Ainda que tenha feito apenas quatro
westerns (cinco se considerado “Rio da Aventura” [The Big Sky] como western),
Howard Hawks é sempre citado como um dos mestres do gênero. Quase
unanimemente “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo) é lembrado como o melhor
entre os westerns dirigidos por Hawks, o que não deixa de causar estranheza.
“Onde Começa o Inferno” é um western quase despretensioso se comparado a “Rio
Vermelho” (Red River), seja por seu roteiro bastante simples, seja pela própria
filmagem e especialmente pelas interpretações descontraídas dos atores
principais. Os únicos momentos mais tensos de “Onde Começa o Inferno” ocorrem
quando Dean Martin luta contra... a garrafa. Por outro lado, tudo em “Rio
Vermelho” é grandioso, num festival de imagens deslumbrantes e que ainda
oferece a revelação de dois excelentes atores: John Wayne e Montgomery Clift.
Ainda assim esse faroeste retumbante de Hawks não pode ser comparado à
obra-prima (da simplicidade) que é “Onde Começa o Inferno”.
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Acima John Wayne com Colleen Gray; abaixo Wayne com Mickey Kuhn e, atrás, Walter Brennan. |
Motim
no Velho Oeste - Borden Chase, o autor da história, transpôs para o Velho
Oeste o famoso motim ocorrido no navio da Marinha Real Britânica levado à tela
com enorme sucesso em 1935 com o título “O Grande Motim”. Nesse filme o tirano
Capitão Bligh (Charles Laughton), comandante do navio ‘Bounty’, durante uma
longa viagem às Ilhas Orientais Holandesas se vê despojado de seu cargo pelo
oficial Christian Fletcher (Clark Gable) que lidera uma revolta. Em “Rio
Vermelho” o criador Thomas Dunson (John Wayne) é pioneiro em levar seu gado do
Texas para o Kansas, onde o rebanho de nove mil cabeças será vendido. Na longa
jornada de quase 700 milhas (mil quilômetros), repleta dos mais variados
obstáculos como a travessia de rios, chuva incessante, confronto com índios, o
mais difícil para Tom Dunson é enfrentar a revolta dos 30 homens que comanda no
acidentado percurso. O braço direito de Dunson é o jovem Matthew Garth (Montgomery
Clift), a quem Dunson criou como filho. Garth, porém, não aceita que Dunson
enforque cowboys que tentaram abandonar a jornada revoltados com o
comportamento tirânico do poderoso criador. Destituído do comando e ferido na
perna por um dos vaqueiros, Dunson promete vingança. Após o gado chegar ao
Kansas, Dunson se defronta primeiro com o cowboy Cherry Valance (John Ireland),
sendo ferido por este e, posteriormente, Dunson humilha Garth que não quer
enfrentar o velho amigo que fez dele um homem. Após uma luta de socos entre
Dunson e Garth, ocorre a interferência de Tess Millay (Joanne Dru), namorada de
Garth, que consegue que os desafetos voltem a ser amigos. Para sempre.
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Quem mais senão Walter Brennan poderia colocar o dedo no rosto de John Wayne sem nenhuma reação? À direita Brennan e Montgomery Clift. |
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Clift, Hank Worden e Tom Tyler; abaixo Worden, Noah Beery Jr. e Paul Fierro. |
Poeira
entranhada nos poros - Sob o aspecto documental da epopeia
da condução de um gigantesco rebanho atravessando parte dos Estados Unidos, o
filme de Howard Hawks é precioso. O diretor retratou excepcionalmente as
agruras vividas pelos cowboys no dia a dia da longa e extenuante jornada. Hawks
passa ao espectador a angústia, a tensão, o medo e a determinação dos cowboys
empoeirados ou encharcados alimentando-se com as rações preparadas como as precárias
condições permitem. A remuneração por esse sofrido trabalho será gasta muitas
vezes no próprio saloon de Abilene com jogo, bebida e prostitutas.
