Cândido Portinari e alguns de seus quadros retratando a antiga Brodowski |
Brodowski é uma pequena cidade da
Região Nordeste do Estado de São Paulo, nacionalmente conhecida por ter sido o
berço de Cândido Portinari, pintor brasileiro consagrado mundialmente. Muitas
das belas e valiosas telas que Portinari pintou foram inspiradas por suas bucólicas
ruas (ainda sem calçamento) e por seus moradores, especialmente as crianças em
movimento que Cândido tanto gostava de pintar. O menino brodosquiano José
Flávio Mantoani bem poderia ter sido uma das crianças retratadas pelo pincel
genial de Portinari pois também brincava nas ruas da cidadezinha situada a 27
quilômetros da já populosa Ribeirão Preto. Mas jogar bola, empinar pipa ou
brincar de ‘pula carniça’ não eram as diversões que José Flávio mais apreciava.
Apelidado de ‘Mith’ pelos amiguinhos, José Flávio gostava mesmo, além da conta,
era das sessões para crianças e adolescentes dos três cinemas de Brodowski, o ‘Paroquial’,
o ‘Santa Amélia’ e o ‘Paratodos’. Mith frequentava assiduamente as três salas
e, como não poderia deixar de ser, o faroeste era seu gênero de filmes
favorito. Mith assistia às aventuras de Rex Allen, mocinho que mais gostava,
com dúzias de gibis no colo, gibis que antes e no intervalo das sessões eram
trocados na porta e mesmo dentro do cinema. Isso ocorria identicamente tanto
nas cidades grandes como na Brodowski que possuía, então, perto de cinco mil
habitantes.
Gibis que a garotada trocava nos encontros dominicais das matinês. |
As
emoções dos seriados - O garoto Mith jamais perdia as
matinês dominicais que exibiam faroestes com Roy Rogers, Allan ‘Rocky’ Lane,
Hopalong Cassidy, Durango Kid, Bill Elliott e outros que ele admirava em grau
um pouco menor que o ‘Cowboy do Arizona’ Rex Allen. Era bom demais ver semanalmente
esses mocinhos cavalgarem seus belos corcéis e distribuir socos bem aplicados
nos queixos de Roy Barcroft e outros bandidos, além de se emocionar com cada
capítulo dos seriados. Este tipo de filme seccionado em episódios exibidos
semanalmente tinham um sabor especial para a garotada que, mesmo sabendo que os
heróis eram invencíveis, ficava a imaginar como poderiam eles se safar das
enormes serras elétricas, explosões, quedas em despenhadeiros e outros
criativos perigos. Cada novo seriado como “Os Perigos de Nyoka”, “O Homem
Foguete”, “A Espada do Zorro”, “Flash Gordon”, “O Aliado Misterioso”, “Os
Tambores de Fu Manchu”, “Super-Homem”, “O Fantasma Voador” e “O Homem de Aço”
(Capitão Marvel) era tão aguardado como a chegada das férias escolares ou mesmo
Papai Noel com o novo brinquedo. O seriado “A Vingança de El Látego” fez tanto
sucesso entre a garotada que o proprietário do Cine Paratodos o reprogramou
para nova exibição de seus 12 episódios, atendendo aos pedidos da criançada de
Brodowski. O operador de projeção Luiz Stechini teve, pela primeira vez, que
reprisar um seriado. Fanático por faroestes, Mith passava muito tempo olhando
os lobby cards expostos nas paredes dos cinemas e não se conformava em não
poder assistir àqueles filmes de cowboy estrelados por artistas como Gregory
Peck, Randolph Scott, Alan Ladd, Gary Cooper e John Wayne. Mith escutava os
mais velhos dizerem sempre que aqueles eram os melhores artistas do cinema.
Pôsteres dos seriados que Mith assistiu em Brodowski: "A Vingança de El Látego", "O Aliado Misterioso", "Os Tambores de Fu Manchu" e "Flash Gordon". |
"O Super-Homem", "O Homem-Foguete", "O Fantasma Voador" e "Os Perigos de Nyoka", todos seriados que Mith assistia episódio a episódio dominicalmente. |
"Ao Rufar dos Tambores", "o Anjo e o Bandido", "Sangue de Heróis", "O Matador" e "Os Brutos Também Amam", todos assistidos pelo menino Mith. |
Ajudante
do ‘Seo’ Luiz no Cine Paratodos - Mith impressionava os demais meninos
mostrando que conhecia aqueles atores e atrizes que não atuavam nos westerns B
ou nos seriados. E eram esses filmes anunciados nos grandes cartazes, uma
tentação para o garoto, futuro cinéfilo em formação e que certo dia teve uma
tão brilhante quanto ousada ideia. Mith procurou o senhor Luiz Stechini e
perguntou se ele não precisava de um ajudante. ‘Seo’ Luiz tinha sim muito
trabalho com filmes que se partiam e necessitavam ser emendados, além ainda de
rebobiná-los para devolvê-los ao distribuidor. Por que não, então, aproveitar
aquele menino que se oferecia para trabalhar sem ganhar nada e que teria a
função de rebobinar os filmes exibidos? E Mith, com autorização dos pais, pode
então ver o que havia nos fotogramas de rolos de filmes muito falados. “Ao
Rufar dos Tambores” havia feito bastante sucesso quando exibido e Mith pode
conhecê-lo ali, clandestinamente, na sala de projeção do Cine Paratodos. O
mesmo ocorreu com “O Matador”, “Sangue de Heróis” e “O Anjo e o Bandido”, estes
dois últimos estrelados por John Wayne, de quem se falava muito naqueles
primeiros anos da década de 50. Rex Allen, Roy Rogers e Rocky Lane passaram
então a ter, para Mith, a concorrência de Wayne, Joel McCrea, Randolph Scott,
Jeff Chandler e James Stewart, entre outros como mocinhos de muitos faroestes
com censura acima de 14 anos de idade.
