Os dois Howards: acima Hughes; abaixo Hawks. |
Se alguém citar o western “O Proscrito”
(The Outlaw), logo vem à mente a figura provocante de Jane Russell
deitada sobre um monte de feno. Filmado entre novembro de 1940 e fevereiro de
1941, este controvertido filme merece, no entanto, ser mais lembrado por uma
ousadia ainda maior que a publicidade feita com as generosas e voluptuosas
formas da então estreante atriz. Hollywood vivia sob a severa vigilância da
censura imposta pelo Código Hays e, enquanto Joseph Breen e demais censores se
preocupavam com a exposição de Jane Russell na tela e nos anúncios, “O
Proscrito” contava a história de latente triângulo homossexual, o que o obcecado
Breen e seus sequazes não perceberam. E não era um triângulo qualquer, mas sim
entre os lendários Pat Garrett, Doc Holliday e Billy the Kid. Não há
informações precisas sobre o pai da ideia de subverter a história ligando os
três homens, podendo a invenção ser do autor do roteiro original Jules Furthman
ou do produtor Howard Hughes. A grande importância de “O Proscrito” é ter dado
ao western, até então considerado um gênero assexuado, uma nova dimensão a ser
explorada a seguir pelo cinema com, por exemplo, “Duelo ao Sol” (Duel in
the Sun), em 1946 e tantos outros westerns. Multimilionário que
decidiu enveredar pelo cinema como segundo hobby (o primeiro era a aviação),
Howard Hughes já havia produzido filmes de sucesso como “A Primeira Página” e
“Scarface, A Vergonha de Uma Nação”, este último dirigido por Howard Hawks. Produtor
independente, Hughes contratou Hanks para dirigir “O Proscrito”, incumbindo-o
também de realizar os testes com candidatos a interpretar o bandido ‘Billy the
Kid’ e a mocinha ‘Rio McDonald’, personagens do novo western. A condição imposta por Hughes era
que os candidatos jamais tivessem atuado no cinema e Hawks aprovou o caixa de
banco Jack Buetel (25 anos) e Jane Russell (19 anos). Para compensar o
noviciado dos dois jovens, Hugues compôs o elenco principal com os experientes
Thomas Mitchell (Pat Garrett) e Walter Huston (Doc Holliday). Howard Hawks deu
início às filmagens e 15 dias depois cansara-se dos palpites de Hughes,
abandonando o trabalho, e indo dirigir “Sargento York”. Hughes sequer cogitou
contratar outro diretor, assumindo ele mesmo a direção de “O Proscrito”,
imprimindo ao filme o tom erótico que tencionava desde o início, tanto nas tomadas
focalizando os seios fartos de Jane Russell quanto no triângulo amoroso entre
os mitos do Velho Oeste.
Acima Walter Huston com Thomas Mitchell; abaixo Huston com Jack Buetel. |
Encontro
e morte em Lincoln - Pat Garrett é o xerife do condado de
Lincoln, no Novo México, e exultante reencontra o velho amigo Doc Holliday.
Este procura por seu cavalo 'Red' que fora roubado por Wiliam Bonney, jovem pistoleiro
apelidado ‘Billy the Kid’. Ao tentar reaver sua montaria Holliday se torna
amigo de Billy, o que desgosta Pat Garrett. A recente amizade é estremecida por instantes devido ao cavalo que ainda não foi devolvido. Lado a lado com Garrett numa mesa de jogo de saloon, Billy é provocado e mata um
homem em legítima defesa, pretexto para Garrett expulsá-lo do condado, com o
que Doc não concorda. Billy the Kid é ferido por Pat Garrett e levado por Doc à
casa de Rio McDonald, namorada de Holliday. A moça descobre que Billy havia matado seu
irmão numa contenda e inicialmente tenta se vingar, porém enamora-se dele em
seguida. Com Garrett no encalço da dupla, Doc, Kid e Rio fogem mas são
alcançados pelo xerife. Os ex-amigos Garrett e Holliday se defrontam e Garrett
leva a melhor, não conseguindo, no entanto prender Billy the Kid que parte em
companhia de Rio.
