Alguns grandes cantores
norte-americanos tinham em comum o fato de serem descendentes de italianos. É o
caso de Tony Bennett (Anthony Dominik Benedetto), Dean Martin (Dino Crocetti),
Frank Sinatra (Francis Albert Sinatra), Perry Como (Pierino Ronald Como), Mario
Lanza, Walden Roberto Cassoto (Bobby Darin) e muitos outros. Todos eles tinham
também em comum o fato de testemunharem o sucesso extraordinário de um patrício
também ítalo-americano, também cantor, batizado como Francesco Paolo LoVecchio
e nascido em Chicago no dia 30 de março
de 1913. Se ainda estivesse vivo esse cantor estaria, portanto, completando
cem anos de vida. E os fãs de faroestes conhecem bastante bem sua poderosa voz
que tantas vezes interpretou canções-tema de westerns. Claro, ele era Frankie
Laine.
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Acima o menino Francesco Paolo LoVecchio e Al Capone; abaixo o jovial e sorridente Frankie Laine. |
O barbeiro de Scarface - Os pais do menino Francesco
eram Giovanni LoVecchio e Crescenza Salerno, que imigraram da pequena Monreale,
na Sicília e moravam em Little Italy,
bairro de Chicago. Signore LoVecchio era dono de uma barbearia e tinha um
freguês muito especial que possuía uma cicatriz no rosto, cicatriz que
naturalmente não foi feita pela navalha de LoVecchio. Esse cliente era Alphonse
Capone, isto nos anos 20, quando Francesco já exibia sua bela voz cantando no
Coral da Igreja Imaculada Conceição. Frequentando a Lane Technical High Scholl,
Francesco jogava basquete, o que muito o ajudou a desenvolver seus pulmões
facilitando o controle de seus dotes vocais para assim melhor imitar seu modelo
que era Enrico Caruso. A primeira vez que Francesco cantou para um grande
público foi aos 17 anos, em 1930, no The Merry Garden Balroom, quando cinco mil
pessoas exigiram que Francesco bisasse seu número incontáveis vezes. No Merry
Garden aconteciam as famosas maratonas de dança e durante as pausas para
descanso dos dançarinos entravam os cantores para entreter o público. Francesco
foi contratado pela The Merry Garden Company, que quis lhe colocar o nome
artístico ‘Frank LoVecchio’. Francesco não gostou mas adaptou a sugestão para
Frankie Laine. As influências artísticas
do jovem Frankie eram Bessie Smith e os também jovens cantores Bing Crosby e
Billie Holliday que o fizeram esquecer das influências iniciais do grande tenor
italiano.
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O compositor Hoagy Carmichael, que descobriu Frank Laine que na primeira gravação vendeu dois milhões de cópias. |
Encontro com Hoagy Carmichael - Uma melhor oportunidade para Frankie
Laine surgiu em 1937 quando ele foi
chamado para substituir, como crooner da Fredy Carlone Band, o patrício Perry Como. Havia em Chicago uma
espécie de máfia artística chamada MCA, dirigida por Jules Stein, que impedia
que músicos e cantores ganhassem aquilo que mereciam. Frankie
Laine foi então para Nova York em busca de
oportunidades mas as coisas só pioraram para ele que teve de trabalhar como
instrutor de dança, vendedor de carros usados e operário numa fábrica de
roupas. Nesse tempo de extrema pobreza Frankie Laine dormiu muitas noites na organização
beneficente YMCA. Em 1943 o cantor se mudou para a Califórnia, onde fez amizade
e parceria com o pianista e compositor Carl Fischer, com quem passou a se
apresentar em clubes noturnos. Juntos Laine e Fischer compuseram diversas
canções. Em 1946, numa noite em que Frankie Laine cantava a troco de minguados
dólares no ‘Billy Berg Club’, de Los Angeles, sua sorte mudou completamente. Na
platéia estava o consagrado pianista e compositor Hoagy Carmichael (“Stardust”, "Georgia on My Mind")
e sem saber da presença de Hoagy, Frankie Laine cantou a canção “Rockin’
Chair”, de autoria de Carmichael. Impressionado com a qualidade vocal de Laine,
Carmichael o levou para uma nova gravadora recém criada, a Mercury. Lá Frankie
gravou seu primeiro 78 rotações e para o lado B desse disco Frankie escolheu
uma canção que havia sido composta há 15 anos chamada “That’s My Desire”. Essa
gravação de Frankie Laine foi uma das mais vendidas de 1947, valendo ao cantor
seu primeiro Disco de Ouro, prêmio dado às gravações que atingissem um milhão
de cópias. “That’s My Desire” vendeu o dobro disso, chegando aos dois milhões
de discos vendidos.
