O diretor japonês Akira Kurosawa. |
O faroeste se inspirou algumas vezes em
filmes de samurais para realizar produções do gênero, coincidentemente sempre
em filmes clássicos de Akira Kurosawa. O primeiro foi “Sete Homens e um
Destino” (The Magnificent Seven), em 1960, de John Sturges, que se baseou em “Os
Sete Samurais”. Em seguida foi a vez de Sergio Leone com “Por um Punhado de
Dólares” (Per un Pugno di Dollari), em 1964, com semelhanças tão evidentes com
“Yojimbo”, que Kurosawa brigou e ganhou na justiça pelos direitos da história. Em
1964 o menos conhecido “Quatro Confissões” (The Outrage), de Martin Ritt,
adaptou o roteiro de “Rashomon”, dando, no entanto, crédito ao diretor japonês.
E não é que nos últimos anos os nipônicos resolveram mostrar que também gostam
de westerns, produzindo em 2007 “Sukiyaki Western Django”, que contou até com a
participação de Quentin Tarantino como ator. Esse carinho com o faroeste por
parte dos japoneses os fez em 2013 realizar “Imperdoável” (Yurusarezaru Mono),
uma versão do premiado western “Os Imperdoáveis” (Unforgiven), de Clint
Eastwood, filmado em 1992.
Shiori Katsuna; abaixo Yûya Yagira, Akira Emoto e Ken Watanabe. |
Um
prêmio e uma vingança - Em 1880 o Japão está sob controle
imperial após haver derrotado o sistema feudal denominado Shogunato. Jubei Kamata
(Ken Watanabe) é um samurai que lutou contra soldados do imperador, tornando-se
conhecido por sua ferocidade e sendo alcunhado ‘Jubei, o Matador’, após o que se
tornou um pequeno sitiante tentando fugir de seu passado. Hokkaido é um
vilarejo onde Ichizo Oishi (Kôichi Satô) comanda soldados imperiais e impõe
autoritariamente a lei, sendo temido por todos. No bordel de Hokkaido a jovem
prostituta Natsume (Shiori Katsuna) tem o rosto cortado por Sanosuke Hotta
(Yukiyoshi Ozawa) e o fato é denunciado a Ioshi que entende que o pagamento de
alguns cavalos é suficiente para compensar o prejuízo de Kihachi (Yoshimasa
Kondô), o dono do prostíbulo. Lideradas por Okaji (Eiko Koike) as prostitutas
juntam dinheiro e prometem um prêmio a quem matar Sanosuke e seu companheiro
Unosuke Hotta (Takahiro Miura). O velho camponês Kingo Baba (Akira Emoto)
procura Jubei Kamata e o convence a executar a vingança pretendida pelas
meretrizes em troca da recompensa. Junta-se a eles o jovem Goro Sawada (Yûya
Yagira) que procuram e matam Sanosuke e Unosuke, o que contraria o comissário
Oishi. Este prende e tortura até a morte Kingo Baba, o que revolta Jubei que
retorna a Hokkaido para matar Oishi.
Ken Watanabe |
Carbono
quadro a quadro - Diferentemente do que ocorrera com
as citadas adaptações ocidentais dos filmes de samurais de Akira Kurosawa,
“Imperdoável”, dirigido pelo japonês Lee Sang-il, é praticamente uma cópia de
“Os Imperdoáveis”. Assistir a este remake é como rever o western de Clint
Eastwood. Entre as poucas e irrelevantes modificações estão: as sequências
iniciais da perseguição a Jubei na neve e sua luta desesperada pela
sobrevivência; a procura pelo antigo matador Jubei que no filme japonês é feita
pelo velho Kingo Baba e não pelo jovem fanfarrão Goro Sawada; a introdução do
tema sobre a discriminação sofrida pelos aborígenes da tribo Ainu. Na sequência
culminante em que Jubei invade a taverna para matar o comissário, soma mais de
duas dezenas o número de homens ao lado de Oichi, grupo muito maior que aquele
que Will Munny teve que enfrentar. Entre essas poucas alterações, a mais
notável é a ausência da memorável frase proferida por criada pelo escritor e
roteirista David Webb Peoples e expressa pelo personagem de Eastwwod: “Matei mulheres e crianças. Matei tudo que
anda ou rasteja. E estou aqui para matar você”. Jubei não pronuncia essa
frase.
