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4 de dezembro de 2012

“DRANGO” – JEFF CHANDLER E AS FERIDAS ABERTAS DA GUERRA DE SECESSÃO



Jeff Chandler foi um dos principais galãs dos anos 50 e talvez por isso mesmo nunca tenha sido visto como bom ator. “Drango”, de 1957, é um western que, entre outras qualidades, propicia a Chandler uma de suas melhores atuações. Assim como tantos outros atores, Jeff Chandler decidiu também se aventurar na produção de filmes, unindo-se aos também produtores Hall Bartlett e Jules Bricken, sendo que estes dois dividiram também a direção. O roteiro de autoria de Hall Bartlett tem como cenário uma pequena cidade do Sul dos Estados Unidos após o fim da Guerra Civil. Diferentemente, porém, dos muitos faroestes dos anos 50 cuja ação também se passava no período pós-conflito, o roteiro de “Drango” mostra cruamente como as feridas ainda estavam longe de cicatrizar.


Jeff Chandler, o ótimo Major Drango.
O Sul arrasado do pós-Guerra Civil - Obedecendo às ordens do general William T. Sherman, o Major Clint Drango (Jeff Chandler) no comando da 3.ª Brigada do 15.º Batalhão do Exército da União transformou em terras arrasadas as regiões compreendidas entre as Montanhas de Kennesaw até a cidade de Atlanta, na Geórgia. Após o término da guerra o próprio Major Drango é incumbido de ajudar algumas cidades do Sul a se recuperarem da devastação. Uma dessas cidades é Kennesaw, onde o Major Drango chega acompanhado pelo Capitão Marc Banning (John Lupton). Amargurado e arrependido pelo que fez durante a Guerra Civil, o Major Drango tenciona reparar os danos e despertar nos cidadãos de Kennesaw o sentimento de fraternidade entre vencedores e perdedores. Encontra no entanto uma quase total resistência e focos de revoltosos dispostos a praticar guerra de guerrilha, iniciando pela tomada do Forte Dalton. Quem lidera a sublevação em Kennesaw é o ex-oficial Confederado Clay Allen (Ronald Howard), filho do juiz Allen (Donald Crisp), magistrado da cidade. O Major Drango vê aos poucos aumentar o número daqueles que acreditam em suas boas intenções. Enquanto isso, após comandar alguns atentados e praticar dois assassinatos, Clay Allen revela ser o Major Drango o comandante da devastação praticada contra a cidade durante a guerra. Drango, no entanto, consegue convencer o Juiz Allen a ficar de seu lado e o juiz acaba por matar o próprio filho, o revoltoso Clay Allen. Ao final a cidade pacificada aceita as propostas de paz do Major Drango.

Justiciamento de um dissidente, fato comum para
alguns confederados. No detalhe Morris Ankrum.
Guerreiro pacifista - O Major Drango, apesar de sua folha corrida é um pacifista que acredita que apenas ele, quase sempre desarmado, e mais um oficial (o Capitão Banning) consigam apaziguar os vencidos na guerra. Estes perderam quase tudo e ainda sofreram com a rapinagem dos yankees, restando-lhes somente o desejo de vingança. Drango entende ser possível até montar um tribunal imparcial em Kennesaw para julgar Henry Calder (Morris Ankrum), simpatizante dos nortistas e que mata um homem da cidade para se defender. Calder é sequestrado da prisão e enforcado por Clay Allen e seus homens. Há um quê de Lincoln no quase visionário Drango, o que provoca a ira de seu superior Coronel Bracken (Milburn Stone). A trama conta ainda com a presença de duas mulheres, a pobre Kate Calder (Joanne Dru), filha de Henry Calder, e a ex-abastada Shelby Ransom (Julie London).  Kate vê sua ira por Drango se transformar em amor, enquanto Shelby se aproxima do Capitão Banning apenas para colher informações importantes a mando de Clay Allen. A sinceridade do Major Drango convence pessoas importantes de Kennesaw, como o médico, o pastor e o editor do jornal da cidade. Mas até que se consolide esse apoio o Major Drango se defronta com as vilezas de Clay Allen.

