Nos anos 70 deixou de valer a célebre
máxima usada por John Ford que dizia “quando
a lenda for mais importante que o fato, imprima-se a lenda”. Nenhum
personagem mítico do Velho Oeste escapou da desmistificação que acompanhou o
agonizar do gênero. O Juiz Roy Bean já havia sido focalizado pelo cinema
algumas vezes, uma delas interpretado por Walter Brennan em “O Galante
Aventureiro” (The Westerner), de 1940, que rendeu a Brennan um de seus três
prêmios Oscar como ator coadjuvante. E o excêntrico Juiz foi ainda figura
central de série de TV “Judge Roy Bean” que teve 39 episódios exibidos na
temporada 1955/56, série protagonizada por Edgar Buchanan. Em nenhuma das vezes
mostrou-se Roy Bean como ele era, de fato e quando John Milius começou a
trabalhar num projeto escrito especialmente para o cinema sobre esse
personagem, a expectativa era que, afinal, veríamos na tela uma história mais
próxima do verdadeiro Judge Roy Bean. Milius fez exatamente o contrário e, ao
modo daquilo que o cinema fazia décadas atrás, ‘imprimiu a lenda’ com seu
screenplay que ele próprio desejava dirigir mas o projeto terminou nas mãos de
John Huston. Milius conta que escreveu sobre Roy Bean pensando em Lee Marvin
como protagonista e que, quando Lee recusou a proposta, o segundo nome passou a
ser o de Warren Oates. Paul Newman se interessou pelo filme e entrou como
coprodutor e, claro, ator principal, para contrariedade de John Milius que
imaginava um Roy Bean rude e nada bonito, enquanto todo mundo sabia que beleza
masculina sobrava em Newman. Milius acompanhou de perto as filmagens e, segundo
contou mais tarde, viu sequência a sequência, sua história ser desvirtuada por
Huston. Porém o diretor não reescreveu a historia, apenas a filmou a seu modo.
Seja lá como for, o resultado ficou bem abaixo do esperado, mais ainda porque a
produção foi caprichadíssima. Nas fotos à direita o verdadeiro Roy Bean, John Milius e John Huston.
Paul Newman, Victoria Principal |
O
temido juiz dos enforcamentos - Roy Bean (Paul Newman) é um
assaltante de bancos que, para fugir da Justiça, chega a uma localidade chamada
Vinegaroon, no Oeste do Texas, entre os rios Grande e Pecos. Mal recebido num
saloon que mais parece uma pocilga, Bean liquida os bandidos e prostitutas que
lá vegetam e se outorga a função de Juiz. Embora tendo o Código Penal sobre sua
mesa Roy Bean cria seus próprios códigos de conduta e aqueles a quem julga
terminam sempre balançando no patíbulo à frente de seu saloon-tribunal. Bean
nomeia alguns ex-pistoleiros como delegados, Vinegarron cresce e o Juiz torna-se
respeitado. Bean nutre inexplicável paixão por Lily Langtry (Ava Gardner),
atriz novaiorquina que se exibe por todo o país. Roy Bean tem uma filha com
Maria Helena (Victoria Principal) sua amante mexicana que falece após o parto
por negligência de um médico. Desesperado Roy Bean abandona Vinegarron deixando
a cidade nas mãos do prefeito Frank Gass (Roddy McDowell). Gass é um homem
ganancioso e que enriquece com a descoberta de poços de petróleo, usurpando tudo
que antes pertencia ao Juiz Bean. Vinte anos mais tarde Roy Bean retorna a
Vinegaroon e encontra sua filha Rose (Jacqueline Bisset), a única pessoa que se
opõe ao domínio de Frank Gass. Roy Bean reúne seus antigos e decadentes ex-delegados
e também com a ajuda de Rose aniquila o poderio de Gass. Tempos depois Lily
Langtry visita a cidade de onde partiram as dezenas de cartas escritas por seu
admirador, já falecido sem ter conhecido seu grande amor.
