Acima E.M. Rhodes; abaixo Alfred E. Green; Harry Sherman e William Boyd |
Joel McCrea foi, sem dúvida, um dos
grandes cowboys do cinema ele que durante muitos anos interpretou galãs de
estrelas como Claudette Colbert, Barbara Stanwyck, Merle Oberon, Jean Arthur,
Miriam Hopkins, Joan Bennett, Sylvia Sidney e Veronica Lake, entre outras, em
dramas e policiais, até se decidir exclusivamente por atuar em faroestes. De
meados da década de 40 até protagonizar ao lado de Randolph Scott em 1962 a
obra-prima “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), seu último filme
notável, McCrea brilhou intensamente no gênero western e “Eles Passaram por
Aqui” está entre seus melhores trabalhos. Dirigido por Alfred E. Green, a
partir de uma história de Eugene Manlove Rhodes, autor que, como poucos,
conhecia o Velho Oeste, este filme foi produzido por Harry Sherman (o produtor
da série Hopalong Cassidy) e distribuído pela United Artists. Este é um western
insólito especialmente por não conter duelos, por nenhum tiro ser disparado, não
ocorrer troca de socos e, a rigor, por não ter nem mocinhos e nem bandidos, mas
sim seres humanos todos decentes. O mais nobre deles é justamente protagonizado
por Joel McCrea, ator que era a perfeita personificação da dignidade. “Paso por
Aqui” é o título original do filme e também do livro de Rhodes que foi escrito
em 1926, faroeste que guarda ressonância com os westerns de William S. Hart,
muitos deles com o personagem principal se redimindo de erros cometidos.
Acima John Parrish e Joel McCrea; abaixo Ethan Laidlaw e Charles Bickford |
Um
assalto praticado um homem bom - A pequena cidade de Santa Maria, no
Sul do Novo México, contrata o famoso homem da lei Pat Garrett (Charles
Bickford), a quem recebe com solenidade no mesmo momento em que o banco local
está sendo assaltado. O assalto é praticado por Ross McEwen (Joel McCrea) que,
estranhamente, quer apenas dois mil dólares, nada mais que isso, fazendo
questão de assinar um recibo indicando que reembolsaria o banco futuramente.
Esse valor roubado é para pagar a hipoteca da fazenda do pai de McEwen. Pat
Garrett tem um nome a zelar e sai à procura do assaltante que desconhece a
identidade. O assaltante foge em um trem para Alamogordo e na viagem conhece a
enfermeira Fay Hollister (Frances Dee) que chegou do Leste para trabalhar no
Novo México. No trem está também o mexicano Monte Marques (Joseph Calleia) que percebe
que McEwen é um fugitivo e que uma patrulha está em seu encalço. McEwen
consegue ganhar uma soma de dinheiro num jogo de pôquer e restitui os dois mil
dólares ao banco, prosseguindo em sua fuga. Tanto Fay quanto Marques ajudam
McEwen que, agora a cavalo, chega até um rancho onde uma família de mexicanos
contraiu difteria e está à beira da morte. McEwen ao invés de continuar fugindo
se detém e salva os mexicanos, o que permite que Garrett o alcance e o prenda.
O xerife descobre a verdade sobre McEwen e assegura interceder por ele no seu
julgamento reduzindo ao máximo sua pena. Fay, por sua vez, promete esperar por McEwen
quando ele ganhar a liberdade e voltar a ser um homem livre.
Acima Francis Dee e Joel McCrea; abaixo Clem Fuller, Francis Dee e McCrea |
Prêmio
exemplar - Ross McEwen não é um bandido, mas as circunstâncias fazem
com que ele roube um banco e com que o próprio banqueiro (John Parrish) estranhe
o comportamento do ladrão, educado e sem a violência normal dos foras-da-lei.
Mas ao obrigar o banqueiro a acompanhá-lo e quando distante de Santa Maria o deixa
sem as botas e sem o cavalo, desperta a ira do refém que, ao se ver livre, institui
um prêmio pela captura de McEwen, prêmio no valor de três mil dólares, maior
que o produto do roubo. Garrett então diz uma frase marcante: “O alto valor do
prêmio é para que os ladrões não voltem a roubar”. Porém o recibo que McEwen
escreveu e assinou (como Jefferson Davis) demonstra sua intenção de devolver o
dinheiro. Pat Garrett é também mostrado como um homem da lei íntegro e avisa
que não quer que o foragido seja alvejado pelas costas, algo bastante comum
quando se é ‘procurado vivo ou morto’. A enfermeira Fay Hollister pressente que
McEwen seja um homem correto e mesmo ao descobrir o que ele praticou, deixa seu
sentimento falar mais forte ficando ao seu lado. E por fim, a quarta face do
título original é a do mexicano Monte Marques.
