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30 de janeiro de 2014

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE JOHN IRELAND, UM ATOR DE MUITOS FAROESTES


Fãs de faroestes conhecem bem o ator canadense John Ireland, nascido em 30 de janeiro de 1914, ou seja, exatamente há cem anos atrás. Em 1946 como um dos irmãos Clantons John Ireland fez seu primeiro western, sendo dirigido por John Ford, em “Paixão do Fortes” (My Darling Clementine). Seguiu-se a participação importante em “Rio Vermelho” (Red River), de Howard Hawks, lançado apenas em 1948. Melhor apresentação que essa para um ator seria impossível e mesmo assim, apesar de alguns papéis principais, John Ireland nunca chegou a ser um verdadeiro astro como seu início de carreira indicava. Mas seu olhar sinistro, cínico e ameaçador impressionou o público em muitos faroestes e filmes policiais, além de vários westerns-spaghetti. Pelos tantos e excelentes filmes nos quais atuou Ireland merece ser lembrado na data do centenário de seu nascimento.

Fotos do início da carreira de John Ireland;
abaixo em "Paixão dos Fortes", ao lado
de Linda Darnell.
Fama indiscreta na comunidade hollywoodiana - Vancouver, no Canadá, foi a cidade natal de John Benjamin Ireland, filho de um criador de cavalos e de uma professora. Quando John era ainda criança seus pais se mudaram para São Francisco, na Califórnia e posteriormente para Nova York. Excelente nadador, John Ireland foi contratado por uma companhia que se exibia artisticamente em piscinas. Em 1940 John se casou com a atriz de teatro Elaine Ruth Gudman, com quem teve dois filhos. Alto e com feições expressivas, John foi notado junto da esposa e convidado a atuar em teatro, chegando à Broadway aos 28 anos, em 1942, estreando num pequeno papel numa encenação de “Macbeth”. John Ireland prosseguiu na Broadway atuando em diversas peças, entre elas outra de Shakespeare, “Ricardo III”, até que finalmente foi levado para Hollywood, e em 1945 apareceu pela primeira vez na tela no filme de guerra “Um Passeio ao Sol”, estrelado por Dana Andrews. Depois de alguns trabalhos obscuros veio a grande chance para John Ireland ao interpretar Billy Clanton em “Paixão dos Fortes”, que obteve razoável sucesso de público. Na sequência Ireland atuou em “Rio Vermelho”, este sim, um grande êxito de bilheteria que, juntamente com as notícias e fofocas publicadas sobre ele o tornaram bastante conhecido. O cômico Milton Berle, o ator Dan Dailey e o band-leader Artie Shaw eram conhecidos na comunidade hollywoodiana pelo exagerado tamanho de seus membros fálicos. John Ireland teve seu nome acrescentado a esse grupo o que fez com que ele passasse a ser disputado por starlets e mesmo por atrizes conhecidas que com ele queriam manter um affair amoroso. Tantas foram as aventuras extraconjugais de John que sua esposa Elaine requereu divórcio em 1948. No entanto o ator voltaria, em 1949, a se casar, desta vez com Joanne Dru, atriz que conheceu durante as filmagens de “Rio Vermelho”. Os padrinhos de casamento foram Barbara Ford (filha de John Ford), Gregory Peck e Mel Ferrer.

Acima John Ireland em "a Grande Ilusão"
entre Mercedes McCambridge e Broderick
Crawford; abaixo com Randolph Scott
em "A Lei é Implacável".
Indicação ao Oscar – Dono de um bem dimensionado nariz, a fama de John Ireland foi aumentada com seu comportamento pouco recomendável. O ator bebia demais e andava em más companhias, a principal delas seu amigo Robert Mitchum, companheiro de fumacê, uma vez que ambos era apreciadores de um cigarro de maconha (marijuana). Ainda que raramente em papéis principais, John Ireland participava de um filme após o outro e dos cinco em que atuou em 1948, os mais conhecidos foram “Entre Dois Fogos” (Raw Deal), drama noir dirigido por Anthony Mann, e “Joanna D’Arc” (Joan of Arc), protagonizado por Ingrid Bergman. Em 1949 Ireland se superou e fez parte do elenco de nada menos que oito filmes, sendo ainda o narrador de “O Czar Negro” (The Undercover Man), com Glenn Ford. Ireland possuía excelente voz e era muito solicitado para trabalhos de narração. Foi nesse mesmo ano que Ireland participou de novos westerns, o principal deles “Eu Matei Jesse James” (I Shot Jesse James), dirigido por Samuel Fuller, com Ireland interpretando o assassino Bob Ford. Estrelados por Randolph Scott Ireland atuou nos westerns “Sete Homens Maus” (The Walking Hills), dirigido pelo ainda pouco conhecido John Sturges e “A Lei é Implacável” (The Doolins of Oklahoma). O grande filme em que Ireland atuou em 1949 foi “A Grande Ilusão” (All the King’s Man), de Robert Rossen, filme que recebeu três prêmios Oscar, entre eles o de Melhor Filme do Ano. A ótima interpretação de Ireland como o jornalista Jack Burden lhe valeu uma indicação para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, a única de sua carreira. Em “A Grande Ilusão” John Ireland voltou a contracenar com Joanne Dru, com quem já estava casado.