Possibilitará, no entanto ao final, a compra de uma pequena propriedade para,
quem sabe, se tornar um novo Thomas Dunson, sonho do jovem Dan Latimer morto
pisoteado durante um stampede. A música altissonante de Dimitri Tiomkin
emoldura o tom heroico da jornada, completada com a autenticidade da fotografia
de Russell Harlan acentuando a agreste paisagem. Após ver “Rio Vermelho”
certamente o espectador sentirá vontade de tomar um banho para se livrar da
sensação da poeira entranhada em seus poros.
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'Você está errado, Sr. Dunson', diz o personagem de Walter Brennan; à direita Hal Taliaferro, John Ireland e Paul Fix. |
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John Wayne |
‘Eles só fizeram a obrigação’ -
A trama desenvolvida paralelamente às imagens da jornada é bem conduzida na
demonstração da amizade e reverência de Matt Garth por Tom Dunson. Menos
coerente, porém, no relacionamento de Garth com Cherry Valance e a atração
deste por Garth. Com as dificuldades que se apresentam na caminhada, Tom Dunson
vai se transformando num opressor cruel, de nada valendo os conselhos críticos
do cozinheiro Nadine Groot (Walter Brennan) que conhece profundamente o temperamento de Dunson.
A transformação psicológica de Dunson é um tanto forçada, uma vez que pela
experiência na lida com vaqueiros, deveria ele saber não ser a aplicação da rudeza
das palavras e a brutalidade das ações o melhor dos caminhos. Quando após a
travessia do Rio Vermelho o velho cozinheiro sugere que Dunson elogie os
cowboys pelo trabalho, o desumano Dunson responde secamente: “Eles fizeram a obrigação deles”.
Perde-se aos poucos a coerência da trama com o sofrível desenvolvimento dos
personagens Cherry Valance e Tess Millay. Ao oferecer a Tess a metade de seu
império por um filho dele que a moça a (jogadora de cartas) gere, a sequência, uma das mais importantes
da história, mostra-se patética. Ali Dunson renuncia ao amor e à amizade de Matt
Garth o que já havia feito quando do primeiro rompimento com a promessa de
encontrar o pupilo onde ele estiver, para matá-lo. Nada, porém, em “Rio
Vermelho” é tão frustrante e inconvincente quanto o final com o discurso
conciliador de Tess Millay que faz com que milagrosamente renasça o bem querer
entre os dois homens.
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Acima o confronto entre John Wayne e John Ireland; abaixo Montgomery Clift acerta um soco em Wayne jogando-o longe... |
As
revelações de Duke e Monty - Os defeitos de “Rio Vermelho” são
inteiramente compensados por muitas sequências admiráveis e pela atuação
surpreendente (à época) de John Wayne. Vez por outra o ator deixava de ser
‘John Wayne’ e mostrava que era capaz de atuar, como neste seu magnífico desempenho. O diretor Hawks conhecia bem
Walter Brennan e soube explorar seu formidável tipo característico tão imitado
por outros atores. E Hawks conteve Montgomery Clift, ator capaz de emocionar
com um simples olhar e tornar maior qualquer sequência, conseguindo com isso
destacar mais ainda a atuação de Wayne. Maravilhoso o elenco de apoio com as
presenças marcantes de Noah Beery Jr., Hank Worden, Harry Carey e Harry Carey
Jr. (nenhuma cena juntos, infelizmente, neste único filme em que atuaram pai e
filho), Paul Fix, Tom Tyler (morto por John Wayne mais uma vez), Glenn Strange
e muitos outros. Destaque para a saborosa interpretação de Chief Yowlachie que
consegue a proeza de ser tão engraçado quanto Walter Brennan. John Ireland, ao
contrário de Clift, perdeu em “Rio Vermelho” a chance de se tornar um astro devido
à sua atuação desinteressada. Ireland relatou mais tarde que seu descontentamento foi devido a Hawks reduzir ao
extremo o seu personagem, apenas mantendo a sequência final em que Valance
duela com Tom Dunson, porque as tomadas haviam sido feitam no início das
filmagens e Hawks não podia mais alterá-las.
