Cecil B. DeMille; Hickok; Calamity Jane e Buffalo Bill |
Cecil B. DeMille era já um diretor
famoso que fazia filmes desde 1914 e reconhecido como ótimo contador de
histórias, mais ainda se estas tivessem origem em textos bíblicos. Tendo feito
diversos westerns no cinema mudo, DeMille ainda não havia incursionado pelo
gênero western depois que o cinema passou a falar, mesmo tendo percebido que
não faltavam ótimas oportunidades para filmes com seu característico estilo
grandiloquente. Ainda no cinema silencioso foram filmadas superproduções como
“Os Bandeirantes” (The Covered Wagon), de James Cruze, 1923 e “O Cavalo de
Ferro” (The Iron Horse), de John Ford, 1925; o premiado “Cimarron”, de Wesley
Ruggles, chegaria em 1931 e certamente fez com que DeMille reavaliasse a ideia
de enveredar pelo Velho Oeste, o que ocorreria em 1936 com “The Plainsman”.
Esse não foi o primeiro título pensado para essa produção que chegou a se
chamar “The Breed of Men”, isto na fase de elaboração do roteiro no qual
trabalharam Waldemar Young, Harold Lamb e Lyan Riggs. O personagem principal da
história de “The Plainsman” é James Butler Hickok, mais conhecido como ‘Wild
Bill’ Hickok, cujos 39 anos de vida foram repletos de aventuras. O lendário
Hickok foi, entre outras coisas, homem da lei, soldado na Guerra Civil e
jogador de pôquer e o roteiro se baseou principalmente no livro “Wild Bill
Hickok: The Prince of Pistoleers”, de Frank J. Wilstach, além de uma compilação
de textos feita por Jeannie MacPherson. DeMille não perderia a oportunidade de
visitar o Oeste Selvagem deixando de lado alguns de seus principais personagens
e sem nenhum constrangimento ‘encomendou’ a presença de George Armstrong
Custer, de Buffalo Bill e de Calamity Jane para participarem da história.
Hickok, realmente, conheceu William Cody (Buffalo Bill) e mais ainda Calamity
Jane. Esta, por sinal, em sua autobiografia relatou que chegou a se casar com
Hickok. Mas a intenção de DeMille não era se ater unicamente aos fatos
históricos e sim tornar seu filme mais interessante e emocionante. Para isso,
até mesmo Abraham Lincoln tem uma ‘pequena participação’ na parte inicial.
Esqueceu-se, no entanto, o produtor-diretor da figura também lendária de John
Wesley Hardin, outro que chegou a conhecer Hickok. E nem pensar em citar que ‘Wild
Bill’ teve uma doença comum naqueles tempos (gonorreia), uma vez que isso em
nada enalteceria sua imagem heroica vivida por ninguém menos que Gary Cooper. Mas
DeMille simplesmente seguia, com a falta de rigor histórico, o modelo daqueles
tempos ainda distantes da precisão revisionista que ocorreria em Hollywood
décadas mais tarde. Custer, Billy the Kid, Jesse James, entre outros eram
reverenciados nos filmes norte-americanos e o mesmo fez DeMille com Hickok,
Buffalo Bill e Calamity Jane em seu “The Plainsman” que no Brasil recebeu o
título “Jornadas Heroicas”.
Jean Arthur e Gary Cooper; Gary Cooper e Charles Bickford |
Hickok
desarmando os índios - Coincidiu com o fim da Guerra Civil
a invenção do rifle de repetição e a indústria bélica do Norte se viu em
dificuldade para desovar a nova produção. Como os índios ainda resistiam à política
de Washington de deixar suas terras para que os brancos as explorassem, os
nativos passaram a ser vistos pelos fabricantes como um potencial mercado
consumidor dessas novas armas. Mas havia o Exército para impedir esse arriscado
comércio e a solução era contratar contrabandistas de armas, alguém como John
Lattimer (Charles Bickford) que conseguia ter como sequazes até mesmo soldados
da União. Lattimer passou a armar os índios porém teve a má sorte de ‘Wild Bill’
Hickok (Gary Cooper) atravessar seu caminho. E isto justamente quando Hickok
havia reencontrado seu amigo Buffalo Bill (James Ellison), ambos sempre
dispostos à ajuda mútua. Buffalo Bill acabara de se casar com Louisa Cody
(Helen Burgess), enquanto Hickok não se decidia a transformar sua eterna
namorada Calamity Jane (Jean Arthur) em sua esposa, por mais que ela se
esforçasse para isso. Tentando desbaratar o contrabando de armas Hickok acaba,
juntamente com Jane, prisioneiro dos Cheyennes. Libertado, ajuda uma patrulha
do Exército que sofre uma emboscada e mais tarde encontra um índio Cheyenne
(Anthony Quinn), que relata o massacre Sioux ao regimento comandado pelo
General Custer (John Miljan). Após a aniquilação do 7.º Regimento de Cavalaria,
Hickok segue para Deadwood onde se defronta com Lattimer e o mata em legítima
defesa. Descuida-se porém em um jogo de cartas e é alvejado pelas costas por
Jack McCall (Porter Hall), comparsa de Lattimer. Calamity Jane fica sem seu
grande amor e o tráfico de armas para os índios cessa graças à ação de ‘Wild
Bill’ Hickok.