John Ireland
Ator de muitos faroestes B - Em 1950 Ireland foi o primeiro nome do elenco do western “The Return of Jesse James” como o personagem Johnny Callum, que é confundido com o falecido Jesse James. O incansável John Ireland participou de seis filmes em 1951, um deles ao lado da esposa Joanne Dru no western “Ousadia” (Vengeance Valley), relançado no Brasil como “Vale da Vingança”, primeiro western da carreira de Burt Lancaster. Ireland apareceu depois como William Quantrill em “O Último Caudilho” (Red Mountain), com Alan Ladd.  Outros westerns desse mesmo ano com John Ireland foram “Massacrados” (Little Big Horn); “Guerrilheiros do Sertão” (The Bushwackers), ao lado de Dorothy Malone. Em 1952 John Ireland protagonizou “A Rebelião dos Piratas” (Hurricane Smith), único filme que fez nesse ano, mas recompensado por ter como estrela a adorável Yvonne De Carlo. Em 1953 John Ireland experimentou a direção no western em 3.ª Dimensão “Hanna Lee: An American Primitive”, filme em família pois Hanna Lee foi interpretada por Joanne Dru e no elenco estava ainda Peter Ireland, filho mais velho de John que tentava seguir a carreira de ator. Os filmes de John Ireland ou eram faroestes ou policiais e foi no western “Areias do Inferno” (Southwest Passage), estrelado pelo também canadense Rod Cameron, que Ireland voltou a filmar ao lado da esposa Joanne Dru. Decididamente John Ireland se tornava um ator de filmes B.


O divórcio tempestuoso - John Ireland sempre esteve presente nos tabloides sensacionalistas, seja por suas aventuras, seja por fugir do padrão ideal imposto por Hollywood e o dia 4 de julho de 1956 nunca mais seria esquecido pelo ator. Ireland e Joanne Dru estavam na casa de Mark Stevens comemorando a data da independência norte-americana quando o casal se desentendeu. Alcoolizado, John agrediu Joanne com socos quebrando-lhe o nariz e deixando a atriz com os dois olhos pretos e inchados, sendo ela internada no hospital Cedar of Lebanon. Durante sua recuperação Joanne deixou claro que não voltaria a viver com John e este desesperado apanhou um pote de pílulas e ameaçou engoli-las, o que efetivamente fez, tendo também de permanecer como paciente no mesmo hospital para se curar da agressão causada ao próprio estômago. Tanto John quanto Joanne negaram a agressão para a imprensa, mas os fatos que ficaram foi mesmo a reação violenta de Ireland. Depois disso o casal se separou definitivamente.

O casal John Ireland e Joanne Dru.

Como Johnny Ringo desafiando Doc Holliday - John Ireland voltou à direção em “The Fast and the Furious”, policial em que também atua e ao lado da irresistível Dorothy Malone. Em 1956 Roger Corman produziu e dirigiu “A Lei dos Brutos” (Gunslinger), western estrelado por John Ireland, que desde “A Grande Ilusão” não atuava em um filme classe A, o que veio acontecer em 1957. “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral), de John Sturges foi o mais prestigiado western de 1957, com grande elenco encabeçado por Burt Lancaster e Kirk Douglas e com John Ireland num ótimo papel como Johnny Ringo, desafeto de Doc Holliday (Douglas). John Ireland interpretava com a mesma facilidade homens do Oeste, soldados em filmes de guerra, policiais e gângsters. Em “A Bela do Bas-Fond” (Party Girl), de Nicholas Ray, Ireland é o assassino Louis Canetto. Para cada participação em uma boa produção John Ireland fazia três ou quatro filmes B, como “Med Mord i Bagaget”, produzido e rodado na Suécia, filme que nem mesmo os maiores fãs de Ireland conseguiram assistir.