Akira Emoto e Yûya Yagira |
Cenário idêntico ao do western de Clint Eastwood; belíssima composição de sequência na neve com inusitada tomada de câmara. |
Desaparecendo
como Shane - À parte ser uma cópia de “Os Imperdoáveis”, o filme
japonês “Imperdoável” é desenvolvido compe-tentemente e com sequências
belíssimas como aquelas passadas na neve e que reaparecem em flashbacks
fustigando a consciência de Jubei Kamata. Para um drama de ação sobre o que
restou dos samurais ao fim do shogunato, são poucos os momentos de maior movimentação
e a câmara de Lee Sang-il move-se vagarosamente. Com 138 minutos de duração,
tem-se a impressão de ser um filme ainda mais longo, justamente pelo ritmo
lento que o diretor propositalmente impôs. O realismo mostrado na tela dá
lugar, na sequência final a um fantástico e invencível herói que mesmo ferido
vence os muitos adversários que vacilantes enfrentam não a um guerreiro comum,
mas a um mito considerado imortal. Com a taverna-prostíbulo em chamas atrás de
si o trôpego Jubei Kamata monta seu cavalo e desaparece como Shane, igualmente
ferido e de quem não mais se ouviu falar. Se Eastwood assistiu a este remake
deve ter aprovado a impactante imagem que em tudo lembra seu “O Estranho Sem
Nome” (High Plains Drifter).
Kôichi Satô; abaixo Yukiyoshi Ozawa e Kôichi Satô. |
Oishi:
elegante e perverso - Enquanto Ken Watanabe tenta emular a
interpretação soturna de Clint Eastwood, Kôichi Satô se torna o destaque do
elenco de “Imperdoável”. Mesmo opressivo e sádico, o comissário vivido por Satô
difere-se enormemente do Little Bill de Gene Hackman. O ator japonês criou um
comissário Oishi tão elegante e experiente quanto perverso e frio, enquanto
Watanabe não possui a aura necessária para o personagem Jubei que atinge
dimensão quase épica. Ken Watanabe trabalhou com Clint Eastwood que o dirigiu
em “Cartas de Iwo-Jima” (2006), fato que pouco ajudou na imitação. Sem o considerável
esforço feito por Watanabe para lembrar o Will Munny de Eastwood, é grande a
semelhança entre Akira Emoto e Morgan Freeman e o ator japonês é outro destaque
do filme. Yûya Yagira se excede como o problemático jovem que tem sangue Ainu.
Não há nem sombra do carisma de Richard Harris na comparação com Jun Kunimura como
o imodesto samurai Masaharu Kitaoji que se faz acompanhar por seu biográfo.
Este, vestido de modo tão extravagante quanto o próprio comissário é
interpretado pelo irritante Keniche Takitô. Bons os desempenhos de Shiori
Katsuna (a moça retalhada) e de Eiko Koike, as duas principais prostitutas.
Talento
pessoal e inatingível - “Imperdoável” é importante pois permite
que se perceba o quanto Clint Eastwood é magnético como ator, simples, direto,
eficiente e inspirado como diretor e o quanto seu “Os Imperdoáveis” é um
western fascinante. O remake japonês realizado em tom de homenagem merece, sem
dúvida, ser assistido, ainda que provoque uma incontida vontade de rever a
última aventura de Eastwood no Velho Oeste.
Ken Watanabe e Clint Eastwood |
Esta cópia do filme “Imperdoável” foi
gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.
Gostaria de ver uma resenha no site sobre o filme Os Bravos Não se Rendem (Custer of the West) de 1967, direção de Robert Siodmak.
ResponderExcluirParece-me um daqueles filmes bem acima da média e injustamente esquecido.