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O 'stampede' e a direita Montgomery Clift dispensando seu dublê Cliff Lyons, com quem aprendeu muitos truques para se manter em cima de um cavalo. |
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A moça flechada é Joanne Dru; abaixo um dos textos narrativos de "Rio Vermelho". |
A
crítica a Joanne Dru - Hawks criticou veladamente a atuação
de Joanne Dru, na entrevista que deu a Pete Bogdanovich para o livro “Afinal, Quem
Faz os Filmes?”, Para Hawks, Joanne era apenas uma boa comediante, afirmando
ainda que com Margareth Sheridan o filme ficaria muito melhor. Sheridan
engravidou e não pode atuar em “Rio Vermelho”, mas sua presença em “O Monstro
do Ártico”, filme produzido pelo próprio Hawks em 1951, não justifica a
expectativa do diretor. A ótima Joanne Dru foi, isto sim, sacrificada pela
desconexão de seu personagem com a história e pelos terríveis diálogos que
nenhuma grande atriz poderia levar à tela sem torná-los risíveis . Colleen Gray
participa de uma única e curta sequência de despedida e Shirley Winters faz
figuração. Se Howard Hawks entendeu que Joanne Dru não era a Tess Millay por
ele sonhada, igualmente não funcionou bem tentar ligar os diferentes capítulos
através do bracelete da noiva de Tom Dunson que passa de mãos em mãos durante o
transcorrer da história. Borden Chase usou o mesmo expediente em “Winchester 73”,
no caso o próprio rifle, desta vez com absoluto sucesso.
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O bracelete que passa de braço em braço: acima com Tom Dunson (Wayne), que o recebeu da namorada Fen (Colleen Gray); mais tarde encontrado no punho de um índio morto;passado depois por Dunson para Matt (Montgomery Clift) e por fim surge com Tess Millay (Joanne Dru). Aparentemente o roteiro se esqueceu do bracelete que some da história. |
Faroeste
essencial - O maestro e compositor Dimitri Tiomkin fez uso de
diversas canções tradicionais na trilha sonora musical, compondo para tema
principal “Settle Down”, que pontua todo o filme nas sequências com o gado.
Essa mesma canção, com novo arranjo e com o título “My Rifle, My Pony and Me”
foi deliciosamente cantada por Dean Martin e Ricky Nelson em “Onde Começa o
Inferno”, tornando-se clássica e sendo gravada por muitos cantores. “Rio
Vermelho” é lembrado como um dos grandes filmes sobre cowboys e rebanhos de
gado, que teve ainda “E o Bravo Ficou Só” (Will Penny) e “Pacto de Justiça”
(Open Range), filmes importantes sobre o mesmo tema. A série de TV “Rawhide”,
estrelada por Clint Eastwood e Eric Fleming, teve sua inspiração no filme de
Hawks. Em 1988 James Arness interpretou Tom Dunson no remake feito para a TV
com o mesmo título. A versão de “Rio Vermelho” lançada em DVD difere daquela
que foi vista nos cinemas que tinha narração de Walter Brennan e quando Pete
Bogdanovich falou a Hawks sobre a versão emendada com textos, o diretor disse
jamais ter visto essa versão alterada e não concebida por ele. Seja qual for a
versão assistida, “Rio Vermelho” é daqueles faroestes que, mesmo não sendo
perfeito, é essencial e importantíssimo no gênero, merecendo ser revisto.
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Sequência que o censor Joseph Breen, do Production Code deixou passar: John Ireland e Montgomery Clift comparando suas pistolas. |
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O carroção de Walter Brennan; a espetacular chegada do gado a Abilene. |
É lamentável a versão lançada em DVD desse clássico aqui no Brasil. Alguns trechos sem legendas, imagens borradas, semelhantes as ripadas de VHS. Alguma distribuidora séria, como a Versátil, poderia colocá-lo no mercado com a qualidade que a obra merece! Sem dúvidas um excelente faroeste!
ResponderExcluirOlá, Jefferson - Não sei qual a cópia que você tem. a minha está muito boa. Darci.
ResponderExcluirGrande filme
ResponderExcluirGrande filme
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