Edna Ferber e Anthony Mann |
A Metro-Goldwyn-Mayer acreditou que
poderia reeditar o colossal sucesso de “Ben-Hur” com outra superprodução, desta
vez refilmando o livro de Edna Ferber que conta a saga dos pioneiros
fundadores do Território (depois Estado) de Oklahoma. Mais ainda porque a
primeira versão para o cinema, produzida em 1931 foi sucesso de crítica e
público, recebendo até o Oscar de Melhor Filme, o que, no gênero western, só se
repetiria quase 60 anos depois com “Dança com Lobos” (Dances with the Wolves).
Anthony Mann era então o mais aclamado diretor de faroestes da década passada,
mais até que John Ford. E foi Mann o nome escolhido pela MGM para dirigir o
épico orçado em cinco milhões de dólares que, à frente de um grande elenco,
teria os nomes de Glenn Ford e Maria Schell. Ford, depois de muitos anos preso
à Columbia, assinara um vantajoso contrato com a Metro onde era o principal astro.
A vienense Maria Schell vinha de receber um Oscar de Melhor Atriz por sua
interpretação como ‘Grushenka’, em “Os Irmãos Karamazov”. A receita para o
sucesso parecia infalível mas o resultado foi muito diferente do que se
esperava pois “Cimarron” recebeu críticas pouco
elogiosas, o público não se interessou em vê-lo e o filme deu um enorme
prejuízo. Instado a falar sobre “Cimarron”, Anthony Mann disse: “Aquilo não é um filme. É uma tragédia”.
Glenn Ford e Maria Schell |
Um
homem inquieto - Assim como fez com o Texas em “Giant” (Assim Caminha a
Humanidade), Edna Ferber escreveu um volumoso livro narrando a ocupação do
Território de Oklahoma iniciada em 1889 e seu desenvolvimento, chegando até os
anos 30. Os personagens centrais do livro são o ex-cowboy Yancey Cravat e sua
esposa Sabra, vividos no filme por Glenn Ford e Maria Schell. Recém-casados ele
decide participar da ‘Oklahoma Land Rush’, a corrida por terras
disponibilizadas pelo governo para ocupação da enorme área em território
próximo às terras de índios Cherokee. Ao invés de se estabelecer como
fazendeiro como os demais participantes da corrida, Yancey prefere criar um
jornal levando vida modesta enquanto amigos seus se tornam ricos com a
descoberta de petróleo em suas terras. Yancey dá provas de grande coragem e
destreza enfrentando bandidos, o que lhe granjeia fama a ponto de ser indicado
para o cargo de Governador de Oklahoma. Ele que antes passara longos anos
vagando pelas terras do Norte, chegando ao Alaska e depois a Cuba, deixando a
esposa e filho em Oklahoma. Ela é quem faz do pequeno jornal uma influente
publicação, tornando-se mulher poderosa enquanto Yancey, mais uma vez decide
sair pelo mundo. Com a eclosão da 1.ª Guerra Mundial se engaja e falece em
batalha. Ainda assim Yancey Cravat recebe uma homenagem póstuma em forma de
estátua por ter sido um valente e pioneiro desbravador.
Glenn Ford e Russ Tamblyn |
História
desencontrada - Os 247 minutos de duração de “Cimarron” não foram
suficientes para que a saga fosse bem desenvolvida e um dos problemas maiores
deste western é a desconexão entre os diversos episódios apresentados.
Personagens que deveriam ter maior importância na história têm suas
participações reduzidas, como é o caso de ‘Dixie’ (Anne Baxter), a prostituta
que se torna dona de um bordel na cidade de Osage, onde se desenrola a maior
parte da história. Isto quando não desaparecem simplesmente sem deixar
vestígios. Sequências mal explicadas como a que a mesma ‘Dixie’ ludibria Yancey
durante a corrida pelas terras, fincando sua estaca no local por ele escolhido,
repetem-se durante todo o filme. Estávamos em 1960 quando das filmagens,
momento em que os Direitos Humanos ganharam espaço na política norte-americana
com os Kennedy, Martin Luther King e outros. O roteiro então coloca um casal de
índios como vítima do preconceito de homens brancos, não faltando o linchamento de um nativo. Essa situação valeu ao menos para uma boa sequência
de ação com Yancey reagindo em legítima defesa ao enforcador (Charles McGraw),
matando-o. Outra excelente sequência é quando os bandidos ‘Cherokee Kid’ (Russ
Tamblyn) e Wes (Vic Morrow) invadem uma escola ao fugir após assaltar o banco e
Yancey acaba matando Wes após este atirar no parceiro malfeitor.
