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27 de novembro de 2011

A ‘GESTAÇÃO’ DE “RASTROS DE ÓDIO” (The Searchers)


Muitas pessoas gostam de um filme e o assistem cinco ou dez vezes, até perder a conta de quantas ocasiões se emocionou com um filme preferido. E há aqueles que não satisfeitos em conhecer inteiramente uma obra cinematográfica ainda querem saber o que se passou na preparação ou nos bastidores desse filme. “Rastros de Ódio” (The Searchers) é um desses casos apaixonantes e isso tanto é verdade que são muitos os autores que através de ensaios ou livros sobre faroeste procuram dissecar a obra máxima de John Ford. CINEWESTERNMANIA traz algumas informações a mais entre tantas conhecidas sobre “Rastros de Ódio”.

John Ford
ROTEIRIZANDO EM ALTO-MAR - A história “The Avening Texans”, de autoria de Alan LeMay, foi publicada no jornal Saturday Evening Post em 1954. Merian C. Cooper, sócio de John Ford na Argosy Productions leu a história de LeMay, se interessou e comprou os direitos da mesma para o cinema. Cooper mostrou a história para John Ford depois que já havia conseguido produtor para o western, o ricaço Cornelius Vanderbilt Whitney. John Ford gostou da história e com a produção pré-encaminhada, fez aquilo que sempre fazia antes de rodar um filme: reuniu sua turma no seu iate ‘Araner’ para deixar o texto mais cinematográfico. Em janeiro de 1955 embarcaram no ‘Araner’ o roteirista Frank S. Nugent (genro de Ford), Wingate Smith (cunhado de Ford) e os atores John Wayne e Ward Bond, amigos pessoais do diretor. Enquanto o grupo lia o texto original de Alan LeMay as idéias iam surgindo e sendo anotadas para o roteiro final de Nugent. E as modificações foram tantas que ao final havia praticamente uma outra história, ou senão vejamos.

OS TEXANOS VINGADORES - Para começar o título original (The Avening Texans) foi mudado para ‘The Searchers”. Na história de Alan LeMay, Ethan Edwards (John Wayne) chama-se Amos; Martin Pawley (Jeffrey Hunter) é 100% branco e não 1/8 Cherokee como aparece no filme; Debbie (Natalie Wood) não se casa com Scar; Debbie, que era ‘Dry Grass Hair’ (Cabelo de Grama Seca) para os Comanches depois de escapar dos índios, passa alguns dias perdida no deserto até ser encontrada por Martin Pawley, com quem passa a namorar; a personagem Laurie Jorgensen (Vera Miles) é namorada de Charles McCorry (Ken Curtis). Na história original não havia os personagens do Reverendo-Capitão Samuel Johnston Clayton (Ward Bond) e nem o de Mose Harper (Hank Worden). Da cabeça de Ford saiu também um personagem de nome Emílio Gabriel Fernández y Figueroa, numa clara homenagem a seus amigos mexicanos, o ator-diretor Emílio Fernández e o célebre cinegrafista Gabriel Figueroa. A mais crucial das diferenças: Ethan Edwards morre ao final. As alterações, como foi dito, tornaram a história mais cinematográfica. Excepcionalmente mais cinematográfica.

A GRANDE FAMÍLIA FORD - As filmagens começaram em setembro de 1955 e duraram 50 dias de grande sofrimento para toda a equipe que teve que se deslocar ao Monument Valley onde foi rodada a maior parte do filme. O elenco foi se delineando à medida que a história tomava forma em pleno alto mar ao balanço do ‘Araner’ e grande parte daqueles que iriam atuar no filme eram de alguma forma ligados a John Ford. Muitos pertenciam à Ford Stock Company, grupo que Ford utilizava com freqüência, como Wayne, Bond, John Qualen, Hank Worden, Jack Pennick e Cliff Lyons. Outros eram quase parentes de John Ford, como Olive Carey (comadre), Harry Carey Jr. (afilhado), Ken Curtis (genro) e Patrick Wayne (filho de John Wayne). Dorothy Jordan, que interpreta Martha Edwards era esposa do produtor Merian C. Cooper. Os demais atores foram indicados pela própria Warnes Bros.
Nas fotos à direita, do alto para baixo:
Olive Carey/Harry Carey Jr.;
John Qualen/Dorothy Jordan;
Ken Curtis/ Hank Worden;
Patrick Wayne/Ward Bond.

