Depois de assistir Burt Lancaster em
“Vera Cruz” e “O Último Bravo”, westerns que renderam excelentes bilheterias, o
produtor Hal B. Wallis lembrou que Lancaster ainda lhe devia dois filmes. No
início de sua carreira Lancaster havia assinado um contrato com Wallis e agora
vivia a curiosa situação de ter sua própria e bem sucedida produtora e ter que
terminar de cumprir o contrato com o produtor ainda seu ‘patrão’ que lhe pagava
20 mil dólares por filme. Hal B. Wallis mandou a Lancaster um roteiro do
western que iria produzir em 1956, intitulado “Gunfight at the OK Corral”
avisando que ele seria Wyatt Earp. Burt não gostou do que leu e avisou a Wallis
que não iria fazer outro western pois havia terminado de atuar e dirigir “Homem
até o Fim”. Wallis iniciou então os contatos para contratar um outro ‘Wyatt
Earp’ para substituir Burt Lancaster.
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Burt Lancaster e Katharine Hepburn em "Lágrimas do Céu". |
Lancaster
se torna Wyatt Earp - Houve negociações preliminares entre
Wallis e diversos atores tidos como tops em Hollywood, entre eles Gary Cooper,
John Wayne, Gregory Peck, Charlton Heston e Kirk Douglas. Certo dia Burt
Lancaster ficou sabendo que Wallis havia adquirido os direitos da peça “The
Rainmaker”, que Burt havia assistido na Broadway, imaginando que um dia poderia
interpretar ‘Bill Starbuck’, o principal personagem da peça, no cinema. Conta
Wallis que Lancaster ligou para ele no meio de uma madrugada perguntando se ele
havia contratado alguém para ser ‘Wyatt Earp’. Como o produtor ainda não havia
fechado com nenhum ator, Lancaster contrapropôs: “Eu atuo no seu faroeste, mas quero também ser ‘Bill Starbuck’
no cinema”. O produtor aceitou e com esse acerto Lancaster encerraria seu
contrato com Wallis atuando em “Sem Lei e Sem Alma” e em “Lágrimas do Céu” (The
Rainmaker).
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Kirk e Burt, inseparáveis mesmo durante os intervalos de filmagem. |
Kirk
Douglas é Doc Holliday - O problema seguinte de Wallis era
encontrar o ‘Doc Holliday’ certo. O nome que o produtor tinha em mente era o de
Humphrey Bogart, que não aceitou. Wallis procurou então Van Heflin, Jack
Palance, Ben Gazarra, José Ferrer, Richard Widmark e até Frank Sinatra. Quando,
porém, Kirk Douglas soube que Burt Lancaster seria o ‘Wyatt Earp’, entrou em
contato com Wallis e disse que aceitava ser ‘Doc Holliday’ para trabalhar ao
lado de Burt Lancaster. Wallis ofereceu 200 mil dólares a Kirk Douglas que
aceitou esse salário relativamente baixo diante de sua crescente popularidade
conquistada com os seguidos sucessos de bilheteria que vinha obtendo, como “20 Mil Léguas Submarinas”, “Ulisses” e
“Homem Sem Rumo”. Sem falar no sucesso artístico de Douglas com “Assim Estava
Escrito” e “Sede de Viver”, que lhe renderam indicações ao Oscar de Melhor
Ator. Ao contrário do que se pensa, Burt e Kirk não eram amigos, apesar de
terem atuado juntos em “Estranha Fascinação”, em 1948, filme produzido por
Wallis, como foi dito na primeira parte desta postagem. Burt e Kirk tornaram-se
amigos durante as filmagens de “Gunfight at the OK Corral”, quando passavam
horas conversando à noite no hotel em que a equipe se hospedou em Tucson. Burt
e Kirk conversavam tão longamente que o próprio Wallis chegou a perguntar a
eles o que tanto eles tinham para conversar. E de fato, além da rivalidade como
astros do cinema, havia mais diferenças que semelhanças entre os dois atores.
Ambos eram nascidos em bairros pobres de Nova York, mas Burt era WASP (branco
protestante anglo-saxão), enquanto Kirk, cujo nome verdadeiro é Issur
Danielovitch Demsky era judeu, filho de imigrantes russos. Mas nas conversas
que invadiam as madrugadas, Burt e Kirk certamente falavam de seus projetos
futuros como produtores de filmes como “Glória feita de Sangue”, “A Embriaguez
do Sucesso”, “Os Vikings” e o grande sonho de Douglas que era filmar a vida do escravo
Spartacus. Como produtor, Lancaster tinha muito a ensinar a Kirk Douglas depois
de produzir sucessos como “Marty”, “Trapézio” e os faroestes “Vera Cruz” e “O
Último Bravo”. E Lancaster deve ter dito a Douglas para evitar a direção, isto depois
de seu fracasso com “Homem até o Fim”.
