29 de março de 2013

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE FRANKIE LAINE, A VOZ MARAVILHOSA DOS FAROESTES



Alguns grandes cantores norte-americanos tinham em comum o fato de serem descendentes de italianos. É o caso de Tony Bennett (Anthony Dominik Benedetto), Dean Martin (Dino Crocetti), Frank Sinatra (Francis Albert Sinatra), Perry Como (Pierino Ronald Como), Mario Lanza, Walden Roberto Cassoto (Bobby Darin) e muitos outros. Todos eles tinham também em comum o fato de testemunharem o sucesso extraordinário de um patrício também ítalo-americano, também cantor, batizado como Francesco Paolo LoVecchio e nascido em Chicago no dia 30 de março de 1913. Se ainda estivesse vivo esse cantor estaria, portanto, completando cem anos de vida. E os fãs de faroestes conhecem bastante bem sua poderosa voz que tantas vezes interpretou canções-tema de westerns. Claro, ele era Frankie Laine. 

Acima o menino Francesco Paolo
LoVecchio e Al Capone; abaixo
o jovial e sorridente Frankie Laine.
O barbeiro de Scarface - Os pais do menino Francesco eram Giovanni LoVecchio e Crescenza Salerno, que imigraram da pequena Monreale, na Sicília e  moravam em Little Italy, bairro de Chicago. Signore LoVecchio era dono de uma barbearia e tinha um freguês muito especial que possuía uma cicatriz no rosto, cicatriz que naturalmente não foi feita pela navalha de LoVecchio. Esse cliente era Alphonse Capone, isto nos anos 20, quando Francesco já exibia sua bela voz cantando no Coral da Igreja Imaculada Conceição. Frequentando a Lane Technical High Scholl, Francesco jogava basquete, o que muito o ajudou a desenvolver seus pulmões facilitando o controle de seus dotes vocais para assim melhor imitar seu modelo que era Enrico Caruso. A primeira vez que Francesco cantou para um grande público foi aos 17 anos, em 1930, no The Merry Garden Balroom, quando cinco mil pessoas exigiram que Francesco bisasse seu número incontáveis vezes. No Merry Garden aconteciam as famosas maratonas de dança e durante as pausas para descanso dos dançarinos entravam os cantores para entreter o público. Francesco foi contratado pela The Merry Garden Company, que quis lhe colocar o nome artístico ‘Frank LoVecchio’. Francesco não gostou mas adaptou a sugestão para Frankie Laine.  As influências artísticas do jovem Frankie eram Bessie Smith e os também jovens cantores Bing Crosby e Billie Holliday que o fizeram esquecer das influências iniciais do grande tenor italiano.

O compositor Hoagy Carmichael, que
descobriu Frank Laine que na primeira
gravação vendeu dois milhões de cópias.
Encontro com Hoagy Carmichael - Uma melhor oportunidade para Frankie Laine surgiu em 1937 quando ele foi chamado para substituir, como crooner da Fredy Carlone Band,  o patrício Perry Como. Havia em Chicago uma espécie de máfia artística chamada MCA, dirigida por Jules Stein, que impedia que músicos e cantores ganhassem aquilo que mereciam. Frankie Laine foi então para Nova York em busca de oportunidades mas as coisas só pioraram para ele que teve de trabalhar como instrutor de dança, vendedor de carros usados e operário numa fábrica de roupas. Nesse tempo de extrema pobreza Frankie Laine dormiu muitas noites na organização beneficente YMCA. Em 1943 o cantor se mudou para a Califórnia, onde fez amizade e parceria com o pianista e compositor Carl Fischer, com quem passou a se apresentar em clubes noturnos. Juntos Laine e Fischer compuseram diversas canções. Em 1946, numa noite em que Frankie Laine cantava a troco de minguados dólares no ‘Billy Berg Club’, de Los Angeles, sua sorte mudou completamente. Na platéia estava o consagrado pianista e compositor Hoagy Carmichael (“Stardust”, "Georgia on My Mind") e sem saber da presença de Hoagy, Frankie Laine cantou a canção “Rockin’ Chair”, de autoria de Carmichael. Impressionado com a qualidade vocal de Laine, Carmichael o levou para uma nova gravadora recém criada, a Mercury. Lá Frankie gravou seu primeiro 78 rotações e para o lado B desse disco Frankie escolheu uma canção que havia sido composta há 15 anos chamada “That’s My Desire”. Essa gravação de Frankie Laine foi uma das mais vendidas de 1947, valendo ao cantor seu primeiro Disco de Ouro, prêmio dado às gravações que atingissem um milhão de cópias. “That’s My Desire” vendeu o dobro disso, chegando aos dois milhões de discos vendidos.

