widmark, como
diretor.
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Acima Don e Clint em "Meu Nome é Coogan"; abaixo Clint dirigindo Don em "Perversa Paixão". |
Encontro com
Clint Eastwood - Don Siegel era cada vez mais respeitado como diretor, faltando-lhe
apenas um estrondoso sucesso de bilheteria, que veio a ocorrer após seu
encontro com Clint Eastwood recém-chegado da fase spaghetti-westerns. O filme
chamou-se “Meu Nome é Coogan” e tornou amigos o ator e o diretor. Fizeram
juntos em seguida os westerns “Os Abutres têm Fome” e “O Estranho que Nós
Amamos”, filmes que não repetiram o êxito de bilheteria de “Meu Nome é
Coogan”. Clint e Don ficaram tão amigos
que o diretor fez até uma ponta como ator no primeiro filme dirigido por Clint, o thriller “Perversa
Paixão”. Dos nove filmes em que Clint Eastwood havia atuado após seu retorno aos
estados Unidos, apenas “Meu Nome é Coogan” estourou verdadeiramente nas
bilheterias. Clint precisava de um novo grande sucesso e ele veio com
“Perseguidor Implacável”, dirigido por Don Siegel, policial em que pela primeira vez
Clint interpretou o detetive ‘Dirty Harry’. Daí para a frente Clint tornou-se
uma espécie de Midas, enquanto Don procurava afirmar-se como renomado diretor
de filmes de ação mas que contivessem algo mais que bem filmadas cenas de
perseguições a criminosos. E foi em 1973
que Don Siegel dirigiu “O Homem que Burlou a Máfia” (Charlie Varrick), um
excepcional e pouco comentado policial. Grande clássico do gênero, esse filme só não
fez sucesso porque o ótimo Walter Matthau não tinha a estampa que o público
gosta de ver na tela. Já elevado à categoria de diretor de filmes ‘A’, Siegel
dirigiu a seguir o suspense “O Moinho Negro”, com Michael Caine e a bela
libanesa Delphine Seyrig.
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Duke em seu último filme. |
A despedida de
John Wayne - Sabia-se que John Wayne estava se despedindo do cinema depois de uma
das mais brilhantes carreiras que um ator pode ter. Deveria ser um western e
mais que isso um grande western. A Paramount confiou a direção de “O Último
Pistoleiro” (The Shootist) a Don Siegel que realizou um faroeste com algo de
sublime, digno da despedida do Duke. “O Último Pistoleiro” não raramente
aparece em listas dos dez melhores westerns de todos os tempos, um pouco por
razões sentimentais e muito pelo grande filme que é. No elenco ainda Richard
Boone, James Stewart e Lauren Bacall. Em seguida Don Siegel dirigiu o suspense
“O Telefone”, estrelado por Charles Bronson, com quem Siegel gostou demais de
trabalhar, comentando mais tarde que poucos atores eram tão colaboradores como Bronson.
Don e Bronson tornaram-se amigos. Por falar em amigos o novo filme de Don
Siegel seria estrelado por Clint Eastwood.
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Clint e Don em "Alcatraz - Fuga Impossível". |
O rompimento
com o amigo Clint - É uma pena que grandes amizades terminem em
desentendimentos insuperáveis. Mais ainda quando grandes amizades terminam por
ganância ou sede de poder. Foi o que aconteceu em “Alcatraz – Fuga
Impossível”. Don Siegel havia adquirido por cem mil dólares os direitos do
livro para levá-lo ao cinema. Depois procurou Clint para juntos produzirem o
filme. Clint não gostou do procedimento do amigo e achou que Siegel tentara lhe passar a perna
antecipando-se na compra do script e no direito de dirigir o filme. Mesmo assim
o já poderosíssimo Clint Eastwood promoveu uma composição triangular entre sua
Malpaso e a Paramount. Pelo acordo Siegel dirigiria o filme mas o direito à edição final ficaria
com a Mapaso. As filmagens se transformaram em verdadeira batalha entre Clint e
Siegel, com o ator se impondo em todos os aspectos da realização do filme. Clint impôs ainda o seu final deixando de lado o final
pretendido por Siegel. É perceptível em “Alcatraz – Fuga Impossível” o estilo
que Clint vinha desenvolvendo e que está em todos seus filmes. Para piorar os
críticos se referiam a "Alcatraz – Fuga Impossível” como um filme de Clint esquecendo-se da figura de
Don Siegel. Sem ser um grande sucesso de bilheteria, o filme rendeu 34 milhões
de dólares e pelo contrato imposto por Clint, o ator ficou com 15% do lucro
bruto, ou seja, mais de cinco milhões de dólares. Por outro lado Siegel recebeu
sua parte após deduzidas todas as despesas de produção, custo de negativos,
publicidade e distribuição do filme, ou seja o sempre discutível 'lucro líquido'.
