Acima Henry Hathaway; abaixo John Wayne e o produtor Hal B. Wallis |
Henry Hathaway foi um dos mais
subestimados diretores do cinema norte-americano. Começando a filmar em 1930,
aos 32 anos de idade, a filmografia de Hathaway é recheada de magníficos
títulos, muitos deles westerns. Os anos 60 foram especialmente férteis para esse
diretor que realizou, além do melhor segmento de “A Conquista do Oeste” (How
the West Was Won), os ótimos “Fúria no Alasca” (North to Alaska), “Os Filhos de
Katie Elder” (The Sons of Katie Elder), “Nevada Smith” e “Pôquer de Sangue” (5
Card Stud). Hathaway fechou auspiciosamente a década com “Bravura Indômita”
(True Grit), que propiciou o Oscar de Melhor Ator a John Wayne, produção do
lendário Hal B. Wallis. E é fato conhecido que, além de John Ford, Hathaway era
o único diretor que o Duke respeitava e atendia em tudo que era solicitado, sem
reclamar. Produzido pelo mesmo Hal B. Wallis, “Bravura Indômita” (1969) fez
grande sucesso, isto num tempo em que faroestes já não arrastavam multidões aos
cinemas. Esse êxito de público certamente motivou a Universal a tentar repetir
a fórmula de “Bravura Indômita”, ou seja, filmando uma história com cowboy +
uma jovem + bandidos. No caso a jovem passa a ser uma menina, garantia quase
infalível de agradar ao público sempre sentimental. Para dirigir o novo filme,
ninguém melhor que o mesmo Henry Hathaway que, aos 73 anos de idade, ainda
esbanjava vitalidade. O veterano diretor aceitou e pediu Ben Johnson para
interpretar o cowboy de meia idade da história, com o que a Paramount não
concordou pois queria um nome de peso encabeçando o elenco, forma consagrada
para atrair o público. O escolhido foi Gregory Peck, ainda ressabiado por ter
atuado no terrível “O Ouro de Mackenna” (Mackenna’s Gold) filme que ele
considerou um autêntico lixo. A partir de uma história de Will James,
Marguerite Roberts, a mesma roteirista de “Bravura Indômita”, escreveu o
roteiro do novo western intitulado “Shoot Out” (tiroteio), que no Brasil
recebeu o título “O Parceiro do Diabo”.
Flashback com James Gregory atirando em Gregory Peck. |
Vingança
atrapalhada - Clay Lomax (Gregory Peck) cumpriu pena de oito anos de
prisão por roubo a banco, roubo no qual foi baleado pelas costas por seu
parceiro Sam Foley (James Gregory). Ao sair da cadeia Lomax tinha somente um
pensamento, que era se vingar de Foley, agora um rico fazendeiro estabelecido
em Gun Hill, obtendo informação sobre o paradeiro de Foley com um antigo
conhecido e dono de bar de nome Trooper (Jeff Corey). Sabedor que Lomax está
livre, Foley toma precauções contratando o pistoleiro Bobby Jay Jones (Robert
F. Lyons), juntamente com dois capangas, para seguir os passos de Lomax. Após
descobrir onde está o homem que o traiu, Lomax é surpreendido ao receber a
guarda da menina Decky Ortega (Dawn Lyn), de sete anos. A mãe de Decky, antes
de falecer, pediu que a filha fosse entregue a Clay Lomax, um de seus muitos
amantes e em quem ela confiava para a difícil tarefa de criar a menina. Bobby
Jay e seus dois asseclas roubam e matam Trooper e sequestram a pequena Decky, o
que faz com que Lomax saia no encalço do trio. A menina escapa de Bobby Jay e
este se dirige então ao rancho de Foley, a quem mata e rouba em seguida, sendo,
no entanto, alcançado por Lomax. Este provoca o assassino para um estranho
duelo e termina por matar Bobby Jay.
Gregory Peck e Dawn Lyn; Robert F. Lyons e John Davis Chandler. |
Dawn Lyn acima; abaixo Robert F. Lyons e Jeff Corey (abaixo). |
Vilão
psicótico - “O Parceiro do Diabo” tem história bastante próxima de “Bravura
Indômita” com introdução lembrando “A Face Oculta” (One-Eyed Jack) com o tema
da traição entre companheiros de roubo e consequente vingança. A consecução da
vingança, no entanto, toma rumo diferente com o surgimento do trio de bandidos
liderado pelo psicótico Bobby Jay que passa a ser um problema no caminho de
Clay Lomax. Problema ainda maior que o aparecimento da menina Decky, de quem
possivelmente Lomax seja o pai. A trama ganha novo contorno com a presença da
viúva Farrell (Patricia Quinn) que sem perda de tempo demonstra interesse em
Lomax. Em meio a todos está o doentio Bobby Jay que não perde uma única oportunidade
para satisfazer seus instintos de crueldade. Bobby Jay se diverte atirando na
barriga do paraplégico Trooper, induzindo seus companheiros Skeeter (John Davis
Chandler) e Pepe (Pepe Serna) a fazer o mesmo. Em outro momento de intensa
crueldade Bobby Jay faz a viúva Farrell escolher entre seu filho e Decky para
ele brincar de Guilherme Tell atirando contra xícaras na cabeça (de Decky),
isto sob as vistas da mãe e do filho, enquanto Lomax está desacordado. Soa
estranha essa inaudita violência na presença de crianças e a intenção do filme não
é outra senão levar o espectador à exasperação.