Frankie Laine ao lado de Mitch Miller que produziu
alguns de seus maiores sucessos; abaixo Frankie
canta para uma platéia embevecida.
Do jazz ao country - Frankie Laine era, então, um cantor com estilo jazzístico, mas a chegada do produtor musical, cantor, compositor, maestro e arranjador, Mitch Miller à Mercury, em 1948 traçaria novos rumos para a carreira de Frankie Laine. Mitch Miller percebeu que Frankie Laine possuía um raro ecletismo como cantor e produziu para ele discos com canções mais populares, em gêneros os mais diversos como o country e o folk. E Frankie cantava de tudo com graça e técnica vocal modulando sua possante voz ao andamento das canções. As novas gravações de Frankie Laine, muitas delas produzidas por Mitch Miller, chegaram rapidamente às paradas de sucessos. A Mercury era uma gravadora pequena e a Columbia contratou Mitch Miller que levou Frankie Laine para a Columbia. O público adorava aquele cantor branco que cantava deliciosamente como negro ou como caipira. E na nova gravadora veio uma incrível sequência de primeiros lugares no Hit-Parade com “That Lucky Old Sun”, “Mule Train” e “Cry of the Wild Goose”. Essas canções lhe valeram novos Discos de Ouro, que em 1952 já somavam doze, ocupando espaço na parede da casa de Frankie. Um desses Discos de Ouro foi pela gravação “Sugarbush”, em dueto com a encantadora e magnífica intérprete Doris ‘Sweet’ Day.


Frankie e Nan Grey em férias;
Frankie indo para o trabalho em seu Cadillac 1950.
O casamento com Nan Grey - O contrato de Frankie Laine com a Columbia o transformou no mais novo milionário do mundo artístico, o que fez com que o cantor pudesse pensar em se casar. Aos 37 anos, em 1950, Frankie contraiu matrimônio com a atriz Nan Grey, de 32 anos e que fazia filmes desde os 16 anos. Entre os filmes mais importantes em que Nan atuou estão “A Filha de Drácula”, “Três Pequenas do Barulho” (com Deanna Durbin) e “Menores de Idade”, de Edward Dmytryk, no qual foi a atriz principal. Frankie e Nan Grey se casaram em junho de 1950 e Nan Grey não mais voltou a fazer filmes, dedicando-se a cuidar o marido e das duas filhas do primeiro casamento que Frankie Laine adotou como suas próprias filhas. O casamento de Frankie sempre foi um dos mais felizes do mundo artístico, perdurando por 43 anos, até a morte de Nan aos 75 anos devido a problemas cardíacos.

A recriação de “High Noon” - O 13.º Disco de Ouro da carreira de Frankie Laine tem uma história curiosa pois foi conseguido com a canção “High Noon (Do not forsake me oh my darling)”. Essa canção de Dimitri Tiomkin e Ned Washington, composta para o faroeste “Matar ou Morrer” havia recebido um Oscar de Melhor Canção em 1952. No filme a música era cantada por Tex Ritter, não chegando a impressionar o público comprador de discos. Quando porém a gravação de “High Noon” feita por Frankie Laine começou a tocar nas rádios com sua voz dramática e empolgante, praticamente recompondo a canção, as vendas de “High Noon” logo ultrapassaram um milhão de cópias. E quem assistia ao notável western de Fred Zimmermann pela primeira vez estranhava a versão de Tex Ritter, pálida perto da explosiva gravação de Frankie Laine. No início dos anos 50 Bing Crosby e Frank Sinatra dividiam a opinião dos críticos quanto a qual dos dois merecia o título de ‘melhor cantor norte-americano’. Porém, quem vendia toneladas de discos era mesmo Frankie Laine, excepcionalmente mais versátil que Crosby e Sinatra. 1953 foi um ano fantástico para Laine que era o cantor preferido na Inglaterra, onde fazia enorme sucesso com qualquer música que lançasse. “I Believe” foi mais um êxito estrondoso permanecendo por 18 semanas em primeiro lugar nas paradas de sucesso da Inglaterra, valendo a Frankie mais um Disco de Ouro, o mesmo ocorrendo com “Answer Me.