O DIA EM QUE NATALIE WOOD SE SUBMETEU AO TESTE DO... PESO - O caso mais interessante do elenco foi o de Natalie Wood, a quem John Ford não conhecia. Encaminhada ao escritório de John Ford, o Pappy conversava com John Wayne quando a franzina jovem de 17 anos entrou. Ford mediu Natalie de alto a baixo e a adolescente atriz tremeu de medo. Ford então pediu a John Wayne que a erguesse com as duas mãos, o que o gigantesco Duke fez com extrema facilidade. Quando Duke a colocou no chão novamente, Ford sentenciou: “Você será Debbie! Agora só falta uma menina de uns sete anos parecida com você para interpretar a Debbie jovenzinha Você conhece alguma?” Natalie respondeu a Ford que tinha uma irmã de nove anos, chamada Svetlana, mais ou menos parecida com ela. Ford ainda perguntou se aquele não era um nome russo e Natalie confirmou dizendo que seu verdadeiro nome também era russo: Natasha. As irmãs Lana e Natalie foram contratadas. “Rastros de Ódio” estreou no dia 13 de março nos Estados Unidos (7 de maio em São Paulo), fazendo relativo sucesso de público mas sem se tornar um campeão de bilheteria. Pouquíssimos críticos perceberam quando de seu lançamento a magnitude desse western de John Ford e foi preciso um certo crítico francês chamado Andrè Bazin abrir os olhos do mundo para a importância de “Rastros de Ódio”.

6 comentários:

  1. Muitas destas curiosidades sobre Rastros de ódio eu desconhecia. Primeiro, roteirizado em Alto-Mar, e sei que John Ford gostava de navegar e reunia seus amigos para um delicioso passeio, e depois, nada como o mar para dar tais inspirações, não é mesmo?

    Sabia também que o filme fora extraído de um romance, de Alan Le May, mas não sabia que o título era bem diferente, assim como a história origina diferencia bastante da película de Ford. Nunca li o livro, mas a impressão que me deu através de seu brilhante artigo é que a fita do Mestre Ford é bem superior.

    O Clássico só se solidou como obra prima tempos depois. Wayne na minha opinião teve aqui seu magistral desempenho.

    Boa Semana

    Paulo Néry
    http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com/

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  2. Uma matéria que interessa a todos que gostam de cinema e, principalmente, observar que um filme não nasce assim num estalar de dedos.
    Muito bacana tomar ciencia de tudo isso, dos cortes, das inclusões, das escolhas para este ou aquele papel, das alterações, enfim, de tanto que se faz para se atingir um roteiro final e por o mesmo numa fita.
    Uma das matéria mais interessantes que já li.
    Parabens ao nosso redator, que espero nos dar mais outras informações semelhantes sobre outros grandes filmes.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  3. Vi esse western muitas vezes e sempre me causa uma estranha aflição. Obra-prima incontestável!

    O Falcão Maltês

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  4. Parabéns, Darci, por enriquecer nossos conhecimentos acerca deste grande filme.
    Outra história de bastidores que lembro é na famosa cena final, quando Wayne segura com a mão esquerda seu braço direito, imitando e homenageando o falecido marido de Olive Carey, o ator Harry Carey. Ela, surpresa e já fora de cena, chora no interior da casa.
    Uma curiosidade bem mais divulgada, mas que vale a lembrança.

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  5. Ivan, esse momento sublime do cinema aconteceu por inspiração do próprio Duke que, sem saber o que fazer com as mãos naquele momento, vendo Olive Carey ali perto, lembrou-se do velho Harry Carey.

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  6. Escrevi um livro (Ensaios I) sobre cinema, em analiso, entre outros Rastros de ódio" o livro pode ser adquirido em arakenvaz@gmail.com
    Sabia quase tudo do que foi informado aqui, até a morte do personagem de Wayne. Na verdade este, como O homem que matou o facínora" são os melhor de Ford, na minha opinião. Araken

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