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Frankie Laine ao lado de Mitch Miller que produziu alguns de seus maiores sucessos; abaixo Frankie canta para uma platéia embevecida. |
Do jazz ao country - Frankie Laine era, então, um
cantor com estilo jazzístico, mas a chegada do produtor musical, cantor,
compositor, maestro e arranjador, Mitch Miller à Mercury, em 1948 traçaria
novos rumos para a carreira de Frankie Laine. Mitch Miller percebeu que Frankie
Laine possuía um raro ecletismo como cantor e produziu para ele discos com
canções mais populares, em gêneros os mais diversos como o country e o folk. E
Frankie cantava de tudo com graça e técnica vocal modulando sua possante voz ao
andamento das canções. As novas gravações de Frankie Laine, muitas delas
produzidas por Mitch Miller, chegaram rapidamente às paradas de sucessos. A
Mercury era uma gravadora pequena e a Columbia contratou Mitch Miller que levou
Frankie Laine para a Columbia. O público adorava aquele cantor branco que
cantava deliciosamente como negro ou como caipira. E na nova gravadora veio uma
incrível sequência de primeiros lugares no Hit-Parade com “That Lucky Old Sun”,
“Mule Train” e “Cry of the Wild Goose”. Essas canções lhe valeram novos Discos
de Ouro, que em 1952 já somavam doze, ocupando espaço na parede da casa de
Frankie. Um desses Discos de Ouro foi pela gravação “Sugarbush”, em dueto com a encantadora
e magnífica intérprete Doris ‘Sweet’ Day.
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Frankie e Nan Grey em férias; Frankie indo para o trabalho em seu Cadillac 1950. |
O casamento com Nan Grey - O contrato de Frankie Laine com a
Columbia o transformou no mais novo milionário do mundo artístico, o que fez com
que o cantor pudesse pensar em se casar. Aos 37 anos, em 1950, Frankie contraiu matrimônio com a atriz Nan Grey, de 32 anos e que fazia filmes desde os 16 anos. Entre os
filmes mais importantes em que Nan atuou estão “A Filha de Drácula”, “Três
Pequenas do Barulho” (com Deanna Durbin) e “Menores de Idade”, de Edward
Dmytryk, no qual foi a atriz principal. Frankie e Nan Grey se casaram em junho
de 1950 e Nan Grey não mais voltou a fazer filmes, dedicando-se a cuidar o
marido e das duas filhas do primeiro casamento que Frankie Laine adotou como
suas próprias filhas. O casamento de Frankie sempre foi um dos mais felizes do
mundo artístico, perdurando por 43 anos, até a morte de Nan aos 75 anos devido
a problemas cardíacos.
A recriação de “High Noon” - O 13.º Disco de Ouro da carreira de
Frankie Laine tem uma história curiosa pois foi conseguido com a canção “High
Noon (Do not forsake me oh my darling)”. Essa canção de Dimitri Tiomkin e Ned
Washington, composta para o faroeste “Matar ou Morrer” havia recebido um Oscar
de Melhor Canção em 1952. No filme a música era cantada por Tex Ritter, não
chegando a impressionar o público comprador de discos. Quando porém a gravação
de “High Noon” feita por Frankie Laine começou a tocar nas rádios com sua voz
dramática e empolgante, praticamente recompondo a canção, as vendas de “High
Noon” logo ultrapassaram um milhão de cópias. E quem assistia ao notável
western de Fred Zimmermann pela primeira vez estranhava a versão de Tex Ritter,
pálida perto da explosiva gravação de Frankie Laine. No início dos anos 50 Bing
Crosby e Frank Sinatra dividiam a opinião dos críticos quanto a qual dos dois
merecia o título de ‘melhor cantor norte-americano’. Porém, quem vendia
toneladas de discos era mesmo Frankie Laine, excepcionalmente mais versátil que
Crosby e Sinatra. 1953 foi um ano fantástico para Laine que era o cantor
preferido na Inglaterra, onde fazia enorme sucesso com qualquer música que
lançasse. “I Believe” foi mais um êxito estrondoso permanecendo por 18 semanas
em primeiro lugar nas paradas de sucesso da Inglaterra, valendo a Frankie mais
um Disco de Ouro, o mesmo ocorrendo com “Answer Me.
