Acima Howard Hughes. |
Nos anos 40 Howard Hawks era um dos
mais prestigiados diretores norte-americanos depois de dirigir uma série de
filmes que, além de clássicos foram sucessos de bilheteria. Entre esses filmes
estavam “A Patrulha da Madrugada” (The Dawn patrol), “Scarface, a Vergonha de
uma Nação” (Scarface), “Levada da Breca” (Bringing Up Baby), “Jejum de Amor” (His Girl Friday), “Sargento York” (Sergeant
York), “Bola de Fogo” (Ball of Fire), “O Paraiso Infernal” (Only Angels Have
Wings) e “Uma Aventura na Martinica” (To Have and Not Have). Howard Hawks se saia bem em qualquer gênero, fossem filmes de guerra, policial, aventura ou comédia.
Faltava, porém, em seu currículo, um western, gênero que Hawks tentara por duas
vezes, sendo que em ambas tentativas saíra tudo errado. Em 1934 Howard Hawks
foi para o México dirigir “Viva Villa!” e depois de algumas semanas naquele
país abandonou as filmagens, sendo o filme concluído por Jack Conway, que ficou
com o crédito, ainda que Hawks tenha dirigido metade do filme. Em 1940 Hawks
foi contratado por Howard Hughes para dirigir o faroeste “O Proscrito” (The
Outlaw) e duas semanas após ter iniciado o filme se incompatibilizou com o excêntrico empresário-aviador-produtor e deixou a produção do western. Essa saída teve versões conflitantes e
até hoje não se sabe ao certo se Hawks se demitiu ou se foi demitido por Howard
Hughes que ficou com o crédito de diretor. Para se livrar dos chefes dos estúdios e de tipos como Hughes,
Howard Hawks criou, em sociedade com o agente Charles K. Feldman, sua própria
produtora, a Monterey Productions e adquiriu os direitos cinematográficos sobre
a história “The Chisholm Trail”, de autoria de Borden Chase. Hawks iria,
finalmente, dirigir um western.
Uma das edições do livro de Borden Chase que está à direita com um cavalo. |
Um
título mais atrativo - Borden Chase, cujo nome verdadeiro era
Frank Fowler, havia sido motorista do mafioso Frank Yale, até que o carro de
Yale foi metralhado por gângsters de Al Capone. Fowler escapou por milagre e
decidiu mudar de lugar, de vida e até de nome. Adotou o pseudônimo de Borden
Chase e passou a escrever pequenas histórias (pulp fictions), muitas delas
sobre o far-west, vindo posteriormente a escrever roteiros para o cinema. Em 1945 Chase
escreveu “The Chisholm Trail”, lançado também como "Blazing Guns on the Chisholm Trail", que narrava a saga dos cowboys que pela primeira
vez conduziram um gigantesco rebanho de gado do Texas até o Kansas. A história
foi oferecida ao prestigioso semanário ‘The Saturday Evening Post’ que a comprou de Chase e a
publicou em seis capítulos (de 7/12/1946 a 11/1/1947). Antes mesmo do início da publicação naquela
revista, a Monterey adquiriu os direitos cinematográficos da história
por 50 mil dólares, muito dinheiro naquele tempo. O que Hawks não sabia era que
logo Borden Chase se transformaria em uma pedra em seu sapato, a começar pela discutida mudança do título do filme. Hawks não gostava de “The Chisholm Trail” que o
diretor achava ser cinematograficamente pouco atrativo e Chase não admitia que o título original de
sua história fosse mudado. A vontade de Hawks prevaleceu e ele escolheu o
título “Red River” para o western, título que ninguém entendeu direito e que Chase,
ferrenho anticomunista, detestou.