A corrida pelas terras |
A
espetacular corrida por terras - A maior parte do orçamento de
“Cimarron” foi gasta com centenas de extras, cavalos e carroções, além de
veículos de outros tipos que participaram da monumental ‘Land Rush’. Filmado em
Cinemascope, o western tem como ponto alto a corrida dirigida por Mann e que
resultou empolgante, ainda que poderia conter uma riqueza maior de detalhes e
ser um pouco mais longa. Oras, se há boas sequências, porque “Cimarron”
fracassou? As incertezas de Yancey Cravat mudando de projetos de vida e
afastando-se por dois longos períodos, dando ao pioneiro a característica de
aventureiro inquieto, o torna um alguém não idealista mas sim desajustado,
mesmo com mulher, filho e um jornal para tocar. E o jornal que deveria ser a
razão de sua vida é deixado para trás pois as aventuras que o esperam (e que o
filme nunca específica) são mais importantes. O comportamento errôneo de Yancey
afinal dá margem à submissa e lacrimosa esposa Sabra revelar-se emérita
jornalista, empreendedora arrojada e vitoriosa, enquanto Yancey simplesmente
desaparece mal justificando a razão da fama e homenagens póstumas recebidas.
The Land Rush: a largada e a corrida |
Anne Baxter e Maria Schell |
Diálogos
risíveis - Anthony Mann cunhou seus westerns com realismo e carga
psicológica raros ao gênero, características que nem de longe são vistas em
“Cimarron”. O único e melhor momento deste melodramático faroeste se dá quando
Sabra e ‘Dixie’ discutem com a cafetina dizendo
“não sou a prostituta de coração de ouro que se vê em livros; caso o tivesse
(coração de ouro) o venderia pelo dobro do preço que vale”. E o pobre
espectador nunca descobre o que houve de fato entre ‘Dixie’ e Yancey apesar da
insinuação de terem sido mais que amigos. Num filme em que a quase totalidade
dos diálogos é opaca rescendendo aos clichês, essa frase é uma feliz exceção. A
certa altura Yancey toma seu filho de três anos no colo e diz a ele: “Não esqueça de dizer aos seus netos que
você viu o dia em que esta cidade se tornou civilizada”. Um constrangido
Glenn Ford teve que pronunciar a insossa frase sabe-se lá se atribuída ao
roteirista Arnold Schulman.
A estátua de Yancey Cravat |
Adaptação
falha - Anthony Mann se desentendeu com o produtor Edmund
Grainger porque queria o máximo de sequências filmadas em locações. Por sua vez
o produtor impôs que todas as sequências que pudessem ser rodadas em estúdio
seriam filmadas ‘indoor’ em Hollywood e não no Arizona. A maior parte de
“Cimarron” já estava pronta quando Mann foi afastado da direção sendo
substituído por Charles Walters. Portanto a maior parcela de responsabilidade
sobre o filme é de Anthony Mann, ele que já havia sido afastado da direção de
“A Passagem da Noite” (The Night Passage), western de 1957. E não se pode dizer
que o problema residiria no fato de Mann ser bom em filmes menos pretensiosos
pois a seguir dirigiu “El Cid”, elogiada superprodução. O que mais contribuiu
para que “Cimarron” resultasse na ‘tragédia’ que foi, como disse Anthony Mann
foi o roteiro que adaptou o livro de Edna Ferber com alterações que devem ter desgostado
a escritora. No livro, por exemplo, Yancey morre ao defender trabalhadores nos
campos de petróleo e não em uma batalha na 1.ª Grande Guerra, o que seria de
menos diante do escopo principal da obra da senhora Ferber. As figuras
femininas sempre tiveram destaque em seus livro e a forma como o roteiro tratou
e reduziu Sabra Cravat foi determinante para que a história perdesse muito de
sua força sem que conseguisse dar a Yancey Cravat a importância e grandeza
necessárias.
