UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

14 de janeiro de 2016

O PROSCRITO (THE OUTLAW) – TRIÂNGULO HOMOSSEXUAL ENTRE MITOS DO VELHO OESTE


Os dois Howards:
acima Hughes; abaixo Hawks.
Se alguém citar o western “O Proscrito” (The Outlaw), logo vem à mente a figura provocante de Jane Russell deitada sobre um monte de feno. Filmado entre novembro de 1940 e fevereiro de 1941, este controvertido filme merece, no entanto, ser mais lembrado por uma ousadia ainda maior que a publicidade feita com as generosas e voluptuosas formas da então estreante atriz. Hollywood vivia sob a severa vigilância da censura imposta pelo Código Hays e, enquanto Joseph Breen e demais censores se preocupavam com a exposição de Jane Russell na tela e nos anúncios, “O Proscrito” contava a história de latente triângulo homossexual, o que o obcecado Breen e seus sequazes não perceberam. E não era um triângulo qualquer, mas sim entre os lendários Pat Garrett, Doc Holliday e Billy the Kid. Não há informações precisas sobre o pai da ideia de subverter a história ligando os três homens, podendo a invenção ser do autor do roteiro original Jules Furthman ou do produtor Howard Hughes. A grande importância de “O Proscrito” é ter dado ao western, até então considerado um gênero assexuado, uma nova dimensão a ser explorada a seguir pelo cinema com, por exemplo, “Duelo ao Sol” (Duel in the Sun), em 1946 e tantos outros westerns. Multimilionário que decidiu enveredar pelo cinema como segundo hobby (o primeiro era a aviação), Howard Hughes já havia produzido filmes de sucesso como “A Primeira Página” e “Scarface, A Vergonha de Uma Nação”, este último dirigido por Howard Hawks. Produtor independente, Hughes contratou Hanks para dirigir “O Proscrito”, incumbindo-o também de realizar os testes com candidatos a interpretar o bandido ‘Billy the Kid’ e a mocinha ‘Rio McDonald’, personagens do novo western. A condição imposta por Hughes era que os candidatos jamais tivessem atuado no cinema e Hawks aprovou o caixa de banco Jack Buetel (25 anos) e Jane Russell (19 anos). Para compensar o noviciado dos dois jovens, Hugues compôs o elenco principal com os experientes Thomas Mitchell (Pat Garrett) e Walter Huston (Doc Holliday). Howard Hawks deu início às filmagens e 15 dias depois cansara-se dos palpites de Hughes, abandonando o trabalho, e indo dirigir “Sargento York”. Hughes sequer cogitou contratar outro diretor, assumindo ele mesmo a direção de “O Proscrito”, imprimindo ao filme o tom erótico que tencionava desde o início, tanto nas tomadas focalizando os seios fartos de Jane Russell quanto no triângulo amoroso entre os mitos do Velho Oeste.


Acima Walter Huston com
Thomas Mitchell; abaixo
Huston com Jack Buetel.
Encontro e morte em Lincoln - Pat Garrett é o xerife do condado de Lincoln, no Novo México, e exultante reencontra o velho amigo Doc Holliday. Este procura por seu cavalo 'Red' que fora roubado por Wiliam Bonney, jovem pistoleiro apelidado ‘Billy the Kid’. Ao tentar reaver sua montaria Holliday se torna amigo de Billy, o que desgosta Pat Garrett. A recente amizade é estremecida por instantes devido ao cavalo que ainda não foi devolvido. Lado a lado com Garrett numa mesa de jogo de saloon, Billy é provocado e mata um homem em legítima defesa, pretexto para Garrett expulsá-lo do condado, com o que Doc não concorda. Billy the Kid é ferido por Pat Garrett e levado por Doc à casa de Rio McDonald, namorada de Holliday. A moça descobre que Billy havia matado seu irmão numa contenda e inicialmente tenta se vingar, porém enamora-se dele em seguida. Com Garrett no encalço da dupla, Doc, Kid e Rio fogem mas são alcançados pelo xerife. Os ex-amigos Garrett e Holliday se defrontam e Garrett leva a melhor, não conseguindo, no entanto prender Billy the Kid que parte em companhia de Rio.