Gary Cooper (como Sargento York); Cary Grant (em "Jejum de Amor"); Margareth Sheridan e o campeão de rodeios Casey Tibbs. |
O ‘não’
de Gary Cooper e Cary Grant - Vivia-se o pós-guerra com o início da
guerra fria e Borden Chase que foi um dos fundadores da Motion Picture Alliance
for Preservation of American Ideals, temia que o ‘vermelho’ do novo título se referisse à
cor dos comunistas. Mas a intenção de Hawks era relacionar a história à
passagem bíblica da travessia do Mar Vermelho. Borden Chase já havia escrito
diversos roteiros, inclusive alguns originais para o cinema, nenhum deles
notável. Mesmo assim foi contratado para escrever o roteiro de “Red River”
ganhando 1.250 dólares por semana. Enquanto isso Howard Hawks, que havia
levantado um milhão e setecentos e cinquenta mil dólares junto a investidores para produzir
o western, começava a reunir o elenco do filme. Iniciou os contatos com Gary
Cooper e Cary Grant para os papéis principais, respectivamente de Thomas Dunson e de Cherry Valance. Nem Cooper e nem Grant, que já haviam atuado sob as
ordens de Hawks, aceitaram. Gary Cooper porque achou que Thomas Dunson tinha uma personalidade brutal o que comprometeria sua
imagem junto ao público; Cary Grant não aceitou porque seria o segundo nome nos
créditos, algo inaceitável para um astro como ele. Para interpretar Tess Millay
Hawks queria a modelo Margareth Sheridan em quem estava de olho desde que a
vira numa capa da revista ‘Vogue’. Para desgosto do diretor a bela Margareth se
casou e engravidou, forçando Hawks a contratar uma atriz também com pouca
experiência de nome Joanne Dru. Não era bem a Tess Millay que Hawks imaginava, mas seria Joanne Dru quem
interpretaria a prostituta.
John Wayne e Walter Brennan. |
John
Wayne encabeça o elenco - Na prateleira da casa de Walter
Brennan luziam três Oscars de Melhor Ator Coadjuvante recebidos em 1937, 1939 e
1941 e Brennan havia trabalhado com Hawks em “Uma Aventura na Martinica” quando
assinou com a Monterey, por cinco mil dólares semanais, para interpretar o
cozinheiro Nadine Groot. O veterano
Harry Carey teria participação no filme, assim como a ainda pouco conhecida loura
Colleen Gray. Praticamente todos os atores-cowboys do cinema foram contratados
para atuar em “Red River”, entre eles Noah Beery, Hank Worden, Glenn Strange,
Hal Taliaferro, Lane Chandler, Dan White, Tom Tyler, Guy Wilkerson e Pierce
Lyden. Sem falar nos muitos stuntmen como Richard Farnsworth, Ben Johnson e
Cliff Lyons. Harry Carey conseguiu que Hawks contratasse seu filho Harry Carey
Jr., então com 25 anos e que faria sua estreia no cinema nesse filme. O ator-índio
Chief Yowlachie da tribo Yakima foi também contratado, assim como uma jovem
atriz chamada Shelley Winters que acabou fazendo uma quase figuração. Apesar de
bastante conhecido depois de “No Tempo das Diligências” (Stagecoach), John
Wayne, então com 39 anos, parecia que nunca deixaria de ser um ator do segundo
escalão de Hollywood. Para ele ficou o papel de Thomas Dunson e junto com Duke veio seu ‘coach’ (treinador) para
diálogos Paul Fix que também fez parte do elenco. Faltava ainda preencher
dois papéis importantes, o de Cherry
Valance e o de Matthew Garth.
John Ireland e Montgomery Clift. |
Hawks
apresenta um certo Montgomery Clift – O cowboy de rodeios Casey Tibbs foi
a primeira escolha para viver Matthew
Garth. Porém Tibbs caiu de um cavalo e fraturou o ombro, dando adeus à sua
carreira cinematográfica. O nome de Jack Buetel foi sondado para substituir
Casey Tibbs, mas Buetel estava preso a contrato a Howard Hughes que não o
liberou para filmar com Hawks. O agente Leland Hayward, conhecido por suas conquistas amorosas, entre elas Greta Garbo e Katharine Hepburn, vinha mantendo um caso
amoroso com Slim, a companheira de Howard Hawks e conseguiu impor junto a Charles
Feldman o nome de Montgomery Clift, ator que vinha se destacando na Broadway.
Para interpretar Matthew Garth, Clift
que era oriundo do Actor’s Studio e nunca havia chegado perto de um cavalo,
fazia sua estreia no cinema aos 25 anos recebendo nada menos que 50 mil dólares
e mais cinco mil dólares a cada semana adicional além das 12 previstas em
contrato. O salário de Clift era bastante elevado se comparado ao de John Wayne
que assinou pelos mesmos 50 mil dólares mais dez mil dólares a cada semana
extra de filmagem. O contrato de Wayne previa ainda uma porcentagem de 10%
sobre os lucros do filme com garantia mínima de 75 mil dólares. Não tão jovem
(31 anos) mas igualmente novo em Hollywood, John Ireland foi escolhido para
interpretar Cherry Valance. Ireland
era um ator canadense que, assim como Clift, atuava também na Broadway mas já
havia atuado em “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine), interpretando um
dos filhos de Ike Clanton (Walter Brennan). Howard Hawks queria Gregg Toland
(“Cidadão Kane”) como cinegrafista, mas Toland estava comprometido com outro
trabalho e a escolha final recaiu em Russell Harlan. Hawks gostou tanto do
trabalho de Harlan que passou a contar com ele, dali para a frente, em quase
todos seus filmes. De dois nomes Howard Hawks não abria mão na parte técnica,
o de Dimitri Tiomkin para compor a trilha sonora e o de Arthur Rosson para ser
diretor de segunda unidade e dirigir as sequências da condução das mil cabeças
de gado alugadas para o filme.