Só mesmo um ator de muita personalidade para desafiar e humilhar Kirk Douglas,
como na dramática sequência acima de "Sem Lei e Sem Alma".

Kirk Douglas e John Ireland, escravos-
gladiadores em "Spartacus"; abaixo também
o gladiador Woody Strode.
O gladiador Crixus - Em 1960 as telas do mundo todo mostrariam John Ireland interpretando o escravo Crixus, que se torna gladiador, na superprodução de Kirk Douglas “Spartacus”, dirigida por Stanley Kubrick. No ano seguinte Ireland seria coadjuvante em “Coração Rebelde” (Wild in the Country) o último filme sério de Elvis Presley que, a partir de então, estrelaria apenas comédias musicais. Aproximando-se dos 50 anos de idade, John Ireland se casou pela terceira e última vez em 1962 com Daphne Myrick Cameron, ex-esposa do multimilionário do ramo do petróleo George Cameron. Com Daphne John Ireland teria seu terceiro e último filho. Daphne trouxe sorte ao marido que fez parte dos elencos das superproduções “55 Dias em Pequim”, de Nicholas Ray e “A Queda do Império Romano”, de Anthony Mann. Ireland retornou à TV no último ano da série “Rawhide”, interpretando Jesse Colby em onze episódios da série que tinha em Clint Eastwood sua grande estrela. Além desse trabalho John Ireland atuou como convidado em episódios de diversas séries westerns de TV como “Gunsmoke”, “Bonanza”, “Branded”, “Daniel Boone” e outras.
           
John Ireland trabalhando para A.C. Lyles.
Caxambu nas Filipinas... – Nos anos 60 o produtor A.C. Lyles foi o responsável por um ciclo de faroestes nos quais empregou literalmente todos os atores veteranos que não mais encontravam trabalho. John Ireland nunca se enquadrou exatamente como ‘desempregado’ mas mesmo assim atuou em dois filmes da série de Lyles: “A Quadrilha dos Renegados” (Fort Utah), encabeçando um elenco que tinha Virginia Mayo e Scott Brady e “Pistoleiros do Arizona” (Arizona Buhwackers), reencontrando Yvonne De Carlo e Scott Brady. Mais bem produzidos que esses dois faroestes foi “Villa, o Caudilho”, com roteiro de Sam Peckinpah, Yul Brynner como Pancho Villa e seu velho amigo Robert Mitchum também no elenco. Como John Ireland não recusava nenhum trabalho, atuou depois em “Caxambu!” (que nada tem a ver com a bucólica cidade mineira), aventura passada na Amazônia (Brasil), mas filmada nas selvas da Filipinas... Ireland já havia atuado na Espanha em “Huyendo Del Halcón”, com Al Mulock e Diane Baker e na Itália em “Das Ardenas ao Inferno”, filme de guerra e já que estava no continente europeu, John Ireland foi mais um dos muitos atores norte-americanos a atuar naquele tipo de faroestes que se filmava na Itália e na Espanha.

John Ireland e Robert Woods.
Fase dos spaghetti – Em 1967 John Ireland atuou em “Ódio por Ódio” (Odio per Odio), com Antonio Sabato e Fernando Sancho, primeiro spaghetti da nova fase de sua carreira. Vieram a seguir “A Outra Face da Coragem” (Tutto per Tutto), com Mark Damon e Fernando Sancho como Carrancha; “Eu Mato e Recomendo a Deus” (T’Ammazzo! – Raccomandati a Dio), com George Hilton; “Uma Pistola para 100 Sepulturas” (Uma Pistola per Cento Bare), com Peter Lee Lawrence; “Corre, Homem, Corre” (Corre Uomo, Corri), de Sergio Solima, com Tomas Milian; “Meu Revólver é Minha Lei” (Quanto Costa Morire), com Andrea Giordano; “Um Homem, um Revólver, uma Vingança” (Vendetta per Vendetta), com Loredana Nusciak; “O Maldito Dia de Fogo” (Quel Caldo Maledetto Giorno di Fuoco), com Robert Woods; “Minha Pistola Nunca Falha” (La Sfida dei MacKenna), com Robert Woods; “Dieci Bianchi Ucissi da un Piccolo Indiano”, com Fabio Testi como Ringo. Já nos estertores do western spaghetti (1975) John Ireland foi dirigido por Gianfranco Parolini no western-comédia “Non Siamo Angeli”, ao lado de Woody Strode. Além desses faroestes John Ireland atuou na Europa em filmes de guerra, aventura e até numa comédia intitulada “Zenabel”.