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Acima Hank Williams; abaixo Crosby e Sinatra. |
Ator sofrível - O maravilhoso Hank Williams dominava
o universo da música country com suas pungentes e autobiográficas canções, uma
delas “Your Cheatin’ Heart”. Frankie Laine decidiu então gravar essa canção
logo após a morte de Hank, como uma homenagem ao Shakespeare da música country.
A homenagem tornou “Your Cheatin’ Heart” conhecida também na Costa Leste e nas
grandes metrópoles, dando mais um Disco de Ouro para Frankie. Ser cantor de
sucesso significava ser também ator de cinema pois era comum Hollywood
aproveitar o renome de um cantor e lançá-lo no cinema. Bing Crosby e Frank Sinatra, os grandes rivais
de Frankie Laine eram ídolos da tela e ganhavam até Oscar de Melhor Ator.
Frankie Laine não era charmoso como Sinatra e não tinha um rosto cinematográfico
como Crosby. Mesmo assim, em 1950, Frankie estreou no cinema no musical da
Columbia “When You’re Smiling”. Apesar de interpretar a canção-título e ainda
“Georgia on my Mind”, Frankie demonstrou que não levava muito jeito para ator,
tanto que só tentaria novamente o cinema cinco anos depois. Em 1955 Frankie foi
o ator principal em duas comédia-musicais dirigidas pelo jovem diretor Blake
Edwards. Esses filmes foram “Sorria para a Vida” e “Ele Riu por Último”, musicais
também da Columbia nos quais Frankie interpretou inúmeras canções e que
serviram para o cantor concluir que não nascera para ator, nunca mais repetindo
a ousadia.
O cantor dos temas musicais de
faroestes
- Mas o cinema não ficaria longe de Frankie Laine pois após o sucesso de sua
versão de “High Noon”, o cantor passou a ser requisitado por muitos produtores
para emprestar sua apropriada voz para canções-temas de faroestes. Exigente,
Frankie só aceitava gravar canções de boa qualidade como as compostas por
Dimitri Tiomkin para “Sangue da Terra” (Balada do Ouro Negro), “Uma Estranha em
Meu Destino” e “Gunfight at the OK Corral”. Outros faroestes que foram
enriquecidos pela voz de Frankie Laine foram “Homem Sem Rumo”, “Galante e
Sanguinário” e “A Vingança Deixa a Sua Marca”. Dessas canções para filmes
apenas “A Balada do Ouro Negro” chegou às paradas de sucesso. A fórmula de
colocar uma canção durante a projeção dos créditos dos faroestes foi se
esgotando devido aos muitos imitadores de Frankie Laine. Mas para as séries de
televisão a fórmula ainda funcionava e eis que em 1959 mais uma vez Dimitri
Tiomkin criou uma canção clássica para a série “Rawhide”. Com letra de Ned
Washington, o tema-musical cantado por Frankie Laine explodia semanalmente na
tela dos televisores e se tornou sucesso imediato, rendendo mais um Disco de
Ouro para Frankie Laine. Na década de 50 apenas Elvis Presley vendeu mais
discos que Frankie, sendo que Elvis foi o campeão de vendagem daquela
década. Frankie Laine comandou shows de televisão por diversos anos, entre eles
“The Frankie Laine Hour”, “The Frankie Laine Time” e o “The Frankie Laine Show”,
que permaneceu por três anos no ar, sendo exibido no Brasil na década de 70,
sempre patrocinado pela Willys Overland do Brasil.
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Martin Luther King e Harry Belafonte. |
O mais versátil dos cantores brancos
- Os anos 60
trouxeram grandes mudanças no cenário musical com a chegada dos grupos ingleses
The Beatles, The Rolling Stones e artistas como Bob Dylan que mudaram o gosto e
a preferência do público, especialmente os mais jovens. Os grandes cantores
passaram a ocupar um segundo plano no mundo artístico e Frankie Laine sentiu
também essa realidade. Laine deixou a Columbia passando a gravar pela
ABC Records e a sua versatilidade possibilitou que ele passasse a lançar álbuns
dos mais variados gêneros como “Baladeer”, com canções folclóricas; “Hell Bent
for the Leather” e “Call of the Wild”, ambos com canções western. Além desses
discos houve outros também temáticos com músicas gospels, rhythm & blues e apenas românticos.
