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12 de março de 2013

SEM LEI E SEM ALMA (Gunfight at the OK Corral) – 1.ª Parte – O PROJETO DE UM WESTERN


Dentre os muitos personagens que marcaram a história do Velho Oeste, um dos mais importantes foi Wyatt Earp. Tão importante quanto lendário, especialmente após o escritor Stuart N. Lake publicar a biografia de sua autoria sobre Earp. Essa biografia, uma autêntica obra de ficção, foi lançada em 1931 com o título “Wyatt Earp: Frontier Marshal”, transformando o ex-homem da lei de Dodge City e Tombstone numa figura mítica. Stuart N. Lake sempre afirmou que seu livro foi fiel aos relatos que ouviu do próprio Wyatt Earp, falecido em 1929 aos 71 anos de idade.

Montagem exclusiva do blog WESTERNCINEMANIA com a família Earp e também
personagens que participaram do duelo no OK Corral,bem como outros que só
participaram do famoso tiroteio em forma de ficção nos filmes sobre o evento.

O livro de Lake chega ao cinema - O cinema logo se apressou em ampliar o culto ao nome de Wyatt Earp e em 1934 a Fox Film Corporation produziu o primeiro filme baseado no livro de Lake que foi “O Último Favor” (Frontier Marshal), dirigido por Lewis Seiler. Curiosamente, apesar de aproveitar o título do livro de Stuart N. Lake, os personagens deste western tinham nomes diferentes daqueles que participaram do tiroteio do Curral OK. George O’Brien interpretou ‘Michael  Wyatt’ num elenco em que estavam também Berton Churchill, Ward Bond e Russell Simpson. Cinco anos depois, em 1939, a 20th Century-Fox que detinha os direitos sobre o livro de Lake decidiu refilmar “Frontier Marshal”, num filme que no Brasil se chamou “A Lei da Fronteira” e foi dirigido por Allan Dwan. Randolph Scott interpretou Wyatt Earp e César Romero foi Doc Halliday, grafado com ‘a’ mesmo. Ward Bond estava no elenco e curiosamente nenhum dos demais irmãos Earp ou os Clanton e os McLowery eram personagens dessa versão. Em 1946 foi a vez de John Ford levar o livro de Stuart N. Lake ao cinema em nova versão produzida pela mesma 20th Century-Fox. John Ford dirigiu “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine), realizando um filme que também passou longe da verdade sobre os irmãos Earp e demais personagens. Henry Fonda criou um tão sublime quanto pouco autêntico Wyatt Earp, mas que pelo menos estava acompanhado por seus irmãos, dois deles interpretados por Tim Holt e Ward Bond. E os bandidos eram os Clantons, liderados por Walter Brennan. Este filme de John Ford em que o dentista Doc Holliday surge como praticante de medicina, propiciou a Victor Mature um dos melhores momentos de sua carreira. Mesmo com todos seus erros factuais, “Paixão dos Fortes” é um western memorável, uma obra-prima.

Acima Jack Warner, Michael Curtiz
(em pé) e Hal B. Wallis; abaixo
Burt e Kirk juntos pela primeira vez
em "Estranha Fascinação".
Dois atores de futuro - Hal B. Wallis (Harold Brent Wallis) foi um dos mais importantes produtores do cinema do século passado. Aos 31 anos de idade, em 1930, Wallis assumiu a gerência de produção da Warner Bros. e pelos próximos 15 anos foi o produtor executivo de praticamente todos os maiores sucessos do estúdio. Wallis foi o responsável, entre centenas de filmes, pela produção de “As Aventuras de Robin Hood”, “Relíquia Macabra”, “O Intrépido General Custer”, “Casablanca” e qualquer outro grande filme daquele estúdio naqueles anos. Em 1944 Wallis deixou seu emprego na Warner Bros. para formar sua própria companhia produtora, produzindo novos sucessos e contratando artistas jovens. Entre os filmes que Wallis produziu no final dos anos 40 estão “A Vida por um Fio”, “Zona Proibida”, ambos com Burt Lancaster e “O Tempo não Apaga”, primeiro filme de Kirk Douglas. Em 1948 Wallis produziu também “Estranha Fascinação” que reuniu pela primeira vez Burt Lancaster e Kirk Douglas. Lancaster já podia ser considerado um astro depois da espetacular estréia em “Os Assassinos”, em 1946. Douglas levou um pouco mais de tempo para se projetar, o que só aconteceu com “O Invencível”, em 1949. A presença desses dois atores em filmes produzidos por Hal B. Wallis não é mera coincidência pois foi Wallis quem os descobriu na Broadway e os trouxe para Hollywood, fazendo-os assinar contrato para diversos filmes.