Walter Huston e Jack Buetel

Walter Huston
Roteiro bizarro - O que salta aos olhos em “O Proscrito” é a total inacurácia em relação a fatos e personagens históricos pois Doc Holliday e Pat Garrett, nascidos respectivamente em 1850 e 1851, passariam tranquilamente neste filme por pais de Billy the Kid, nascido em 1859. Escolhido para ser Billy The Kid, a jovialidade de Jack Buetel contrasta com as figuras maduras de Thomas Mitchell e Walter Huston, reforçando a diferença de idade. Produzido com o alto orçamento de um milhão e meio de dólares, o roteiro de “O Proscrito” toma liberdades com a história como se fosse um western ‘B’ da Monogram ou da Republic Pictures destinado ao público infanto-juvenil das matinês. O cinema explorou diferentemente, em filmes posteriores, a conturbada relação entre Pat Garrett e Billy the Kid, mas aceitar que ambos se tornariam desafetos em razão de Billy atrapalhar a radiante amizade de Garrett com Doc Holliday chega a parecer roteiro nonsense de comédia de Mel Brooks. E o triângulo sofre ainda a ameaça da sensual Rio, deixada de lado por Doc e por Billy, estes dois mais interessados em disputar o cavalo ‘Red’ que os encantos da moça. E que não se leve a sério o final forçado e inconvincente com Billy the Kid trocando a misoginia pela companhia de Rio. 

Huston e Buetel
Holliday sem tosse e sem elegância - Howard Hughes filmou “O Proscrito” e nunca mais dirigiu filme algum ainda que não tenha se afastado da indústria cinematográfica (foi ele o principal responsável pela falência da RKO quando assumiu a presidência desse estúdio). Junte-se o pouco traquejo e falta de talento de Hughes a uma história errática, somada à inexperiência de Jack Buetel e Jane Russell e o resultado só poderia ser um desastre. Buetel e Russell disputam quadro a quadro quem atua pior, com Jane vencendo a renhida luta entre os dois. Thomas Mitchell ainda tenta salvar o “O Proscrito” levando-o a sério, o que não ocorre com Walter Huston que visivelmente atua zombeteiramente. Os trajes de cowboys dos veteranos atores são esquisitos para não dizer risíveis e mesmo fazendo cara de malvado, Mitchell compõe o mais pândego Pat Garrett do cinema. O mesmo vale para o Doc Holliday de Huston, sem nenhum sinal de ser um tísico e sem nenhum resquício da elegância com que Holliday desfilava pelas mesas de jogo do Velho Oeste. O que poderiam pensar os atores com suas falas expressando ciúmes uns pelos outros ao invés de se debaterem pela formosa Jane Russell?
           
Jack Buetel
Duelo sadomasoquista - Howard Hughes pretendia realizar um western não só com forte dose de erotismo mas também no limite do sadomasoquismo. Um enciumado Doc Holliday se defronta com Billy the Kid porque o jovem pistoleiro lhe roubou a namorada. Billy se recusa a sacar suas armas contra o amigo e este o força atirando contra sua orelha esquerda; em seguida despedaça a orelha direita de Billy sem que este esboce alguma reação pois prefere sofrer a matar o amigo que o tortura. Enquanto isso Pat Garrett torce para que Holliday atire para matar, o que permitiria que a velha amizade fosse revivida sem a interferência do intruso ladrão de cavalo. A ira de Garrett é motivada pelo tratamento ministrado por Rio ao ferido Billy the Kid. Febril mas sentindo frio, Billy é aquecido por Rio que se despe e se deita com seu corpo quente junto ao dele, sequência extirpada de todas as versões exibidas por atentar contra o Código Hays, num momento extraordinariamente erótico do cinema, valendo lembrar que o filme deveria ser lançado em 1941.

Dois disparos, um em cada orelha de Billy the Kid interpretado por Jack Buetel.

Walter Huston num cenário de estúdio
com o céu pintado em enorme painel.
Um western de estúdio - Howard Hawks filmou diversas sequências nas duas semanas em que esteve à frente de “O Proscrito”, trabalhando com Lucien Ballard como cinegrafista. Sabe-se que as sequências iniciais, quase todas externas, são de autoria de Hawks. Quando Hughes assumiu a direção, substituiu Ballard por Gregg Toland, diretor de fotografia de “Cidadão Kane”. Toland se viu então confinado a filmar muitas sequências em estúdio, o que comprometeu aquilo que poderia ser um dos grandes trunfos do filme, a fotografia. Howard Hughes encarregou Victor Young como diretor musical de seu western e o premiado compositor durante todo o filme faz variações sobre o tema principal, de autoria de Tchaikovski e que, apesar de melodioso, se torna cansativo ouvido ao longo da película. Victor Young fez uso ainda da canção folclórica “Trail to Mexico”. Estranhamente, para acompanhar as infindáveis ironias contidas nas falas dos principais personagens Young criou sons que melhor caberiam em desenhos animados.