Acima Hank Williams; abaixo Crosby e Sinatra.
Ator sofrível - O maravilhoso Hank Williams dominava o universo da música country com suas pungentes e autobiográficas canções, uma delas “Your Cheatin’ Heart”. Frankie Laine decidiu então gravar essa canção logo após a morte de Hank, como uma homenagem ao Shakespeare da música country. A homenagem tornou “Your Cheatin’ Heart” conhecida também na Costa Leste e nas grandes metrópoles, dando mais um Disco de Ouro para Frankie. Ser cantor de sucesso significava ser também ator de cinema pois era comum Hollywood aproveitar o renome de um cantor e lançá-lo no cinema. Bing Crosby e Frank Sinatra, os grandes rivais de Frankie Laine eram ídolos da tela e ganhavam até Oscar de Melhor Ator. Frankie Laine não era charmoso como Sinatra e não tinha um rosto cinematográfico como Crosby. Mesmo assim, em 1950, Frankie estreou no cinema no musical da Columbia “When You’re Smiling”. Apesar de interpretar a canção-título e ainda “Georgia on my Mind”, Frankie demonstrou que não levava muito jeito para ator, tanto que só tentaria novamente o cinema cinco anos depois. Em 1955 Frankie foi o ator principal em duas comédia-musicais dirigidas pelo jovem diretor Blake Edwards. Esses filmes foram “Sorria para a Vida” e “Ele Riu por Último”, musicais também da Columbia nos quais Frankie interpretou inúmeras canções e que serviram para o cantor concluir que não nascera para ator, nunca mais repetindo a ousadia.


O cantor dos temas musicais de faroestes - Mas o cinema não ficaria longe de Frankie Laine pois após o sucesso de sua versão de “High Noon”, o cantor passou a ser requisitado por muitos produtores para emprestar sua apropriada voz para canções-temas de faroestes. Exigente, Frankie só aceitava gravar canções de boa qualidade como as compostas por Dimitri Tiomkin para “Sangue da Terra” (Balada do Ouro Negro), “Uma Estranha em Meu Destino” e “Gunfight at the OK Corral”. Outros faroestes que foram enriquecidos pela voz de Frankie Laine foram “Homem Sem Rumo”, “Galante e Sanguinário” e “A Vingança Deixa a Sua Marca”. Dessas canções para filmes apenas “A Balada do Ouro Negro” chegou às paradas de sucesso. A fórmula de colocar uma canção durante a projeção dos créditos dos faroestes foi se esgotando devido aos muitos imitadores de Frankie Laine. Mas para as séries de televisão a fórmula ainda funcionava e eis que em 1959 mais uma vez Dimitri Tiomkin criou uma canção clássica para a série “Rawhide”. Com letra de Ned Washington, o tema-musical cantado por Frankie Laine explodia semanalmente na tela dos televisores e se tornou sucesso imediato, rendendo mais um Disco de Ouro para Frankie Laine. Na década de 50 apenas Elvis Presley vendeu mais discos que Frankie, sendo que Elvis foi o campeão de vendagem daquela década. Frankie Laine comandou shows de televisão por diversos anos, entre eles “The Frankie Laine Hour”, “The Frankie Laine Time” e o “The Frankie Laine Show”, que permaneceu por três anos no ar, sendo exibido no Brasil na década de 70, sempre patrocinado pela Willys Overland do Brasil.

Martin Luther King e Harry Belafonte.
O mais versátil dos cantores brancos - Os anos 60 trouxeram grandes mudanças no cenário musical com a chegada dos grupos ingleses The Beatles, The Rolling Stones e artistas como Bob Dylan que mudaram o gosto e a preferência do público, especialmente os mais jovens. Os grandes cantores passaram a ocupar um segundo plano no mundo artístico e Frankie Laine sentiu também essa realidade. Laine deixou a Columbia passando a gravar pela ABC Records e a sua versatilidade possibilitou que ele passasse a lançar álbuns dos mais variados gêneros como “Baladeer”, com canções folclóricas; “Hell Bent for the Leather” e “Call of the Wild”, ambos com canções western. Além desses discos houve outros também temáticos com músicas gospels, rhythm & blues e apenas românticos. O único artista que poderia se equiparar em versatilidade a Frankie Laine talvez fosse Sammy Davis Jr. Paralelamente à sua atividade artística, Frankie Laine se dedicou também ao ativismo social pelos direitos humanos ao lado de Harry Belafonte, Marlon Brando, Paul Newman e outros. Laine foi um dos artistas que mais fez shows cujas rendas destinava a entidades assistenciais.