Burt Lancaster em "Vera Cruz";
abaixo John Sturges.
O superfaroeste dos sonhos de Wallis - Tanto Burt Lancaster quanto Kirk Douglas conquistaram com suas atuações empolgantes uma enorme legião de fãs no mundo inteiro e no início dos anos 50 fulguravam entre os grandes astros de Hollywood. Além dessa semelhança, havia ainda o fato de Burt e Kirk terem o desejo de romper com o sistema que prendia atores a contratos com estúdios ou com produtores como Wallis. E mais que isso, os dois tinham uma mesma ambição que era criar suas próprias produtoras. Kirk Douglas rescindiu seu contrato com Hal B. Wallis em 1949 e Burt foi cumprindo o seu contrato que o obrigava a fazer um filme por ano para o famoso produtor. Foi assim, recebendo quase nada por filme, que Lancaster atuou, já nos anos 50, em “A Cruz da Minha Vida” e “A Rosa Tatuada”, filmes produzidos por Wallis. O que, no entanto, mais aumentava a conta bancária de Wallis eram as estrondosas bilheterias dos filmes de uma dupla cômica que Wallis também mantinha sob contrato. A dupla atendia por Martin and Lewis. Mesmo assim Wallis não se conformava com o sucesso de Burt Lancaster em filmes que o próprio ator produzia, como “Marty” e os faroestes “O Último Bravo” e “Vera Cruz”. E Wallis teve a idéia de produzir um western estrelado pelo seu contratado Burt Lancaster. Em 1956 Hal B. Wallis então ligado à Paramount entendeu que era um bom momento para o cinema rever o personagem Wyatt Earp num faroeste Classe A. Para dirigir Wallis chamou John Sturges, menos pelos faroestes que ele havia dirigido e que foram “Sete Homens Maus” (com Randolph Scott) e “A Fera do Forte Bravo” (com William Holden) mas principalmente pelo sucesso de crítica conquistado com “Conspiração do Silêncio”, espécie de western contemporâneo rodado em 1955. E Sturges havia acabado de filmar outro western intitulado “Punido pelo Próprio Sangue”, com Richard Widmark.

Leon Uris e seus livros.
A dispensa de Stuart N. Lake - Hal B. Wallis havia lido o artigo “The Killer”, publicado em 1954 na revista ‘Holiday Magazine’, de autoria de George Scullin, artigo que destacava a figura de Doc Holliday e sua relação com Wyatt Earp. Wallis se interessou pelo texto e adquiriu os direitos de filmagem junto a Scullin, contratando Stuart N. Lake para elaborar o roteiro do novo filme sobre Wyatt Earp. Nada mais natural uma vez que Stuart N. Lake era a ‘autoridade’ sobre o assunto. Com apenas alguns dias de trabalho Hall B. Wallis percebeu que Lake era lento demais para escrever roteiros e incapaz de produzir um texto que evidenciasse os aspectos psicológicos dos dois personagens principais. Stuart N. Lake foi despedido sumariamente. Wallis procurou então Leon Uris, um nome em grande evidência em Hollywood. Uris aos 18 anos fora convocado para a II Guerra Mundial, servindo como mariner e atuando nas Batalhas de Guadalcanal e Tarawa, no Pacífico Sul. Finda a guerra Leon Uris passou a exercer o jornalismo e escreveu o livro “Battle Cry” sobre suas experiências na guerra, livro que virou best-seller e em seguida levado ao cinema como “Qual Será o Nosso Amanhã?”, estrelado por Van Heflin e com roteiro do próprio Uris. Aos 31 anos Leon Uris foi contratado por Wallis para escrever o roteiro de seu western cujo bombástico título era “Gunfight at the OK Corral”. Paralelamente a seu trabalho nesse roteiro, Leon Uris se dedicava a escrever um livro intitulado “Êxodus” sobre a fundação do Estado de Israel e que também seria filmado por Otto Preminger e estrelado por Paul Newman.