Cena de amor entre Joanne Dru e Clift; abaixo o roteirista Charles Schnee. |
A
censura do Código de Produção - O estilo de filmar de Howard Hawks
era calmo, sem pressa e seus filmes, que costumavam estourar prazos e
orçamentos, eram compensados pela indiscutível qualidade artística. Levar uma
equipe daquele tamanho, com tantos atores, técnicos, cowboys de verdade, um enorme rebanho e
dezenas de cavalos para locações no Arizona teria um custo muito maior que o 1.750.000
dólares inicialmente orçados. As despesas começaram a subir antes mesmo de “Red
River” começar a ser rodado pois Hawks não aprovou o roteiro de Borden Chase e
contratou Charles Schnee, ex-advogado de 29 anos, formado em Yale, para
reescrever o script. A alteração foi substancial e praticamente uma outra
história foi escrita, para desespero de Borden Chase que não parava de reclamar. Orientado por Hawks,
Schnee adicionou à história nuances provocantes como a amizade entre os
personagens de Clift e Ireland. Os diálogos toscos de Borden Chase deram lugar
a falas repletas de dubiedade acrescentando o aspecto ambíguo desejado por Hawks,
além de referências sexuais explícitas. Borden Chase ficou possesso mas nada podia
fazer uma vez que Hawks, ao adquirir a história para o cinema, podia modificar
o texto segundo sua concepção. Entregue o roteiro para ser aprovado pelo Production Code, dirigido pelo intransigente por Joseph
Breen, este objetou em relação à quase totalidade do texto. Breen riscou com
sua caneta vermelha sequências inteiras lembrando que não aceitaria as tantas
mortes sem punição e menos ainda sexo sem casamento, fazendo com que quase
todos os diálogos fossem reescritos. Para conseguir aprovação do Production Code, Schnee e Hawks atenuaram muito o teor que a história
havia adquirido e conseguiram, em algumas sequências, driblar a censura imposta pelo inflexível Breen. A engenhosidade de Howard Hawks e a sutileza de Schnee funcionaram de certa forma, mas no conjunto “Red River” ficou longe daquilo
que Hawks sonhara.
John Ireland |
A
Cannabis sativa de John Ireland - Hawks teve ainda que contornar as
diferenças entre Wayne e Brennan em relação a Clift, cuja visão política eram
diametralmente opostas à que comungavam os dois atores, lídimos representantes da extrema
direita de Hollywood. Wayne, por sinal, seria eleito dois anos depois o
presidente da famigerada associação que ‘preservava os ideais norte-americanos
no cinema’, braço direito do macarthismo. Ideologia à parte, os três atores se
respeitavam por seus talentos interpretativos. Wayne, que nunca tivera estudos
de arte dramática surpreendia a Clift em cada cena e Brennan mostrava porque estava entre os
melhores atores característicos do cinema. Mais impressionados ainda eles ficaram ao ver Montgomery Clift se comportando como perfeito cowboy e montando como
se tivesse crescido em cima de uma sela. Sorte de Hawks que tinha apenas que se
preocupar com John Ireland que invariavelmente se apresentava para filmar alcoolizado ou
sobre efeitos de drogas. Ireland fumava livremente seus baseados naqueles
espaços abertos em que o vento misturava o cheiro da marijuana com o odor da
bosta do gado. Além disso Ireland namorou Shelley Winters e também Joanne Dru, com quem viria a se casar em seguida. Como resultado Hawks diminuiu drasticamente a participação do
personagem Cherry Valance e aumentou o papel de Nadine Groot (Walter
Brennan).