Walter Huston e Jack Buetel |
Walter Huston |
Roteiro
bizarro - O que salta aos olhos em “O Proscrito” é a total
inacurácia em relação a fatos e personagens históricos pois Doc Holliday e Pat
Garrett, nascidos respectivamente em 1850 e 1851, passariam tranquilamente neste
filme por pais de Billy the Kid, nascido em 1859. Escolhido para ser Billy The
Kid, a jovialidade de Jack Buetel contrasta com as figuras maduras de Thomas
Mitchell e Walter Huston, reforçando a diferença de idade. Produzido com o alto
orçamento de um milhão e meio de dólares, o roteiro de “O Proscrito” toma
liberdades com a história como se fosse um western ‘B’ da Monogram ou da
Republic Pictures destinado ao público infanto-juvenil das matinês. O cinema
explorou diferentemente, em filmes posteriores, a conturbada relação entre Pat Garrett e Billy
the Kid, mas aceitar que ambos se tornariam desafetos em razão de Billy
atrapalhar a radiante amizade de Garrett com Doc Holliday chega a parecer
roteiro nonsense de comédia de Mel Brooks. E o triângulo sofre ainda a ameaça da
sensual Rio, deixada de lado por Doc e por Billy, estes dois mais interessados
em disputar o cavalo ‘Red’ que os encantos da moça. E que não se leve a sério o
final forçado e inconvincente com Billy the Kid trocando a misoginia pela
companhia de Rio.
Huston e Buetel |
Holliday
sem tosse e sem elegância - Howard Hughes filmou “O Proscrito”
e nunca mais dirigiu filme algum ainda que não tenha se afastado da indústria
cinematográfica (foi ele o principal responsável pela falência da RKO quando
assumiu a presidência desse estúdio). Junte-se o pouco traquejo e falta de
talento de Hughes a uma história errática, somada à inexperiência de Jack
Buetel e Jane Russell e o resultado só poderia ser um desastre. Buetel e Russell disputam quadro a quadro quem atua pior, com Jane vencendo a renhida luta entre os dois. Thomas Mitchell
ainda tenta salvar o “O Proscrito” levando-o a sério, o que não ocorre com
Walter Huston que visivelmente atua zombeteiramente. Os trajes de cowboys dos
veteranos atores são esquisitos para não dizer risíveis e mesmo fazendo cara de
malvado, Mitchell compõe o mais pândego Pat Garrett do cinema. O mesmo vale
para o Doc Holliday de Huston, sem nenhum sinal de ser um tísico e sem nenhum
resquício da elegância com que Holliday desfilava pelas mesas de jogo do Velho
Oeste. O que poderiam pensar os atores com suas falas expressando ciúmes uns
pelos outros ao invés de se debaterem pela formosa Jane Russell?
Jack Buetel |
Duelo
sadomasoquista - Howard Hughes pretendia realizar um western não só com
forte dose de erotismo mas também no limite do sadomasoquismo. Um enciumado Doc
Holliday se defronta com Billy the Kid porque o jovem pistoleiro lhe roubou a
namorada. Billy se recusa a sacar suas armas contra o amigo e este o força atirando
contra sua orelha esquerda; em seguida despedaça a orelha direita de Billy sem
que este esboce alguma reação pois prefere sofrer a matar o amigo que o tortura.
Enquanto isso Pat Garrett torce para que Holliday atire para matar, o que
permitiria que a velha amizade fosse revivida sem a interferência do intruso
ladrão de cavalo. A ira de Garrett é motivada pelo tratamento ministrado por
Rio ao ferido Billy the Kid. Febril mas sentindo frio, Billy é aquecido por Rio
que se despe e se deita com seu corpo quente junto ao dele, sequência extirpada
de todas as versões exibidas por atentar contra o Código Hays, num momento
extraordinariamente erótico do cinema, valendo lembrar que o filme deveria ser
lançado em 1941.
Dois disparos, um em cada orelha de Billy the Kid interpretado por Jack Buetel. |
Walter Huston num cenário de estúdio com o céu pintado em enorme painel. |
Um
western de estúdio - Howard Hawks filmou diversas
sequências nas duas semanas em que esteve à frente de “O Proscrito”,
trabalhando com Lucien Ballard como cinegrafista. Sabe-se que as sequências
iniciais, quase todas externas, são de autoria de Hawks. Quando Hughes assumiu
a direção, substituiu Ballard por Gregg Toland, diretor de fotografia de “Cidadão
Kane”. Toland se viu então confinado a filmar muitas sequências em estúdio, o
que comprometeu aquilo que poderia ser um dos grandes trunfos do filme, a fotografia. Howard
Hughes encarregou Victor Young como diretor musical de seu western e o premiado
compositor durante todo o filme faz variações sobre o tema principal, de
autoria de Tchaikovski e que, apesar de melodioso, se torna cansativo ouvido ao
longo da película. Victor Young fez uso ainda da canção folclórica “Trail to Mexico”.
Estranhamente, para acompanhar as infindáveis ironias contidas nas falas dos
principais personagens Young criou sons que melhor caberiam em desenhos animados.