Amigos fora da tela, Mitchum e Ireland,
em cena de "O último dos Valentões".
Quase o patriarca de La Ponderosa - Aos 60 anos de idade John Ireland trabalhava de forma incessante, liderando em 1974 o elenco do terror “The House of Seven Corps”, com os veteranos Faith Domergue e John Carradine. Das dezenas de produções para o cinema em que John Ireland atuou na fase final de sua carreira, a mais importante foi “O Último dos Valentões”, refilmagem do clássico noir “Farewell My Lovely” (Até à Vista Querida), com Robert Mitchum como o detetive Phillip Marlowe criado por Raymond Chandler. Menos interessante foi seu retorno à Itália para atuar em “Quel Pomeriggio Maledetto”, policial estrelado por Lee Van Cleef. Em 1980 John Ireland interpretou o diretor John Huston no TV-movie “Os Amores de Marilyn” e em seguida foi ao México interpretar um padre na comédia “As Mulheres de Jeremias”, com a bela Isela Vega. John Ireland jamais se conformou em ficar sem trabalhar e em 1987 pagou um anúncio de página inteira na publicação ‘The Hollywood Reporter’ com uma frase: “I’m an actor. PLEASE... let me act”. Não demorou e Ireland foi chamado para substituir Lorne Greene, que havia falecido, no piloto de uma nova série intitulada “Bonanza – The Next Generation”. John Ireland ficou com o personagem do Capitão Aaron Cartwright, irmão de Ben Cartwright e novo patriarca de La Ponderosa, mas o projeto não vingou. Em 1988 Ireland ganhou um pequeno papel em “Mensageiro da Morte”, estrelado por Charles Bronson e quatro anos depois faria seu último filme, intitulado “Waxwork II – Perdidos no Tempo”, no qual interpreta o Rei Arthur. Nada mais justo para coroar sua carreira de ator.

Três namoradinhas de John Ireland: Tuesday Weld, Natalie Wood e Sue Lyon.

Já veterano, John Ireland na versão para
a TV de "O Planeta dos Macacos".
50 anos de cinema - John Ireland atuou em mais de 150 filmes, alguns deles de grande importância na história do cinema e como verdadeiro globe-trotter, rodou o mundo filmando em inúmeros países e ainda encontrou tempo para atuar bastante na televisão. Quando não era o ator principal de um filme, John Ireland tinha sempre destacado papel secundário. Muitos lembram de John Ireland por suas conquistas amorosas e por sua preferência por atrizes mais jovens, tendo namorado Natalie Wood, Sue Lyon e Tuesday Weld, isto quando ele estava com 45 anos e a linda Tuesday com apenas 16. Porém John viveu por 30 anos com sua terceira esposa até falecer em 21 de março de 1992, vítima de leucemia. Nos últimos anos de sua vida John Ireland vivia em Santa Barbara, na Califórnia, vizinho do antigo e querido amigo Robert Mitchum, com quem tinha grandes afinidades e uma diferença: John gostava de atender, tirar fotos e conversar com os fãs, o que fazia com enorme prazer no restaurante que mantinha em Santa Barbara. E além da comida os frequentadores do restaurante passavam horas escutando as muitas histórias que John Ireland tinha para contar falando dos 50 anos em que foi ator. E certamente muitas dessas histórias lembravam dos faroestes, gênero ao qual o nome de John Ireland esteve sempre ligado.

Pôsteres de alguns dos westerns spaghetti que contaram com a presença
marcante de John Ireland.


Um comentário:

  1. Uma curiosidade: John Ireland faz um desafeto de Doc Holliday tanto em "Paixão dos Fortes", de 1946, dirigido por John Ford, como o faz em "Sem lei e sem Alma", depois, com Kirk Douglas.

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