Duke, Hawks e Joanne Dru num intervalo das filmagens em Rain Valley Ranch. |
Custo
de quase três milhões de dólares - Grande parte das locações ocorreu em
Rain Valley Ranch, região perfeita como cenário, mas que fazia jus ao nome com
as chuvas torrenciais que caíam. Hawks foi mordido por um inseto e teve que permanecer uma semana hospitalizado. John Wayne e Joanne Dru contraíram fortes gripes que também os afastaram das filmagens por alguns dias. O sol, o calor, a exaustão das cavalgadas em “Red
River” causam a impressão no espectador que ele está sujo e empoeirado como os
atores do filme, além de sedento, tamanho o realismo que Howard Hawks
conseguiu. E isso é assombroso quando se sabe que metade do filme foi rodado em
Hollywood, nos estúdios de Samuel Goldwyn, onde foi construído um imenso set ao preço de 20 mil dólares e onde foram rodadas todas as cenas noturnas. Esse fato em muito ajudou a conter os gastos uma
vez que dos 76 dias previstos para as filmagens, o filme atingiu 106, com 30
dias adicionais. Ainda assim o custo final de “Red River” saltou para 2.886.661
dólares e para obter o milhão e trezentos mil dólares que faltava, a Monterey
Productions se viu obrigada a vender cotas do filme, a maior parte delas
adquiridas por Edward Small e o restante a bancos. Howard Hawks enfrentou o
dilema de fazer esses arranjos financeiros ou não concluir o filme, optando por
legar ao cinema seu filme mesmo comprometendo o possível lucro.
A chegada do rebanho a Abilene, atravessando a rua principal da cidade. |
Acusação
de plágio - As filmagens do stampede (estouro da boiada) dirigida por
Arthur Rosson, que utilizou 15 câmeras, consumiu 13 dias de filmagem, resultando em sete cowboys feridos,
além de dezenas de cabeças de gado e cavalos também feridos, alguns gravemente. Parece pouco
quando se sabe que mil cabeças de gado foram usadas no filme, certamente o
maior número de animais vivos visto numa única película. Christian Nyby foi o editor responsável pela
montagem e quando o filme ficou pronto e com datas marcadas para estreia nos
Estados Unidos, surgiu Howard Hughes ameaçando acionar judicialmente Howard Hawks a quem
acusou de plagiar seu filme “O Proscrito”, o mesmo western iniciado por Hawks
em 1940. A sequência contestada por Hughes é a cena final de “Red River” em que
Thomas Dunson provoca e humilha Matthew Garth até que este reaja. Em “O
Proscrito”, Doc Holliday (Walter Huston) procede da mesma forma em relação a
Billy the Kid (Jack Buetel), mas é necessário ser muito rancoroso (e Hughes o era) e ter muita
maldade (assim era Hughes) para proceder daquela maneira. “Red River” retornou inúmeras vezes à sala
de edição até que Hughes se desse por satisfeito com as alterações, permitindo que “Red River” fosse enfim lançado, com 18 meses de
atraso, em 17 de setembro de 1948.
Howard Hawks |
A
falência da Monterey - Existem duas versões de “Red River”, uma de 125' que tem narração de Walter Brennan emendando os episódios; a outra versão, de 131', tem os episódios ligados por texto narrativo em forma manuscrita. "Red River" foi muito bem nas
bilheterias, rendendo quatro milhões de dólares e sendo o terceiro filme mais
visto nos Estados Unidos em 1948, atrás apenas de “A Caminho do Rio” (Road to Rio) que rendeu 4,5 milhões de dólares e de “Desfile de Páscoa” (Eastern Parade), que obteve 4,2 milhões de dólares de bilheteria. Do
lucro de mais de um milhão de dólares Howard Hawks não viu um único centavo,
algo parecido com o que aconteceria com John Wayne em “O Álamo”. E a amizade de
Wayne com Hawks ficou estremecida porque Wayne também não viu a cor da
porcentagem que deveria receber por ter atuado em “Red River”, uma vez que a
Monterey Productions teve a falência decretada após os problemas financeiros
pelos quais passou. Mas John Wayne deve a Howard Hawks o reconhecimento da crítica e de seu mentor John Ford que descobriram que Wayne sabia atuar e muito bem. A partir desse filme John Wayne passou a frequentar a lista dos campeões de bilheteria, onde permaneceu por 26 anos consecutivos, interrompidos apenas em 1958. E Howard Hawks que era já um dos 'top directors' do cinema norte-americano, com "Red River"passou a ser reconhecido como um dos grandes diretores do gênero western e consagrando-se definitivamente com sua obra-prima "Onde Começa o Inferno" (Rio Bravo).
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