Duas belas razões para ver Jane Russell.
Cinco anos de espera para ver o filme - Howard Hughes contratou Russell Birdwell, o mesmo publicitário responsável pelos truques da campanha que fez de “...E o Vento Levou” um sucesso sem precedentes. O mesmo Birdwell obteve êxito muito menor ao trabalhar para John Wayne em “O Álamo” (The Alamo). Para o lançamento de “O Proscrito”, a ênfase da campanha publicitária foram os seios de Jane Russell, sendo que uma das mais famosas frases que ilustravam os cartazes mostrando o irresistível decote de Jane Russell era: Quais são as duas melhores razões para ver Jane Russell em “O Proscrito”? Mas a censura liderada por Joseph Breen estava de olho no filme e o censor exigiu uma série de cortes para dar o selo de aprovação. Hughes concordou em cortar meros 30 segundos do filme que continuou sem o selo do Production Code. O produtor-diretor-empresário-aviador entrou na Justiça e conseguiu que, em 1943, o filme fosse exibido apenas em São Francisco, na Califórnia. “O Proscrito” ficou uma semana em exibição em meio a uma onda de protestos por parte das ligas de decência e entidades religiosas que se manifestaram contra a imoralidade que era aquele filme, no entender deles. A Fox o retirou de exibição e rompeu o contrato feito com Hughes para distribuição nos cinemas. Somente em 1946, após contendas judiciais e distribuição feita então pela United Artists, o público dos Estados Unidos pode, depois de cinco anos de ansiedade,  assistir a uma versão com alguns pequenos cortes daquele que era considerado o mais escandaloso filme produzido por Hollywood. Finalmente Hughes conseguiu o retorno do dinheiro investido pois seu filme foi um dos grandes sucessos do ano, rendendo três milhões de dólares nas bilheterias dos cinemas. Em 1948 Howard Hughes adquiriu a RKO Radio Pictures e vendeu “O Proscrito” para o estúdio, relançando-o e repetindo o sucesso com a reprise.

Jane Russell
O sutiã de Jane Russell - Howard Hughes tinha especial preferência por mulheres morenas, tendo se casado ou vivido com algumas brunettes. Especulou-se que Hughes teria tido um caso com Jane Russell durante as filmagens, mas o cinegrafista Lucien Ballard afirmou que, se Hughes manteve caso com alguém durante o filme isso só pode ter ocorrido com Jack Buetel. Segundo Ballard, Hughes não desgrudava do jovem e bonito ator, a quem manteve sob contrato por longos anos, impedindo-o de atuar em outros filmes e sacrificando sua carreira. Quando Howard Hawks iniciou os projetos para “Rio Vermelho” (Red River), tencionava ter Buetel ao lado de John Wayne, mas Howard Hughes não cedeu o ator que era seu contratado. Hawks então colocou outro jovem (Montgomery Clift), muito parecido com Buetel em seu filme. Bastante se falou também do sutiã especial que Hughes teria desenhado para Jane Russell usar durante o filme, realçando seus seios. A atriz contou, anos depois, que o sutiã criado por Hughes a machucava e ela só o usou por uma vez, preferindo os próprios sutiãs, sem que o diretor soubesse. A atriz, também contratada de Hughes, conseguiu se livrar do patrão-carrasco e construir carreira sem precisar se submeter à humilhação de ter fazer de seus seios a atração principal de um filme.

Sequência jamais vista - “O Proscrito” é daqueles filmes que não se pode deixar de assistir pois, tendo gerado tantas histórias e controvérsias, torna-se obrigatório. E há sim, pelo menos uma sequência memorável, o sadomasoquismo com Billy the Kid tendo parte de suas orelhas arrancadas pelas balas do revólver de Pat Garrett. Infelizmente, nunca mais poderá ser vista na íntegra a sequência em que Rio, nua, ajuda a aquecer o débil Billy the Kid na cama, mas está lá o longo e rancoroso discurso de Pat Garrett para Doc Holliday: “Eu deveria saber que um dia você faria isso comigo. Desde que você conheceu Billy the Kid você tem me tratado como um cachorro. Você agora passa o tempo todo ao lado desse garoto e se esquece que eu sempre fui seu melhor amigo. E ainda seria seu melhor amigo se ele não tivesse aparecido”.

  
O início da famosa sequência cortada de todas as versões;
à direita a queixa de Rio por ser preterida por um cavalo por Billy.

O generoso decote de Jane Russell.

Estrategicamente em destaque os seios de Jane Russell.

Acima e abaixo pôster diversos de "O Proscrito", todos em comum
destacando e até exagerando os seios fartos de Jane Russell.


5 comentários:

  1. Howdy!

    We love your blog and we just want to let you know that we've nominated you for a Liebster Blog Award! we hadn't heard of this but it's a fun way to recommend other blogs so yours is one of the first we thought of!
    (Look for the questions that are multilingual at the bottom of the post)

    Best wishes,
    Jica and Lou

    http://western-mood.blogspot.ch/2016/01/we-have-liebster-award.html

    ResponderExcluir
  2. Achei o filme um cocô.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lento e de outra época irmão . 1943 né !

      Excluir
    2. Tem que analisar com outro relógio.
      Eles tinham tempo e as histórias real lentas mesmo...

      Excluir
  3. Não entendi o triângulo homossexual??? Ele se apaixona pela garota de Dock apenas ...

    ResponderExcluir