Gregory Peck torturando Robert F. Lyons que tem na cabeça uma maçã, um copo de uísque e uma bala de fuzil. |
Gregory Peck e Dawn Lyn |
Ternura
e malcriação - Apesar do inesgotável sadismo de Bobby Jay, Lomax não
pode matá-lo quando a oportunidade se apresenta e nisso o roteiro é bastante
inteligente. Caso matasse os três bandidos, Lomax recém-saído da prisão correria
o risco de voltar a cumprir pena justamente quando se vê diante da obrigação de
cuidar da pequena Decky. E assim como era Mattie Ross (Kim Darby) em “Bravura
Indômita”, Decky se mostra irascível, além de boca suja, o que Mattie não era. Decky
com seu palavreado chulo demonstra ter vivido em ambientes impróprios para uma
criança, quiçá um bordel onde a mãe ficava e conhecia outros homens. Ao mesmo
tempo Decky é meiga e tenta conquistar Lomax, a quem chega a perguntar se seria
ele seu pai. Surge então uma solução fácil e óbvia demais que é o encontro com
a viúva sedenta de amor e que representa a saída ideal para todos, com um lar e
mãe adotiva para Decky e um pai para o filho da viúva Farrell (Nicolas Beauvy).
Essas nuances são bem conduzidas por Hathaway, entremeadas com inúmeras
sequências que não podem ser chamadas propriamente de ação, mas sim de puro
exercício de sádica violência, exercitadas sempre por Bobby Jay. E é ele quem
frustra o espectador ao se antecipar e matar Ben Foley, o que caberia a Lomax
em justificável vingança sob os costumes do Velho Oeste.
Peck, Dawn Lyn e Jeff Corey. |
Peck
sem muita energia - Gregory Peck mesmo quando vivendo, nos
westerns em que atuou, homens que contrariam a lei, transforma seus personagens
em seres simpáticos ou no mínimo passíveis de perdão por suas atitudes incorretas.
Peck é daqueles atores que possuem o traço característico da retidão e sem
muito esforço transferem esse atributo aos tipos que interpreta. Ter recebido a
ingrata missão de cuidar de uma criança com alguma probabilidade de ser sua faz
Peck ser ainda mais convincente. Mesmo parecendo cansado e não interpretando
com a energia de outros personagens (lembramos inevitavelmente de Atticus Finch
em “O Sol é Para Todos”), Peck está quase perfeito. Ressalte-se o seu andar
alquebrado quando caminha pela rua, mais para Gary Cooper que para John Wayne.
Quem compromete o filme é o caricato Robert F. Lyons, superatuando
irritantemente em todas as sequências, acreditando-se com o carisma de Lee
Marvin e o desvario de Bruce Dern. Por outro lado o excelente James Gregory tem
seu personagem reduzido a duas sequências (inicial e final) e a um flashback, o
que é de se lamentar. E assim como Gregory, outros veteranos fazem quase pontas
em “O Parceiro do Diabo”: Arthur Hunnicutt, Paul Fix e os menos cotados Willis
Bouchey e Lane Bradford. Ainda bem que o filme mostra uma magnífica performance
de Jeff Corey, o tempo todo em uma cadeira de rodas. Rita Gam (recentemente
falecida em 22/3/2016) aparece em uma única sequência, enquanto Patricia Quinn
sai-se mal como a mulher sequiosa pelo contato masculino. Susan Tyrrell também
se excede como a infeliz prostituta forçada a acompanhar o trio de bandidos. Boa
a participação da menina Dawn Lyn que então fazia sucesso na televisão na série
“Meus Três Filhos” estrelada por Fred MacMurray.
Rita Gam e Gregory Peck; Patricia Quinn e Peck; Susan Tyrrell e Robert F. Lyons. |
Gregory Peck e Dawn Lyn. |
Esplêndida
despedida - Henry Hathaway filma com naturalidade, sem rebuscamentos,
mas são belíssimas as paisagens onde transcorre o filme, em grande parte ao ar
livre, trabalho brilhante do cinegrafista Earl Rath que atuava mais na
televisão. E que discreta e eficiente trilha sonora composta por Davi Grusin,
sem jamais interferir estrepitosamente com as imagens. Este foi o penúltimo
filme de Henry Hathaway, seu último western e esplêndida despedida do gênero.
Hathaway não fazia obras-primas, mas sim filmes competentes como é o caso deste
“O Parceiro do Diabo”.
Oi, Darci.
ResponderExcluirFiquei curioso sobre qual segmento você considera o melhor de "A Conquista do Oeste", pois o diretor Hathaway dirige 3 deles.
Um abraço.
Robson
Olá, Robson, sempre arguto e curioso. Também sou curioso para saber quais seus westerns preferidos visto você conhecer o gênero como poucos. Embora o segmento de George Marshall seja muito bom, prefiro 'As Planícies' que se junta a 'Os Rios' mais harmoniosamente e menos estanque como os demais. Abraço do Darci.
ExcluirAlguém sabe as locuções da filmagem deste filme? Pois pela estação de trem e os Alamos tremulantes, já vi este lindo lugar em outro western.
ResponderExcluir