Glenn Ford e Arthur O'Connell |
Personagens
eternamente jovens - “Cimarron” concorreu aos prêmios
Oscar de Direção de Arte e Som, perdendo em ambas categorias. O expressivo
elenco sofre com a pouca participação e coerência de seus personagens, além de
o departamento de make-up esquecer de envelhecer convenientemente Aline
MacMahon e Arthur O’Connell que permanecem praticamente iguais sem que as
quatro décadas passem para eles. Assim como inconvincente é o envelhecimento de
Glenn Ford e Maria Schell que igualmente parecem terem descoberto o elixir da
juventude. Ford e Maria viveram, na vida real, um intenso romance durante as
filmagens (segundo relato de Peter Ford, filho de Glenn), o que aparentemente
pouco ajudou nas sequências amorosas entre ambos. O destaque do elenco ficou para
Anne Baxter como ‘Dixie’, por quem Yancey sente forte atração mas
estoicamente jamais sucumbe à sedução.
Mercedes McCambridge passa quase incógnita no filme deixando que os referidos
Aline MacMahon e Arthur O’Connell superatuarem. Russ Tamblyn, Vic Morrow e Charles
McGraw são os homens maus, com o jovem Russ com outra boa atuação.
Western
final de Anthony Mann - “Cimarron” foi o primeiro grande
fracasso de Glenn Ford na Metro, o qual seria seguido do insucesso de “Os
Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, do mesmo estúdio, enquanto Maria Schell, por
sua vez retornaria à Europa. Último western da filmografia de Anthony Mann e
fecho nada brilhante para a série de grandes farostes que realizou na década.
Houve uma série produzida para a televisão intitulada “Cimarron” (Cimarron
Strip), estrelada por Stuart Whitman e que ficou apenas uma temporada no ar,
série nenhuma ligação tem com o livro ou personagens de Edna Ferber.
Fragmento do pôster italiano de "Cimarron".
Grande Darci, obrigado pela dica em forma de resenha. Nunca assisti a este desnecessário remake. Já o legítimo Cimarron, de 1931, esse sim já pude contemplar por mais de 3 vezes. O premiado filme de Wesley Ruggles para a RKO é muito mais fiel à obra da Senhora Ferber, incluindo o envelhecimento mais que convincente dos personagens. Abração!
ResponderExcluirOlá, Thomaz - Preferi primeiro rever este Cimarron antes de assistir ao premiado western de 1931 que você generosamente me presenteou. O qual agradeço (mais um entre tantos filmes que têm me mandado). Em seguida pretendo resenhar o Cimarron de Wesley Ruggles.
ExcluirUm filme de beleza plástica muito bonito, imagens grandiosas e a corrida de carroças muito bem filmada, graças ao technicolor e o padrão cinemascope. Mas ficou só nisso aí. Grandes atores interpretando personagens pouco interessantes e abaixo de sua capacidade. Inclusive o próprio Glenn Ford e Maria Schell, de quem fiquei fã ao vê-la em A ÁRVORE DOS ENFORCADOS. Um filme longo, arrastado sem uma linha definida a ser seguida. Os personagens vem e vão sem dizer porque vieram. Ruim de arder, é a conclusão final, infelizmente.
ResponderExcluirSou professor de Geografia e utilizo o filme Cimarron para as turmas de 2º ano do Ensino Médio como um épico sobre o final da selvagem Marcha para Oeste e o início do imperialismo norte-americano, alcançado através da 2ª Revolução Industrial, por via da indústria automobilística e da transformação dos pioneiros em uma elite social conservadora. Com este objetivo, o filme torna-se ímpar, apesar dos problemas já citados, pois apresenta como contraponto o próprio Yancey, cujo personagem encarna os incômodos valores de liberdade e justiça, tão propaladas nos discursos hipócritas dessa mesma elite.
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