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Jo Van Fleet em cenas de 'Sem Lei e Sem Alma", com Kirk Douglas. |
A
masoquista Jo Van Fleet - Para o principal papel feminino
Wallis queria Barbara Stanwyck que no entanto recusou o convite. Barbara
entendia que, aos 48 anos, ainda não era o momento de aceitar papéis de
coadjuvante, mesmo que fosse um papel atraente como o de ‘Kate Fisher’. Foi então
contratada a nada bonita mas enormemente talentosa Jo Van Fleet, que havia
ganho um prêmio Oscar no ano anterior por sua interpretação como a mãe
prostituta de James Dean em “Vidas Amargas”, bem como havia ganho o prêmio ‘Tony’ de Melhor
Atriz de Teatro. O personagem de Jo Van Fleet seria o de ‘Kate Fisher’, mais
conhecida como ‘Big Nose Kate Elder’, apelido da húngara Mary Katharine Horony
Cummings. Obviamente o ‘Big Nose’ era devido ao nariz bem dimensionado que Kate
possuía e o ‘Elder’ por ter vivido até os 90 anos de idade num tempo em que a
dureza da vida no Velho Oeste mal permitia que se chegasse aos 60 anos. Jo Van
Fleet que era atriz com larga experiência na Broadway e ainda tendo lecionado
no Actors Studio, surpreendeu o diretor John Sturges e principalmente Kirk
Douglas com o realismo que pedia nas cenas mais fortes. Quando Doc Holliday
atira uma faca em Kate, Jo Van Fleet exigiu que a faca passasse perigosamente
bem próximo a seu rosto. Pior foi com Kirk Douglas que antes de cada cena em
que Kate e Doc discutiam – e discutiam sempre – Jo pedia a Kirk que a
esbofeteasse com toda força. A princípio Kirk não entendeu e deu um tapa em Jo
que pediu a ele que lhe batesse no rosto com mais força. Na quarta ou quinta
tentativa o tapa de Kirk fez a cabeça de Jo Van Fleet girar e então ela se deu
por satisfeita. Kirk contou o fato a Burt que só acreditou quando foi ao set de
filmagem e constatou a repetição do masoquismo de Jo Van Fleet, forma de se
preparar para as cenas. Assistindo ao filme percebe-se que essas cenas entre Jo
e Kirk estão entre as melhores do filme.
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A linda Rhonda Fleming com Burt Lancaster. |
O desprezado personagem de Rhonda
Fleming
- Quem não ficou nem um pouco satisfeita com seu trabalho em “Gunfight
at the OK Corral” foi a
linda Rhonda Fleming. Contratada certamente para que o filme fosse enfeitado
por seu rosto bonito de mulher, Rhonda percebeu que John Sturges não lhe dava
praticamente nenhuma orientação para as cenas nas quais participava. Rhonda
chegou a reclamar com o diretor, dizendo a ele inclusive que sequer close-ups
ela recebia naquele filme. Sturges a tranquilizou respondendo que Rhonda teria
ainda cenas melhores e mais importantes no filme. Mas Rhonda percebeu que naquele
filme o verdadeiro romance não era entre Laura Denbow (seu personagem) e Wyatt Earp, mas sim entre Wyatt
Earp e Doc Holliday e que seu personagem, uma elegante jogadora, era
praticamente uma intrusa no filme. A revista ‘Time’ comentou sarcasticamente
que, a cada vez que Wyatt Earp se afastava de Doc Holliday para se encontrar
com Laura Denbow, parecia que o Marshal se encaminhava para a cadeira elétrica.
E com pouco mais da metade do filme o personagem de Rhonda Fleming simplesmente
desaparece pois seu noivo Wyatt Earp decide ir para Tombstone atendendo ao
chamado do irmão. No meio do caminho entre Dodge City e Tombstone, o Marshal
encontra quem mesmo? O amigo Doc Holliday.
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Wyatt Earp e Doc Cassidy, uma grande amizade. |
A amizade entre Earp e Holliday - Burt Lancaster afirmou que “Gunfight
at the OK Corral” era um faroeste sobre “duas bichas pré-freudianas”. Disse
ainda que Wyatt Earp e Doc Holliday “se atraíam pois estavam apaixonados um
pelo outro e não sabiam como expressar o que sentiam, então ficavam um olhando
para o outro sem falar quase nada, mas sabiam que se amavam”. Um dos temores de
Hal B. Wallis era que os dois atores tentassem fazer alterações no roteiro.