Acima Joseph Calleia; abaixo Martin Garralaga |
Respeito
pelos mexicanos - Hollywood costumeiramente fazia dos
mexicanos (e latinos em geral) tipos caricaturais, quando não bandidos da pior
índole. “O Tesouro de Sierra Madre” (1948) chegou a ser proibido no México por
essa razão: estigmatizar negativamente a figura do mexicano. “Eles Passaram por
Aqui” apresenta o mexicano Monte Marques, desde sua entrada em cena, como
alguém fadado a espertezas e traições, levando o espectador a esperar dele a
clássica vileza. Marques olha sempre traiçoeiramente de soslaio, ri cinicamente
e a deslealdade é iminente. Ao contrário disso, Monte Marques é igualmente um
homem honrado e que ama sua terra, seus patrícios e conhece e se orgulha de
suas tradições. Ele ajuda desinteressadamente McEwen de todas as maneiras pois
percebe ser o estranho merecedor de sua confiança, comprovada quando McEwen
salva um pobre mexicano, esposa e filhos da morte certa sacrificando sua
própria liberdade. Houve sim, outros westerns mostrando mexicanos de modo
simpático, mas Monte Marques está entre os personagens mexicanos que mais
respeito mereceram do cinema norte-americano.
Francis Dee; Joel McCrea e Francis Dee |
Joel McCrea |
O Autêntico
Velho Oeste - À falta da ação típica do gênero, sobra em “Eles Passaram
por Aqui” sequências que provêm da familiaridade de Eugene Manlove Rhodes com o
Velho Oeste, ele que nasceu e cresceu no Novo México. Uma dessas sequências é McEwen
ser picado por uma serpente e ele mesmo extrair o veneno. Necessitando de uma
montaria, McEwen doma um touro e sobre seu lombo faz uma longa travessia no
deserto, momento em que Joel McCrea exibe sua habilidade como cowboy autêntico
que era. Ao encontrar o casal de mexicanos e dois filhos à beira da morte,
McEwen retira a pólvora de suas balas produzindo enxofre com o qual reanima as
crianças desfalecidas. Por fim, as inscrições na enorme rocha indicando nomes
registrados indicando que ‘Paso por Aqui’, o que deu origem à história.
Estranhamente, E.M. Rhodes foi um autor muitas vezes levado ao cinema nos
tempos em que o cinema não era ainda falado. Entre 1923 e 1948, ano da produção
deste western, nunca mais esse autor teve outra de suas histórias aproveitadas
em filmes. Que não se pense porém que, por não haver tiroteios e lutas, “Eles
Passaram por Aqui” seja um western que não envolve o espectador. A força de sua
história e a boa direção de Green se incumbiram disso.
Joel McCrea e Francis Dee; Francis Dee |
Joel McCrea |
Joel
McCrea talhado com dignidade - Joel McCrea atuou pela terceira e
última vez ao lado de Frances Dee, com quem foi casado por 57 anos, num dos
casamentos mais felizes e duradouros de Hollywood e que só terminou com a morte
de McCrea em 1990. Frances Dee sobreviveu ao marido por 14 anos, vindo a
falecer em 2004, aos 94 anos de idade. A bonita e boa atriz tem ótimo
desempenho, inclusive mostrando que é uma perfeita amazona montando
admiravelmente, mas o filme é de Joel McCrea num papel talhado para ele propiciando
bons momentos dramáticos, o que raramente pode demonstrar nos tantos faroestes
que fez na fase final de sua carreira. O italiano Joseph Calleia como o
mexicano Monte Marques tortura o espectador que aguarda o momento em que vai
enganar o herói, o que nunca acontece, criando um suspense à parte dentro do
filme. Charles Bickford contido como um Pat Garrett maduro e justo. No elenco
ainda em papeis menores Martin Garralaga, William Conrad (aos 28 anos) e Dan
White, como assistente de Pat Garrett. Dan White é um daqueles rostos que vimos
em dezenas de filmes (“Rio Vermelho”, “Duelo ao Sol”), quase sempre faroestes,
sem sabermos o seu nome. E para quem acha que Joey Starrett (Brandon De Wilde)
foi o menino mais chato dos westerns, precisa conhecer George McDonald, o
garoto que perturba a vida de Ross Ewen...
Pôster de "Eles Passaram por Aqui" |
Produção
de médio orçamento - A bela história de E. M. Rhodes teve
a direção sensível de Alfred E. Green e ainda esplêndida fotografia em preto e
branco de Russell Harlan. Um dos roteiristas é Teddi Sherman, filha do produtor
Harry Sherman. A riqueza de detalhes permite imaginar o quanto o livro de
Rhodes teria a oferecer e que não foi aproveitado por ser “Eles Passaram por
Aqui” uma produção de médio orçamento, com 89 minutos de duração. No ano
seguinte Joel McCrea estrelaria o clássico “Golpe de Misericórdia”, de Raoul
Walsh, ao qual o western de Alfred E. Green não fica muito a dever. “Eles
Passaram por Aqui” tem o título nacional alternativo de “Procurado Vivo ou
Morto”, tendo sido chamado em Portugal como “A Face da Dúvida”. Esta cópia foi gentilmente
cedida pelo cinéfilo e colecionador taubateano Sebá Santos.
À esquerda Charles Bickford, William Conrad e Dan White; à direita Joseph Calleia, Charles Bickford, Dan White e Joel McCrea |
Bom! Belas montanhas!
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