Recortes da edição do jornal "Tombstone
Epitaph"; abaixo a casa onde funcionava a
redação, com um Studebaker 1949 à porta.
Revisando Wyatt Earp - Hal B. Walis pediu a Leon Uris que fosse o mais fiel possível aos fatos históricos e o escritor-roteirista, além do artigo de George Scullin, consultou muitas fontes de informação, incluindo edições do jornal “Tombstone Epitaph”. Wallis dizia abertamente que nunca se conformara com o aspecto pobre da cidade de Tombstone vista em “Paixão dos Fortes”. Dizia ele que, com cerca de 10 mil habitantes e com a descoberta de ouro em 1877, Tombstone era em 1881 uma das mais prósperas cidades do Arizona, com direito a saloon e hotéis luxuosos. Além disso o filme de Ford, segundo a opinião de Wallis, mostrava um Wyatt Earp excessivamente correto. A intenção de Wallis era, de certa forma, revisar a figura mítica de Wyatt Earp mostrando também seu lado humano e vulnerável. O que Wallis não podia esperar era que Uris desse ao roteiro uma visão bastante ambígua da amizade entre Wyatt Earp e Doc Holliday. Decididamente “Gunfight at the OK Corral” seria um filme inteiramente diferente das versões anteriores sobre o famoso tiroteio ocorrido em 26 de outubro de 1881.

A entrada de Old Tucson que recebe visitantes;
o capim amarelado de Elgin; Frankie Laine.
O início do projeto - Com o roteiro nas mãos Hal B. Wallis e John Sturges passaram a procurar as locações para as filmagens. Foi escolhida a cidade cenográfica denominada ‘Old Tucson’, criada em 1940 pela Columbia para o western “A Amazona de Tucson” (Arizona), estrelado por William Holden e Jean Arthur. Para as sequências de cavalgadas o local determinado foram os campos de capim amarelo de Elgin, no Arizona. As sequências nas ruas de Dodge City e Tombstone teriam lugar no próprio terreno da Paramount com enormes fundos falsos pintados imitando céu azul e montanhas para encobrir as dependências da Paramount. Wallis queria que seu western fosse um absoluto sucesso e foi definido que seria filmado em VistaVision, a resposta da Paramount ao processo Cinemascope e, claro, em Technicolor. Para diretor de fotografia foi contratado o veterano Charles Lang Jr., cinegrafista com 30 anos de experiência e filmes como “A Montanha dos Sete Abutres”, “Os Corruptos” e “Um Certo Capitão Lockhart” em sua vasta filmografia. Um western como esse teria que ter uma trilha sonora à altura e Wallis contratou Dimitri Tiomkin. Encomendou a ele inclusive uma canção de abertura ao estilo daquela premiada com o Oscar que Tiomkin havia composto para “Matar ou Morrer”. A letra ficaria a cargo de Ned Washington e Frankie Laine interpretaria a canção com sua voz extraordinária e estilo inconfundível. Frankie Laine havia enriquecido recentemente dois westerns com sua voz: “Galante e Sanguinário” e “Homem Sem Rumo”. Para a sequência culminante do filme que é o duelo no OK Corral, Sturges e Wallis diagramaram as sequências para que a coreografia do duelo possibilitasse uma movimentação emocionante dos atores. Mas quem seriam esses atores?

(Continua na 2.ª parte desta postagem)


Acima foto da Allen Street feita em 1881, podendo se observar que "Paixão
do Fortes", de John Ford, foi mais fiel ao cenário original que a produção de
Hal B. Wallis "Sem Lei e Sem alma". Abaixo recriação do Cemitério de Boot Hill.



2 comentários:

  1. E um Western inesquecível amo esta versão e a minha preferida sobre Wyatt Earp o tema do filme e uma loucura e uma pena que o DVD da paramount não tem legenda na musica o dvd da Classicline tinha legenda da musica e o Kirk Douglas deu show como John Doc Holliday

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  2. Olá, Sebá
    Não possuo o DVD da Paramount, mas os dois que eu tenho - Classic Line e Caribe Home Videos - ambos trazem legendas durante a música cantada por Frankie Laine. O da Classic Line passa o filme todo chamando o Marshal de ERP, diz que o nome da cidade é Derodewood (ou coisa assim) e a legenda diz que o sobrenome da laura é Dembal, quando é Denbow. Nesse aspecto o DVd distribuído por essa companhia chamada Caribe Home Videos é mais caprichado. Pena que tenha desrespeitado o formato do filme tentando adaptá-lo para o formato 4x3 e as imagens ficam alongadas.
    Um abraço - Darci

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