Conhecendo-os bem, Wallis fez várias marcas no roteiro entregue a John Sturges,
marcas essas que indicavam que naqueles trechos Douglas e Lancaster deveriam
ser consultados. Por outro lado Wallis prometera a Leon Uris que não haveria
nenhuma alteração no roteiro original. Nem Burt e nem Kirk promoveram
alterações no roteiro, aceitando a latente relação homossexual entre Earp e
Holliday. Segundo John Sturges, apenas ele, diretor, inseriu dois trechos
diferentes no roteiro, um no último diálogo entre Burt e Kirk e também a fala
de Betty Earp (Joan Camden). Quando Leon Uris viu o filme já finalizado, aceitou
as inserções de Sturges, dizendo porém que elas eram muito ruins e completando:
“Ainda bem que John Sturges escolheu como profissão ser diretor e não
escritor”.
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Lee Van Cleef e Jack Elam. |
Grandes vilões - Um grupo de excelentes coadjuvantes
compõe o elenco de “Sem Lei e Sem Alma”, especialmente os muitos foras-da-lei.
O timaço de bandidões tem John Ireland, Frank Faylen, Lyle Bettger, Jack Elam,
Lee Van Cleef e Ted de Corsia. Sem contar o jovem Dennis Hopper que completou
20 anos durante as filmagens. Outros jovens do filme são Earl Holliman e Martin
Milner, estes do lado Lei. Completam o elenco em papéis menores DeForest
Kelley, Olive Carey, John Hudson, George Matthews e Whit Bissell. John Ireland,
que atuou em “Paixão dos Fortes”, comparou os diretores John Ford e John
Sturges, dizendo que ambos contavam suas histórias com a câmara . Ireland
completou dizendo que a maior diferença entre eles era que enquanto Ford era um
bem acabado ‘filho da puta’ (son-of-a-bitch), Sturges tratava seus atores
respeitosamente, dizendo a eles em poucos minutos tudo que ele queria que fosse
feito.
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Dennis Hopper, Olive Carey e Burt Lancaster. |
Lancaster ajudando Dennis Hopper - O jovem ator Dennis Hopper havia
estudado no Actors Studio com seu amigo James Dean e foi o mais representativo
ator da geração rebelde dos anos 50 mostrada em “Juventude Transviada”. Hopper
contracenou com James Dean também em “Assim Caminha a Humanidade”, sendo depois
escalado para um pequeno papel como Billy Clanton em “Sem Lei e Sem Alma”.
Nesse western Hopper acabou tendo mais destaque que o próprio Ike Clanton,
tendo direito a morrer em uma sequência da qual participaram Burt Lancaster e
Kirk Douglas. A explicação para esse destaque é simples: Burt Lancaster
praticamente adotou o jovem Hopper, conversando muito com ele e orientando-o
sobre como desenvolver seu personagem. Sempre que Billy Clanton entra em cena
aparece também Wyatt Earp, entendendo e tentando conter a rebeldia do jovem
atormentado com pretensões a pistoleiro. Hopper atuaria mais tarde em “Os
Filhos de Katie Elder”, “Bravura Indômita” e “Kid Blue não Nasceu para a Forca”,
consagrando-se como um dos mais sádicos assassinos do cinema em “veludo Azul”.
(3.ª e última parte de "Sem Lei e Sem Alma" na próxima postagem)
Darci,
ResponderExcluirO DVD da Paramount, que tenho, é fiel ao formato original (widescreen), com legendas perfeitas.
Esse filme, quando passou na minha terra --Oliveira, MG-- fez um sucesso estrondoso, mas eu não consegui assistir porque tinha censura de 14 ou 18 anos (que coisa, heim?).
A maioria do pessoal da época (até onde eu sei) não colocou maldade na amizade do Burt com o Kirk, porque era comum naquele tempo o herói ter um companheiro (que lá a gente chamava simplesmente de "ajudante"): Batman x Robin, Zorro x Tonto, Superman x Jimmy Olsen, Mandrake x Lothar etc. Então, todo mundo via o Doc Holliday como o ajudante do Wyatt Earp. Outros tempos, outros costumes. Não tenho ainda certeza se ganhamos ou perdemos com a perda da inocência do mundo atual...
Só vi o filme anos depois, numa reprise em Belo Horizonte, onde morava na época. Depois revi em DVD e confesso que fiquei meio decepcionado. Gosto muito mais de um outro filme de John Sturges, mas qual é ele eu só vou revelar quando vc. publicar a última parte dessa matéria, ok?
Um abraço
Tadeu