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13 de setembro de 2011

BUCK JONES MORREU MESMO COMO HERÓI?


O cinema norte-americano gostava de transformar bandidos em mocinhos, como fez com Jesse James, Billy the Kid, Butch Cassidy e outros foras-da-lei. E sempre que aparecia oportunidade Hollywood criava uma idolatria com a intenção única de ganhar dinheiro mesmo após a morte de um ídolo. Foi assim com Rodolfo Valentino, James Dean e o exemplo mais gritante da ganância dos donos dos estúdios chamou-se Buck Jones. Todos que foram crianças nos anos 40 e 50 cresceram ouvindo os mais velhos contar sobre a morte heróica de Buck Jones, ocorrida em 1942, da forma como ela foi veiculada pelos órgãos de imprensa da época. Dizia-se que ele morrera num pavoroso incêndio numa casa noturna depois de salvar diversas vidas, entrando e saindo do local em chamas retirando vítimas desfalecidas, até que extenuado caiu e sofreu queimaduras que o levaram à morte. Buck Jones é um dos três grandes cowboys do cinema da fase do cinema mudo, ao lado de William S. Hart e Tom Mix e continuou sendo também um dos principais mocinhos da tela no cinema falado. Porém querer transformá-lo em herói na vida real no momento trágico que lhe roubou a vida é de uma desfaçatez que só mesmo Hollywood seria capaz.

Buck Jones e a Monogram
na Poverty Row
O QUE BUCK FAZIA NO LESTE? - A carreira de Buck Jones aproximava-se inexoravelmente do fim em 1942 e a Monogram Pictures Corporation, à qual ele estava ligado, fazia de tudo para promovê-lo, até mesmo fazendo com que Buck comparecesse a locais públicos que nem lhe eram familiares como a casa noturna Coconut Grove, em Boston, do outro lado dos Estados Unidos. Nessa tournê promocional Buck Jones, acompanhado pelo produtor Scott R. Dunlap, teve que comparecer no dia 28 de novembro de 1942 ao Boston Garden onde haveria uma corrida com 12 mil crianças participando. Em seguida foi assistir a um jogo de futebol americano do Boston College. À tarde Buck visitou um hospital infantil onde foram tiradas algumas fotos suas, as últimas que se conhece do cowboy em vida. Depois deu uma entrevista à imprensa e mais tarde ligou para a mulher que estava na Califórnia queixando-se de uma gripe forte contraída na viagem para o Leste, onde fazia muito frio nessa época do ano. Buck Jones estava com 51 anos, isto se aceita a idade distribuída nos releases para a imprensa, já que outras fontes davam a ele 53 anos. E à noite Buck ainda deveria comparecer a um novo e badalado clube noturno denominado Coconut Grove com a finalidade de vender os War Bonds (bônus que reverteriam para o esforço de guerra), como muitos outros artistas vinham fazendo.

O inferno no Coconut Grove
O INFERNO EM BOSTON - O Coconut Grove que havia sido recém-inaugurado não era um prédio novo e tinha sido reformado pelo novo dono que diziam ser ligado à máfia. A primeira providência do novo dono foi aferrolhar todas as portas laterais para impedir que clientes saíssem do night-club sem pagar a consumação. O clube possuía mezanino e comportava um máximo de 700 pessoas, no entanto foram distribuídos convites para aproximadamente mil pessoas naquela noite de gala no Coconut Grove. Apenas uma porta giratória servia de entrada e saída para acesso ao salão principal da casa noturna. O Coconut Grove estava inteiramente decorado com motivos polinésios, com dezenas de palmeiras e flores artificiais. Todo o material usado na decoração era de fácil combustão mas ninguém imaginava que pudesse ocorrer uma tragédia numa festa com finalidade tão nobre. Martin Sheridan era o publicitário contratado pela Monogram para organizar a agenda que Buck Jones teve que desenvolver em Boston e conseguiu mesas no mezanino da casa noturna. Buck Jones tentou cancelar sua presença em razão de seu estado de saúde, mas Sheridan lhe disse que ele sozinho naquela noite venderia mais War Bonds do que havia sido vendido em Boston até aquele momento. A Monogram, por sua vez, queria mesmo era vender os filmes de Buck Jones que acabou indo cumprir sua ‘patriótica missão’ no Coconut Grove. Stanley Tomaszewics, um jovem de 16 anos, havia sido contratado para atuar como ajudante de bar no Coconut Grove. Stanley contou que lhe pediram para que acendesse uma lâmpada que havia se apagado num canto escuro da casa noturna. Imprudentemente Stanley acendeu um fósforo para melhor parafusar a lâmpada quando percebeu que uma das palmeiras pegou fogo alastrando-se para os papéis de parede e incendiando as cortinas próximas. Fez-se uma fumaceira enorme e Stanley só se lembrava que o fogo se propagou com incrível rapidez. O barmen John Bradley contou que em minutos as paredes e o teto do Coconut Grove estavam em chamas pois havia sido feita uma decoração especial na parte superior do clube. Aos primeiros gritos de “Fogo!” teve início a desesperada fuga de mil pessoas em direção às portas laterais que não se abriam. Pela porta giratória, no saguão principal as pessoas passavam com dificuldade pois queriam girar a porta para ambos os lados e muitas ficaram caídas impedindo em seguida o movimento livre dessa porta. As mulheres vestiam vestidos longos e usavam casacos de peles que dificultavam seus movimentos, enquanto os homens estavam todos trajados a rigor, muitos vestindo fraques e cartolas. Os testemunhos dos sobreviventes contam que tudo se passou entre 12 e 15 minutos, tempo em que era impossível enxergar alguma coisa dentro do Coconut Grove. Após o incêndio o comunicado oficial do Corpo de Bombeiros informou que os primeiros carros chegaram ao local às 22h20 e encontraram a porta giratória obstruída por corpos e dezenas de outros corpos empilhados nas proximidades da porta giratória, o que dificultou o pronto acesso dos bombeiros ao local. O interior do Coconut Grove estava tomado por uma densa e escura fumaça que impediu um trabalho mais estratégico. A conclusão de John McDonough, chefe dos bombeiros foi que a maior parte das vítimas fatais morreram intoxicadas pela inalação da fumaça. Algumas vítmas apresentavam sinais de queimaduras mas não suficientes para lhes causar a morte. O Comissário James Mooney afirmou que muitas pessoas estavam machucadas como se tivesse lutado uma com as outras na escuridão na tentativa de se salvar. O barmen John Bradley disse que conhecia uma saída pela cozinha que dava para a rua e pediu a muitos que fugissem por aquela saída, mas o pânico instalado impediu que mais pessoas fossem salvas por aquela passagem.