Duas belas razões para ver Jane Russell. |
Cinco
anos de espera para ver o filme - Howard Hughes contratou Russell
Birdwell, o mesmo publicitário responsável pelos truques da campanha que fez de
“...E o Vento Levou” um sucesso sem precedentes. O mesmo Birdwell obteve êxito
muito menor ao trabalhar para John Wayne em “O Álamo” (The Alamo). Para o
lançamento de “O Proscrito”, a ênfase da campanha publicitária foram os seios de
Jane Russell, sendo que uma das mais famosas frases que ilustravam os cartazes
mostrando o irresistível decote de Jane Russell era: Quais são as duas melhores
razões para ver Jane Russell em “O Proscrito”? Mas a censura
liderada por Joseph Breen estava de olho no filme e o censor exigiu uma série
de cortes para dar o selo de aprovação. Hughes concordou em cortar meros 30
segundos do filme que continuou sem o selo do Production Code. O
produtor-diretor-empresário-aviador entrou na Justiça e conseguiu que, em 1943,
o filme fosse exibido apenas em São Francisco, na Califórnia. “O Proscrito” ficou
uma semana em exibição em meio a uma onda de protestos por parte das ligas de
decência e entidades religiosas que se manifestaram contra a imoralidade que era
aquele filme, no entender deles. A Fox o retirou de exibição e rompeu o contrato feito com Hughes
para distribuição nos cinemas. Somente em 1946, após contendas judiciais e
distribuição feita então pela United Artists, o público dos Estados Unidos pode,
depois de cinco anos de ansiedade, assistir a uma versão com alguns pequenos
cortes daquele que era considerado o mais escandaloso filme produzido por Hollywood. Finalmente Hughes conseguiu o retorno do dinheiro investido pois seu
filme foi um dos grandes sucessos do ano, rendendo três milhões de dólares nas
bilheterias dos cinemas. Em 1948 Howard Hughes adquiriu a RKO Radio Pictures e
vendeu “O Proscrito” para o estúdio, relançando-o e repetindo o sucesso com a
reprise.
Jane Russell |
O
sutiã de Jane Russell - Howard Hughes tinha especial preferência
por mulheres morenas, tendo se casado ou vivido com algumas brunettes. Especulou-se que
Hughes teria tido um caso com Jane Russell durante as filmagens, mas o
cinegrafista Lucien Ballard afirmou que, se Hughes manteve caso com alguém
durante o filme isso só pode ter ocorrido com Jack Buetel. Segundo Ballard, Hughes
não desgrudava do jovem e bonito ator, a quem manteve sob contrato por longos
anos, impedindo-o de atuar em outros filmes e sacrificando sua carreira. Quando
Howard Hawks iniciou os projetos para “Rio Vermelho” (Red River), tencionava
ter Buetel ao lado de John Wayne, mas Howard Hughes não cedeu o ator que era
seu contratado. Hawks então colocou outro jovem (Montgomery Clift), muito
parecido com Buetel em seu filme. Bastante se falou também do sutiã especial
que Hughes teria desenhado para Jane Russell usar durante o filme, realçando
seus seios. A atriz contou, anos depois, que o sutiã criado por Hughes a
machucava e ela só o usou por uma vez, preferindo os próprios sutiãs, sem que o
diretor soubesse. A atriz, também contratada de Hughes, conseguiu se livrar do
patrão-carrasco e construir carreira sem precisar se submeter à humilhação de
ter fazer de seus seios a atração principal de um filme.
Sequência
jamais vista - “O Proscrito” é daqueles filmes que não se pode deixar de
assistir pois, tendo gerado tantas histórias e controvérsias, torna-se obrigatório. E
há sim, pelo menos uma sequência memorável, o sadomasoquismo com Billy the Kid
tendo parte de suas orelhas arrancadas pelas balas do revólver de Pat Garrett. Infelizmente,
nunca mais poderá ser vista na íntegra a sequência em que Rio, nua, ajuda a aquecer o débil Billy the Kid na cama, mas está lá o longo e rancoroso discurso de Pat Garrett para
Doc Holliday: “Eu deveria saber que um
dia você faria isso comigo. Desde que você conheceu Billy the Kid você tem me
tratado como um cachorro. Você agora passa o tempo todo ao lado desse garoto e
se esquece que eu sempre fui seu melhor amigo. E ainda seria seu melhor amigo se ele não tivesse
aparecido”.
O início da famosa sequência cortada de todas as versões; à direita a queixa de Rio por ser preterida por um cavalo por Billy. |
O generoso decote de Jane Russell. |
Estrategicamente em destaque os seios de Jane Russell. |
Acima e abaixo pôster diversos de "O Proscrito", todos em comum destacando e até exagerando os seios fartos de Jane Russell. |
Howdy!
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Best wishes,
Jica and Lou
http://western-mood.blogspot.ch/2016/01/we-have-liebster-award.html
Achei o filme um cocô.
ResponderExcluirLento e de outra época irmão . 1943 né !
ExcluirTem que analisar com outro relógio.
ExcluirEles tinham tempo e as histórias real lentas mesmo...
Não entendi o triângulo homossexual??? Ele se apaixona pela garota de Dock apenas ...
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