Frankie Laine nos anos 70 com a barba
que enganou Mel Brooks.
Os pulmões de aço retornam ao cinema - Na década de 60 Frankie vendeu consideravelmente menos, conquistando apenas dois Discos de Ouro com “Making Memories” (1967) e “You Gave Me a Mountain” (1969). Depois disso a carreira de Frankie declinou irreversivelmente, até que em 1974 ocorreu um fato único na história musical. O ator-diretor-produtor Mel Brooks estava filmando um western-comédia verdadeiramente escrachado intitulado “Banzé no Oeste” (Blazing Saddles). Brooks colocou um anúncio nos jornais procurando um cantor que imitasse Frankie Laine para interpretar a canção-título. Em seu escritório Brooks foi procurado por um senhor de 61 anos com uma bonita barba que lhe perguntou se ele não aceitaria o próprio Frankie Laine. Mel Brooks respondeu: “Claro que quero Frankie Laine. Traga-o aqui imediatamente.” Foi então que Frankie se identificou e o resultado foi mais uma extraordinária interpretação, bem ao molde daquelas inesquecíveis gravações dos anos 50. “Banzé no Oeste” tornou-se o segundo faroeste de maior bilheteria na história do cinema, atrás apenas de “Butch Cassidy”. E sem dúvida a colaboração de Frankie Laine para esse sucesso foi importantíssima pois a gravação de “Blazing Saddles” se tornou mais um clássico de Frankie Laine. Lamentavelmente o último.

Frankie Laine no final de sua vida com o contagiante
sorriso com que conquistava a todos que o conheciam.
O ‘Cantor dos Faroestes’ - Dois anos após a morte da esposa Nan Grey em 1993, Frankie Laine passou a namorar Anita Craighead, sua noiva por três anos. Surpreendentemen-te, em 1999 Laine se casou não com a noiva, mas sim com Marcia Ann Kline, com quem ficou casado até falecer em 6 de fevereiro de 2007, aos 94 anos de idade. Frankie Laine havia se submetido a uma cirurgia do fêmur quando sofreu uma parada cardíaca. Por mais de 60 anos Frankie Laine empolgou o mundo com sua voz extraordinária e versatilidade incomum. A voz de Frankie possibilitava que ele fizesse modulações na mesma canção passando do metálico mais ardido ao aveludado mais suave, sempre com ritmo envolvente. Frankie Laine vendeu mais de cem milhões de discos, obtendo 21 Discos de Ouro e alguns desses números foram alcançados com as inesquecíveis canções que cantou em faroestes, fazendo de Frankie Laine o ‘Cantor dos Faroestes’.  Melhor reconhecimento não poderia haver que aquele quando, em 1998, na 16.ª premiação do Golden Boot Awards, a Motion Picture and Television Fund premiou Clayton Moore, os irmãos Carradine (David, Keith e Robert), Patrick Wayne e Barbara Stanwyck e premiou também Frankie Laine com o Golden Boot. Prêmio mais que merecido pela contribuição do extraordinário cantor ao gênero western.



Um comentário:

  1. Prezado Darci,

    Excelente artigo sobre Frankie Laine o mais conhecido intérprete de canções que em geral acompanhavam os créditos dos filmes, sendo a maioria westerns, como você comentou. Sempre, com sua voz forte e marcante, causava o primeiro impacto e algumas vezes era melhor do que o filme em si.

    Acho suas mais marcantes interpretações em "Gunfightl at the OK Corral" e "3:10 to Yuma". No entanto, em "Matar ou Morrer" (High Noon) prefiro a original por Tex Ritter devido, em minha opinião, estar mais adequada ao enredo por atuar como um narrador em diversos momentos do filme. É em ritmo de balada acompanhada somente por um violão executado pelo próprio Ritter.

    Possuo dois CD (F L on the Trail e F L Rides Again) com todas as suas gravações originais e regravações de outros cantores como "North to Alaska", "Hanging Tree" etc.

    Mario Peixoto Alves

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