José Flávio Mantoani como ator em "Dioguinho - A Volta do Matador". |
Ligando-se,
na prática, ao cinema - Após três inesquecíveis anos
passados dentro da cabine de projeção do Cine Paratodos, em Brodowski, Mith
teve que deixar a função, com certa tristeza, é claro. Mas já podia assistir a filmes
como “Os Brutos Também Amam” e “Matar ou Morrer” sentado na plateia do Cine
Santa Amélia e ao lado de outros amigos, se emocionando com Alan Ladd e Gary
Cooper. O tempo passou e José Flávio assistiu a um incontável número de filmes
durante sua vida, tornando-se um grande colecionador e envolvendo-se
diretamente com a 7.ª Arte ao criar, junto com outros amigos, o Grupo de Cinema
de Brodoswski. Esse grupo já realizou um total de 18 longa-metragens e três
documentários e nessas produções José Flávio Mantoani é um dos membros mais
atuantes. Escreve roteiros, cuida da trilha sonora musical e interpreta tipos
sempre marcantes como o Presidente do Estado Campos Salles em “Dioguinho”
(2002) ou o médico charlatão em “Dioguinho – A Volta do Matador” (2015).
Mith ao lado do cineasta Milton Martins; Mith com os amigos Odair Martins (protagonista de "Dioguinho"), Ewaldo Marçal Arantes e Aurélio Cardoso. |
O 'Totó' de "Cinema Paradiso", em tudo parecido com o menino Mith. |
O
Totó de Brodowski - O cinema sempre fez parte da vida de
José Flávio Mantoani, o Mith, mas uma emoção incomparável ele sentiu ao
assistir “Cinema Paradiso”, em 1990. Naquela poética declaração de amor que Giuseppe
Tornatore fez ao cinema, Mith se reconheceu no personagem ‘Totó’ (Salvatores Cascio), o menino que,
assim como ele, ajudava o projecionista ‘Alfredo’ (Pillippe Noiret). Ambos,
Totó e Mith descobriram clandestinamente o mundo maravilhoso do cinema, emoção
que se repetia a cada fotograma olhado com especial carinho ao ver e, como num
sonho tocar, o celuloide que estampava um daqueles nomes admirados por milhões
de pessoas no mundo inteiro. Totó num pequeno vilarejo siciliano e Mith na sua
querida Brodowski, no Cine Paratodos que se tornou um autêntico ‘Cine Saudade’
para José Flávio Mantoani.
Phillippe Noiret e Salvatore Cascio em "Cinema Paradiso"; José Flávio Mantoani voltando décadas no tempo. |
José Flávio Mantoani como Campos Salles em "Dioguinho" e junto com sua enorme coleção de LPs onde se encontram mais de 300 álbuns só com trilhas sonoras compostas por Ennio Morricone. |
O Grupo Escolar Tiradentes, onde Mith cursou o Ensino Fundamental; nas fotos menores ruas de Brodowski, notando-se ainda um único automóvel ao lado de uma carroça puxada a cavalo e uma carrocinha. |
Pois é, Totó hein? Me fez chorar de saudade daqueles tempos. Belo brog você montou. Passarei a acompanhá-lo doravante, poque não há nada mais belo do que um passado registrado em nossas memórias e vê-lo em fotos que já desapareceram. Vai firme, meu amigo, e Deus lhe dê vida longa!
ResponderExcluirPois é, Totó hein? Me fez chorar de saudade daqueles tempos. Belo brog você montou. Passarei a acompanhá-lo doravante, poque não há nada mais belo do que um passado registrado em nossas memórias e vê-lo em fotos que já desapareceram. Vai firme, meu amigo, e Deus lhe dê vida longa!
ResponderExcluirBela história a do "Totó de Brodowski". Passei longe de assistir seriados no cinema. De todos os mencionados e assistidos por Mantoani, só vi Superman, com Kirk Alyn, que comprei em DVD.
ResponderExcluirAssim como em Brodowski, a Caixa Econômica Federal também ocupa o local do antigo cinema aqui em Borda da Mata - MG.
Queria eu também ter sido ajudante nas projeções de tantos clássicos. Que privilégio!
Um abraço ao Darci e ao José Flávio!