Paul Newman |
Inverdade
histórica - No início de “Roy Bean – O Homem da Lei”, há um aviso
dizendo que a história do filme ‘pode não
ser do jeito que ocorreu mas... é como deveria ter sido’. Quando um filme é
bom, perdoa-se as liberdades que desrespeitam a história. Caso não seja bom o
primeiro aspecto a ser criticado é justamente a falta de acuracidade. No caso
da vida de Roy Bean esse fato até se torna menos importante uma vez que o Juiz
não foi um personagem do Velho Oeste do calibre de Jesse James, Billy the Kid,
Wyatt Earp, Buffalo Bill, George Armstrong Custer e outros. Então o filme já
sai em vantagem, mais ainda se o diretor for o célebre John Huston, realizador
de várias obras-primas do cinema mas que não era o que se pode chamar de um
diretor de westerns. Isto considerando-se que “O Tesouro de Sierra Madre” (The
Treasure of Sierra Madre) não seja um faroeste autêntico e sem desprezar o
excelente “O Passado Não Perdoa” (The Unforgiven). Além de Huston na direção, “Roy
Bean – O Homem da Lei” reuniu um respeitável elenco encabeçado por Paul Newman,
mas nada disso foi suficiente para assegurar o sucesso de um filme mal recebido
por público e crítica.
Paul Newman |
Personagens
perturbados - Assim como Marlon Brando, desde o início de sua carreira
Paul Newman demonstrou gostar de interpretar heróis perturbados, personagens
problemáticos com tendência antissocial (“O Indomado”, “O Mercador de Almas”, “Desafio
à Corrupção”, “Marcado pela Sarjeta”, “Rebeldia Indomável”, “Golpe de Mestre”)
isto quando não vivia na tela foras-da-lei como Butch Cassidy, Juan Carrasco
(“As quatro Confissões”) e Billy the Kid (“Um de Nós Morrerá”). Essa propensão
talvez fosse para compensar o fato de ser um dos homens mais bonitos de
Hollywood e, sem dúvida, porque quase todos eram todos bons papéis. Para
interpretar Roy Bean a primeira coisa que Newman fez foi deixar crescer barba e
bigode e na sequência inicial do filme, ao ver um desenho seu num cartaz de
procurado, ele faz um bigode no desenho, indicação de como iria aparecer
durante o filme. Apenas em uma sequência, quando viaja para tentar assistir a
uma apresentação de Lily Langtry, é que Newman surge bem vestido. Seu ‘Roy Bean’
é bastante convincente, ainda que Lee Marvin ou Warren Oates fossem mais
talhados para esse desempenho.
Stacy Keach |
Um
western indeciso - “Roy Bean – O Homem da Lei” começa
de forma brilhante com o fugitivo da Justiça sendo subjugado pelo repugnantes
tipos do saloon onde fez parada. Arrastado por um cavalo com uma corda no
pescoço, Bean sobrevive graças à providencial ajuda de Maria Helena e, ao
melhor estilo dos mocinhos invencíveis, extermina por volta de dez repelentes
bandidos e outras tantas prostitutas. Episódico, o western de Huston narra
pequenos incidentes, cada um deles com um ator bastante conhecido. Alguns
desses eventos são mais longos, como aquele em que Anthony Perkins interpreta
um pregador, outros não duram mais que dois minutos, como o do psicótico pistoleiro
albino vestido de negro (Stacy Keach), disposto a matar Roy Bean. Se o momento
em que Perkins está em cena é sério e reverente, a sequência com Keach é
picaresca e por isso mesmo hilária. Aí reside o problema maior de “Roy Bean – O
Homem da Lei”: não se decidir entre a gravidade e o jocoso. O tom de comédia
nem sempre ajuda num faroeste e o melhor exemplo são as tentativas de humor de
John Ford, raramente resultando satisfatórias como em “Rastros de Ódio” (The
Searchers).
Paul Newman, Victoria Principal e o urso |
Copiando
“Butch Cassidy” - Além do excêntrico pistoleiro albino
que provoca mais risadas que medo, “Roy Bean – O Homem da Lei” tem outro
momento que se pretende cômico: é aquele com a presença de John Huston como um
velho caçador de peles que deixa um urso ‘de presente’ para Roy Bean, que adota
‘Bruno’. O Juiz para castigar Frank Gass o coloca na jaula de ‘Bruno’ e a
sequência resulta sem a mínima graça, mas não pior que o interlúdio romântico
entre Bean, Maria Helena e... ‘Bruno’. Claramente inspirado por “Butch
Cassidy”, John Milius jamais poderia imaginar que a sequência que escreveu
pudesse ser filmada de forma tão insossa e monótona. Mais ainda ao som da insípida
canção ‘Marmalade, Molasses and Honey’ cantada por Andy Williams e
inacreditavelmente indicada ao Oscar de Melhor Canção. Se ‘Raindrops Keep
Fallin’ on my Head’ foi um achado que em muito ajudou o sucesso de “Butch
Cassidy”, certamente espectadores se levantaram e foram embora do cinema nessa
sequência que é uma das mais aborrecidas de toda a filmografia de John Huston.