E ninguém dúvida que os contadores dos estúdios conseguem dar nó em pingo
d’água quando o assunto é despesas. O resultado foi que Don, que era o dono da
história e diretor do filme, teve que se contentar com dois milhões de dólares. Don
Siegel era judeu e como Clint sempre gostou demais de dinheiro, a amizade dos
dois terminou por aí.
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Ainda amigos, Clint 'Dirty Harry' e Don Siegel em "Perseguidor Implacável". |
O tardio arrependimento de Clint - Don Siegel faleceu em 20 de abril de 1991, antes
de poder ver Clint Eastwood dedicar-lhe seu último western que foi “Os
Imperdoáveis”, filmado e lançado em 1992. E Clint ainda declarou: "Se
eu sou um cineasta eu devo tudo ao mestre Don Siegel. Don podia ensinar aos
jovens mais do que qualquer outro cineasta. Don foi um verdadeiro guia para escolas
de cinema, porque dava uma aula em cada cena que inventava." Infelizmente para Don, essa foi uma prova tardia
de amizade. Em 1980 Don Siegel dirigiu Burt Reynolds em “Ladrão por Excelência”,
comédia em que nada deu certo. Em 1982 Siegel dirigiu seu último filme que
foi a decepcionante comédia “Jogando com a Vida”, estrelada por Bette Midler.
Desgostoso com o cinema, Don Siegel encerrou sua carreira aos 70 anos de idade.
Ele estava divorciado de Doe Avedon desde 1975. Antes de falecer vítima de câncer, em
1991 aos 79 anos, Don Siegel morava na Califórnia e recebeu diversas homenagens
por sua brilhante carreira como diretor de filmes como um dos mais importantes
diretores norte-americanos com um estilo pessoal e inconfundível de expressar o
que queria, fosse nos filmes ‘A’ ou nos pequenos ‘B’.
Siegel fez bela carreira e ainda deixou um pupilo como Eastwood.
ResponderExcluirBela postagem.
Abraço
Grande homenagem a um grande diretor. Sei que este blog e sobre western, mas o que falar de Star in the City que lhe deu um OSCAR em 45. O que falar de Noite Apos Noite com o -presidente REAGAN - De Vampiros de Almas e da vers'ao de OS ASSASSINOS - também com o presidente. Dos westerns, Darci cobriu todos com maestria. Estrela de Fogo (um Elvis magnifico) que fiz um comentário neste blog ( Abriram as portas do ceu e um anjo escapou DOLORES DEL RIO). Apesar de não gostar muito de ONDE IMPERA A TRAIÇÃO ele trabalhou muitto bem com Audie Murphy. Mas quero recomendar a todos que assistam com urgência O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS/THE BEGUILED a obra prima dele (fiz comentarios no item O ESTRANHO QUE NOS AMAMOS) Parabéns Darci pelo artigo e procure escrever sobre outros diretores "esquecidos" no meio western. Até derepente.
ResponderExcluirOs comentários que fiz foi no artigo OS ABUTRES TEM FOME.
ResponderExcluirAmigo, estou tentando montar uma coleção completa dos filmes de Siegel, mas o Adorável Tentação (No Time for Flowers) não consigo achar em lugar algum. Você dem idéia de onde eu possa achar? Ótima Matéria aprendi algumas coisas com ela.
ResponderExcluirDesde Já Grato
Ricardo
Olá, Ricardo
ExcluirNão conheço esse filme de Don Siegel. Li no IMDb que foi rodado em Viena com a então esposa de Don, a bela Viveca Lindfors. Parece que a ClassicLine lançou esse filme no Brasil, mas procurei no site dessa empresa e não achei nada referente ao filme.
Se eu descobrir lhe aviso. De onde você escreve?
Darci Fonseca