O Coconut Grove antes da festa e carros
não reclamados das vítimas
AS MENTIRAS DA MONOGRAM - Martin Sheridan, um dos sobreviventes relatou que seu grupo, do qual Buck Jones e Scott R. Dunlap faziam parte, ocupavam duas mesas e quando o pânico tomou conta do local ele nem mesmo conseguiu salvar sua esposa que foi uma das vítimas fatais. O corpo de Buck Jones foi encontrado ainda com vida com queimaduras de segundo e terceiro graus no rosto e no pescoço, no mezanino, exatamente no local descrito por Sheridan. Ainda segundo Sheridan, seria impossível Buck Jones ter saído do mezanino, ter salvo alguém e retornado àquele local. Sheridan e outros que escaparam disseram que só conseguiram fazê-lo por terem protegido o rosto da fumaça envolvendo-o com as próprias roupas. Outros sobreviventes também afirmaram ser impossível alguém ter entrado e saído daquele inferno. Quem conseguiu sair não conseguiria, mesmo se quisesse, retornar ao interior do Coconut Grove. E no caso de Buck Jones, se ele tivesse mesmo conseguido sair não seria encontrado no mesmo local em que estava quando o incêndio começou. O heroísmo de Buck Jones foi uma invenção de Trem Carr, executivo da Monogram. Carr voou para Boston no dia seguinte ao incêndio e passou a distribuir notas à imprensa contando que Buck Jones estava ferido em razão de ter entrado e saído diversas vezes na tentativa de salvar vítimas. Talvez Carr acreditasse que Buck Jones sobrevivesse. A esposa de Buck Jones, Dell Jones, passou o resto da vida divulgando a versão do heroísmo fatal do marido. Porém nem Dell e nem Trem Carr sequer estavam em Boston na trágica noite.

DUNLAP, O OPORTUNISTA - O produtor Scott R. Dunlap foi encontrado com graves queimaduras nas mãos próximo a um caminhão do Corpo de Bombeiros. Dunlap estava perfeitamente lúcido e pediu a um jovem que chamasse uma ambulância para ele, dando depois uma nota de cem dólares para o rapaz. Dunlap não teve nenhuma preocupação naquele momento em encontrar Buck Jones, mesmo sendo seu sócio, juntamente com Trem Carr, como produtor da série Rough Riders. Depois de encontrado com vida, Buck Jones foi hospitalizado, assim como Martin Sheridan, que teve o rosto todo coberto por bandagens. Dois dias depois, em 30 de novembro, Buck Jones veio a falecer em razão principalmente da inalação da fumaça que lhe provocou danos na parte interna da garganta. Buck Jones, Scott R. Dunlap e Trem Carr haviam investido 3.300 dólares cada um na formação da Great Westerns Pictures, produtora da série Rough Riders. Anos depois Dunlap comprou de Dell Jones a parte de seu falecido marido pelos mesmos 3.300 dólares. Posteriormente Dunlap adquiriu também a parte de Trem Carr tornando-se o único dono do acervo da Great Westerns Pictures, o qual vendeu para a incipiente TV norte-americana pela estratosférica soma de 250 mil dólares. Nem Dell e nem Carr receberam nada de Dunlap que ficou rico sozinho.

NOVAS LEIS DE PREVENÇÃO DE TRAGÉDIAS - Todos os fãs de westerns gostariam de acreditar que Buck Jones tenha morrido como um verdadeiro herói, mas todas as testemunhas e as conclusões dos laudos indicam que ele morreu sem que pudesse tentar salvar sua própria vida, quanto mais alguma das outras 492 vítimas daquele pavoroso incêndio. A partir dessa tragédia em Boston foram criadas leis para que nunca mais se repetisse o ocorrido no Coconut Grove, em 28 de novembro de 1942. Mesmo sem ter salvado vidas na trágica noite do Coconut Grove, Buck Jones jamais deixará de ser o herói de pelo menos duas gerações de fãs e certamente um dos maiores cowboys do cinema em todos os tempos.

2 comentários:

  1. Poxa vida, mas que história triste. Não sabia deste fato tão trágico. Coconut Grove certamente já se tornou um local macabro devido as mortes; imagino o desespero de quem estava lá no momento ... e a reação dos bombeiros em relação aos corpos empilhados... Buck Jones jamais deixará de ser um herói.

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  2. É incrível o poder que um texto bem escrito causa ao leitor. Consegui visualizar tudo através de cada palavra, principalmente o pânico na porta giratória. Eu também desconhecia esse fato. Parabéns pela matéria esclarecedora! :) <3

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