Gary Cooper e Jean Arthur |
Western
sem ‘happy end’ - Um dos maiores sucessos do ano de
1936, “Jornadas Heroicas” não tinha outro objetivo senão o de agradar ao
público, com seu diretor-produtor sabendo sobejamente como fazer isto. E
DeMille não teve pudores em mostrar ‘Wild Bill’ Hickok como um homem digno e
corajoso cujo defeito único talvez fosse não resistir a um jogo de pôquer.
Valente frente aos malfeitores, era durão também no seu namoro com Calamity
Jane, a quem desdenhava mas sabia que a amava. E o destemido Hickok enfrenta
sucessivos desafios vencendo-os a quase todos e a exceção fica por conta da
impossibilidade de evitar o extermínio do regimento do General Custer. Se o roteiro não deu maior importância aos
fatos históricos ele é bastante coerente na narrativa ficcional e por isso
mesmo chega a chocar a coragem de dar a este western um final nada feliz,
frustrando o espectador com a morte do herói. Final paradoxalmente muito próximo
de como o evento ocorreu, ou seja, com Hickok baleado pelas costas enquanto
estava numa mesa de pôquer.
Gary Cooper |
Sarcasmo
e patriotismo - Embora por vezes o ritmo de “Jornadas Heroicas” decaia
bruscamente, este é um western repleto de ação e o ponto alto é quando Hickok
busca promover uma conferência de paz com o Chefe Yellow Hand (Paul Harvey).
Wild Bill é feito prisioneiro juntamente com Calamity Jane e submetido a uma
tortura sendo exposto a uma fogueira para que diga onde estão as balas para
municiar os rifles que os índios trocaram por peles. Bravamente Hickok resiste
mas Calamity ao vê-lo sofrer conta o que sabe ao chefe Cheyenne. São então
libertados e isso é o suficiente para Hickok hostilizar mais a garota, o que
faz sarcasticamente o tempo todo, momentos em que DeMille exercita sua
comicidade nem sempre engraçada. A resistência de Hickok expressa seu
sentimento patriótico, o que permeia todo o filme e que numa história de pura
ficção com personagens idealizados é uma das formas de agradar o público. E
Gary Cooper se identificou como poucos outros atores ao americano digno,
patriota e intrépido.
Jean Arthur |
Calamity
Jane, quase perfeita dama - Muito se comentou que o
diretor-produtor cedeu de sua coleção particular 64 armas da época da Guerra
Civil para tornar mais realistas as sequências de batalha. E nelas utilizou,
pelo que diziam os ‘releases’, dois mil extras. Mesmo filmadas em locações numa
Reserva Indígena em Montana, essas sequências não chegam a impressionar ao modo
de John Ford ou Raoul Walsh. Porém a recriação de Deadwood City e antes o
cenário de Leavenworth, construídos nos estúdios da Paramount, criam a
impressão de se voltar àquelas cidades em meados do século XIX. A riqueza de
detalhes também chama a atenção e compensa o fato de DeMille ter utilizado
atores brancos como índios, exceto o nativo Chief Thundercloud que sequer tem
falas na película. O mexicano Anthony Quinn que se destacaria em sua carreira
pelos personagens multirraciais é quem mais se assemelha a um Cheyenne de
verdade. As muitas liberdades que DeMille tomou em relação à História, como foi
citado acima, objetivavam agradar ao público, mas a Calamity Jane de Jean
Arthur se distancia exageradamente da mulher nada feminina que ela sabidamente
foi. E Calamity é neste western uma figura sem a vivacidade, insolência e
rudeza que caracterizaram a lendária Calamity. Não fosse assim a personagem não
poderia ser interpretada pela delicada Jean Arthur.