Acima Joanne Dru;
abaixo Ronald Howard.
Geórgia sem negros - “Drango” não é um western de ação, mas sim de reflexão. Seus incessantes diálogos objetivam demonstrar todo sofrimento, desilusão e revolta do pós-Guerra. Em Kennesaw estão queimados o tribunal, a escola e a igreja. E o próprio jornal da cidade é também incendiado. As mulheres são amargas e a personagem de Joanne Dru pergunta: “Sabe o que é ser mulher no lado perdedor?” E relata todas as atrocidades sofridas e mesmo a necessidade de se prostituir para comer. Nas adegas das mansões neoclássicas não restou um só vinho; nas paredes não ficou um só quadro e nas plantações não há mais escravos. Pelo menos em “Drango”, filme em que não há negros, a grande falha do roteiro deste filme. A escravidão foi uma das causas da Guerra Civil e a ausência total de negros no filme é imperdoável, ainda mais num momento em que o processo de luta pelos direitos civis ganhava corpo nos Estados Unidos. “Drango” foi rodado um ano antes de “Acorrentados”, de Stanley Kramer, drama em que Tony Curtis e Sidney Poitier passam o filme todo presos um ao outro. Certo que os negros quase não possuíam poder de decisão naquele período, mal sabendo conduzir seus próprios destinos quando libertados da escravidão, mas desaparecer com eles comprometeu o realismo pretendido pelo filme de Hall Bartlett.

Capa do álbum com a trilha sonora musical de "Drango",
composição do fantástico maestro Elmer Bernstein.
Requintes de um pequeno western - Embora seja uma produção modesta, filmada em preto e branco, “Drango” contou com os talentos de James Wong Howe na cinematografia e de Elmer Bernstein na composição da trilha sonora. O chinês James Wong Howe, desde a década de 20 era um dos mais competentes cinegrafistas de Hollywood. Em “Drango”, Wong Howe cria com sua iluminação uma angustiante e claustrofóbica atmosfera. As muitas tomadas dos rostos dos personagens completam as imagens fortes do filme. Aos 33 anos de idade, Bernstein havia acabado de compor as trilhas dos filmes “O Homem do Braço de Ouro” e “Os Dez Mandamentos” e em 1960 escreveria a trilha musical de “Sete Homens e um Destino”. Raramente um western nos anos 50 tinha sua trilha sonora musical lançada em álbum mas,  assim como nos filmes acima citados, “Drango” teve a bela e inventiva trilha musical de Bernstein, repleta de uso de instrumentos inusitados em trilhas do gênero, lançada em disco. Ennio Morricone certamente ouviu muito o colega Bernstein. A trilha musical de "Drango foi lançada em Long-Playing e já nos anos 2000 lançada também em CD, com apenas mil discos prensados para os colecionadores. No modismo dos westerns dos anos 50, durante os créditos de abertura de “Drango” ouve-se a canção-título composta por Elmer Bernstein, com letra de Alan Alch, cantada pelo ‘Cowboy do Arizona’ Rex Allen.

Acima Chandler, Joanne Dru e Milburn
Stone; abaixo Donald Crisp.
Elenco destacado - Desempenho perfeito de Jeff Chandler, expressando brilhantemente a amargura de seus atos como soldado durante a Guerra Civil. Donald Crisp excelente nas poucas vezes que intervém. Joanne Dru sem o viço e a alegria da moça que usava a fita amarela em “Legião Invencível”, traz saudade das provocantes personagens que interpretou em “Rio Vermelho” e “Caravana de Bravos”. Desperdício também de Julie London num papel irrelevante, ela que em seguida brilharia em “O Homem do Oeste”. Ronald Howard é a própria reencarnação de seu pai Leslie Howard como 'Ashley Wilkes' em “E o Vento levou”, merecendo ser dublado em seu insuportável sotaque britânico interpretando um sulista. “Drango” tem excelente elenco de apoio destacando-se Morris Ankrum, Parley Baer, Walter Sande, Barney Phillips e Milburn Stone, este em seu último filme pois passou a se dedicar apenas à série de TV “Gunsmoke”. Bom trabalho dos atores infantis, com destaque para a talentosa Mimi Gibson, presente numa cena encantadora dos irmãos famintos com o Major Drango. “Drango” é mais um western pouco lembrado, quase injustamente esquecido e que merece ser revisto nestes tempos de Djangos negros.

Jeff Chandler (acima); abaixo com John Lupton e pose do próprio Lupton.

Acima Joanne Dru sem a graça de outrora e Julie London;
Romances: Jeff e Joanne Dru; Lupton e Julie London.

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