Ava Gardner; Bill McKinney e Steve Kanaly |
Final
poético mas nem tanto - O confronto desigual entre Roy Bean,
Rose e os cinco envelhecidos delegados contra as forças mais bem armadas de
Frank Gass deveria ser o clímax de “Roy Bean – O Homem da Lei”. Mais heroico
que nunca Roy Bean (a cavalo) e seus companheiros destroem torres de petróleo e
incendeiam Vinegaroon pondo fim ao império de Frank Gass. Sequência que, sem
dúvida, sofreu influência do desfecho monumental de “Meu Ódio Será sua Herança”
(The Wild Bunch), de Sam Peckinpah. Porém o western de John Huston reserva um
final que buscou ser mais poético com Lily Langtry chegando a Vinegaroon para
conhecer o Museu de Roy Bean. No entanto nem a presença de Ava Gardner chega a
provocar a emoção esperada. O diretor de “Uma Aventura na África” não estava em
momento de maior inspiração.
Paul Newman, Anthony Perkins; Jacqueline Bisset |
Juiz
sem escrúpulos - Frustra um pouco o espectador ter que esperar até o final
de “Roy Bean – O Homem da Lei” para ter na tela as presenças de Jacqueline
Bisset e de Ava Gardner, especialmente esta aos 49 anos e conservando a beleza
que a fez famosa. Para compensar a também bonita Victoria Principal tem participação
em mais da metade do filme. Paul Newman, que John Milius não queria como protagonista é o Juiz
autoritário, por vezes arrogante, mas que pauta sua conduta obedecendo aos
ditames da lei. Sem o escrúpulo, entretanto, de interpretar a lei segundo seu
interesse pessoal quando preciso, subvertendo a máxima que a Lei está a serviço
da Justiça, fazendo a Justiça, que é ele próprio, servir a Lei que ele comanda
através dos seus delegados. Estes, ao serem contratados, confessam ser homens ‘levados a viver fora da lei pelas
circunstâncias’. A lei, a Oeste de Pecos era o próprio Roy Bean.
Jim Burk, Roddy McDowell; Steve Kanaly, Matt Clark, Tab Hunter |
Elenco
numeroso - Newman está excelente como o homem da lei obcecado pela
mulher que só conhece pelos cartazes que coleciona. Ava Gardner ilumina a tela,
independentemente de os poucos momentos em que aparece não estarem à altura de
seu nome. Victoria Principal em sua estreia no cinema, aos 22 anos, não
desaponta, ela que viria a fazer carreira na TV. Jacqueline Bisset era já uma
atriz famosa e assim como Ava Gardner pouco aparece. O grupo de delegados é um
dos pontos altos deste western, com destaque para Ned Beatty, mas muito bons
também Matt Clark e Bill McKinney. Anthony Perkins surpreendente como o
pregador itinerante e Tab Hunter mal tem tempo de dizer duas ou três frases e é
logo enforcado. Roddy McDowell é um estranho no western com o tipo antipático
que comumente faz. Impossível não rir com Stacy Keach, espalhafatoso com
cabeleira longa e branca. John Huston parece não querer mostrar o rosto já
envelhecido e David Sharpe, fantástico stuntman dos tempos da Republic
Pictures, merecia ser melhor filmado. Roy Jenson é um bandido mexicano no início
do filme, Neil Summers com sua cara de rato é varado por muitas balas por
atirar no pôster de Lily Langtry. Michael Sarrazin só é visto em uma foto
abraçado a Jacqueline Bisset.
Jim Burk - Ned Beatty - Matt Clark - Bill McKinney - Steve Kanaly |
Impressão
de frustração - O tom de cor escolhido é o mesmo dos westerns de Sam
Peckinpah, com cinematografia de Richard Moore; a música de Maurice Jarre nem
de longe tem a força das trilhas que lhe valeram três Oscars, um deles do
inesquecível “Lawrence da Arábia”. Este western irregular de John Huston merece
ser visto pelas boas sequências que contém, pelo interesse que desperta o
biografado e pelos nomes talentosos envolvidos. Ao final é inevitável a
sensação de frustração de que não se chegou ao resultado esperado.
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