O único artista que poderia se equiparar em versatilidade a Frankie Laine
talvez fosse Sammy Davis Jr. Paralelamente à sua atividade artística, Frankie
Laine se dedicou também ao ativismo social pelos direitos humanos ao lado de
Harry Belafonte, Marlon Brando, Paul Newman e outros. Laine foi um dos artistas
que mais fez shows cujas rendas destinava a entidades assistenciais.
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Frankie Laine nos anos 70 com a barba que enganou Mel Brooks. |
Os pulmões de aço retornam ao cinema - Na década de 60 Frankie vendeu
consideravelmente menos, conquistando apenas dois Discos de Ouro com “Making
Memories” (1967) e “You Gave Me a Mountain” (1969). Depois disso a carreira de
Frankie declinou irreversivelmente, até que em 1974 ocorreu um fato único na
história musical. O ator-diretor-produtor Mel Brooks estava filmando um
western-comédia verdadeiramente escrachado intitulado “Banzé no Oeste” (Blazing
Saddles). Brooks colocou um anúncio nos jornais procurando um cantor que
imitasse Frankie Laine para interpretar a canção-título. Em seu escritório
Brooks foi procurado por um senhor de 61 anos com uma bonita barba que lhe
perguntou se ele não aceitaria o próprio Frankie Laine. Mel Brooks respondeu: “Claro que quero Frankie Laine. Traga-o aqui
imediatamente.” Foi então que Frankie se identificou e o resultado foi mais
uma extraordinária interpretação, bem ao molde daquelas inesquecíveis gravações
dos anos 50. “Banzé no Oeste” tornou-se o segundo faroeste de maior bilheteria
na história do cinema, atrás apenas de “Butch Cassidy”. E sem dúvida a
colaboração de Frankie Laine para esse sucesso foi importantíssima pois a
gravação de “Blazing Saddles” se tornou mais um clássico de Frankie Laine.
Lamentavelmente o último.
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Frankie Laine no final de sua vida com o contagiante sorriso com que conquistava a todos que o conheciam. |
O ‘Cantor dos Faroestes’ - Dois anos após a morte da esposa Nan
Grey em 1993, Frankie Laine passou a namorar Anita Craighead, sua noiva por três
anos. Surpreendentemen-te, em 1999 Laine se casou não com a noiva, mas sim com Marcia Ann Kline, com quem
ficou casado até falecer em 6 de fevereiro de 2007, aos 94 anos de idade. Frankie
Laine havia se submetido a uma cirurgia do fêmur quando sofreu uma parada
cardíaca. Por mais de 60 anos Frankie Laine empolgou o mundo com sua voz extraordinária
e versatilidade incomum. A voz de Frankie possibilitava que ele fizesse modulações
na mesma canção passando do metálico mais ardido ao aveludado mais suave,
sempre com ritmo envolvente. Frankie Laine vendeu mais de cem milhões de discos,
obtendo 21 Discos de Ouro e alguns desses números foram alcançados com as
inesquecíveis canções que cantou em faroestes, fazendo de Frankie Laine o ‘Cantor
dos Faroestes’. Melhor reconhecimento não poderia haver que aquele quando, em 1998, na 16.ª premiação do Golden Boot Awards, a Motion Picture and Television Fund premiou Clayton Moore, os irmãos Carradine (David, Keith e Robert), Patrick Wayne e Barbara Stanwyck e premiou também Frankie Laine com o Golden Boot. Prêmio mais que merecido pela contribuição do extraordinário cantor ao gênero western.
Prezado Darci,
ResponderExcluirExcelente artigo sobre Frankie Laine o mais conhecido intérprete de canções que em geral acompanhavam os créditos dos filmes, sendo a maioria westerns, como você comentou. Sempre, com sua voz forte e marcante, causava o primeiro impacto e algumas vezes era melhor do que o filme em si.
Acho suas mais marcantes interpretações em "Gunfightl at the OK Corral" e "3:10 to Yuma". No entanto, em "Matar ou Morrer" (High Noon) prefiro a original por Tex Ritter devido, em minha opinião, estar mais adequada ao enredo por atuar como um narrador em diversos momentos do filme. É em ritmo de balada acompanhada somente por um violão executado pelo próprio Ritter.
Possuo dois CD (F L on the Trail e F L Rides Again) com todas as suas gravações originais e regravações de outros cantores como "North to Alaska", "Hanging Tree" etc.
Mario Peixoto Alves