James Ellison |
Buffalo
Bill sem carisma - Errol Flynn não era ainda o grande
modelo de herói que viria a se tornar no decorrer da década de 30, mas James
Ellison mais parece um carbono do grande astro de “Capitão Blood”, claro que
sem o carisma de Flynn. A escolha de Ellison para interpretar Buffalo Bill foi
um erro tão gritante quanto Jean Arthur ser escalada como Calamity Jane.
Ellison era um alto e simpático mas obscuro ator de westerns-B, pardner de
Hopalong Cassidy e não consegue fazer o público acreditar ter sido ele autor
das proezas atribuídas a William ‘Buffalo Bill’ Cody. Tanto que sua carreira,
apesar desta excepcional oportunidade jamais fez dele um astro de primeira
grandeza. A esposa de Buffalo Bill neste filme foi interpretada com suavidade
por Helen Burgess, jovem atriz descoberta por DeMille e que teve sua carreira
truncada aos 20 anos de idade quando faleceu vítima de uma pneumonia.
Excepcional
elenco de apoio - O excelente Charles Bickford é o
vilão principal e mereceria ter maior relevância no filme. Conta-se que a
Paramount não aceitou que ‘Wild Bil’l Hickok fosse morto por alguém de tão
pouca importância como o Jack McCall interpretado pelo eterno coadjuvante
Porter Hall. Mas DeMille bateu o pé e ao menos nesse evento foi fiel aos fatos
históricos, mantendo McCall como o covarde assassino de Hickok. O vastíssimo
elenco é um prazer extra para aqueles que reconhecem os atores coadjuvantes e
podem ser vistos, entre outros, George ‘Gabby’ Hayes, Hank Bell, Francis Ford,
Charles Stevens, Fuzzy Knight, Francis McDonald, Bud Osborne, Richard
Alexander, Ted Oliver e os eternos bandidões Harry Woods e Fred Kholer. O
Imponente John Miljean é George Armstrong Custer e Anthony Quinn numa breve
aparição dá início a uma das mais extraordinárias vidas artísticas que um ator
poderia ter. Segundo ele mesmo gostava de contar, seu papel era ainda menor,
mas ele chamou a atenção de DeMille quanto ao modo que um Cheyenne se
aproximaria dos brancos. O diretor inconformado com atrevimento do jovem
desconhecido de 21 anos o dispensou sumariamente, mas Katherine, a filha de
DeMille, presente ao set a tudo observou e disse ao pai que havia coerência dna
observação de Quinn. Este não só continuou no filme como se casou com Katherine
e se tornou um protegido do diretor.
À direita Gary Cooper com Fred Kholer, Harry Woods e George 'Gabby' Hayes
Gary Cooper |
Gary
Cooper mais ele próprio que Hickok - “Jornadas heroicas” gira
praticamente inteiro em torno da presença de Gary Cooper que com seu modo
habitual de interpretar, aparentemente sem fazer maior esforço, convence e conquista
o espectador. Cooper parece um tanto lento por vezes mas isso era parte do seu
charme. Cabelos, bigode e cavanhaque longos eram uma característica de Wild
Bill Hickok, mas DeMille sabia que Cooper não ficaria bem com esse perfil e o
que temos é um Hickok com o jeito de Gary Cooper e não o contrário. Este foi mais
um êxito na carreira do ator que conseguiu a proeza de enfileirar uma longa
sequência de sucessos, coisa que raros atores conseguiram fazer em tantas
décadas de cinema norte-americano. Cecil B. DeMille que se iniciou como diretor
em 1914 com o western “Amor de Índio”, posteriormente a “Jornadas Heroicas”
ainda dirigiria “Aliança de aço” (Union
Pacific), “Legião de Heróis” (North West Mounted Police) e “Os Inconquistáveis”
(Unconquered), estes dois últimos estrelado por Gary Cooper e não westerns
legítimos. Nenhum deles, no entanto se aproximou tanto de ser um clássico como “Jornadas
Heroicas” que é um western que nenhum fã do gênero pode deixar de ver pois é
garantia de boa diversão.
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