Acima Rubens Ewald Filho; abaixo o fã Décio 'Rory Calhoun' Mafessoni. |
Há inúmeras enciclopédias dedicadas ao
gênero western, mas nem sempre se consegue encontrar informações sobre o que se
busca nessas obras. Um exemplo é o faroeste “O Derradeiro Assalto” (Four Guns
to the Border), de 1954, dirigido por Richard Carlson, filme solenemente
ignorado por Phil Hardy em sua excelente ‘The Overlook Film Encyclopedia: The
Western’. A dupla Les Adams-Buck Rainey no pioneiro ‘Shoot-Em-Ups’ cita apenas
a ficha técnica do faroeste de Carlson. Quatro linhas é tudo que Herb Fagen
dedicou a esse filme em seu trabalho ‘The Encyclopedia of Westerns’. Para os
guias de filmes de Leonard Maltin “O Derradeiro Assalto” simplesmente não existe, assim como o importante “The Hollywood
Western” do historiador William K. Everson também não faz menção a esse filme. Diante
desse desprezo pode-se concluir que “O Derradeiro Assalto” seja um daqueles inúmeros
faroestes sofríveis e rotineiros, sem nenhum atrativo. Nosso Rubens Ewald Filho
partilha dessa opinião, em seu primeiro livro editado em 1975 com o título “Os
Filmes de Hoje na TV”, onde sapeca uma solitária estrela como cotação em quatro
estrelas possíveis a “O Derradeiro Assalto”. Uma única pessoa enaltece esse
faroeste estrelado por Rory Calhoun, e é justamente o maior fã brasileiro desse
ator. O nome do fã é Décio Mafessoni que, na enquete da revista PARDNER feita
em junho de 1999, relacionou “O Derradeiro Assalto” como um dos cinco melhores
faroestes que assistiu. Quem teria razão, os críticos e autores ou o gaúcho
Décio Mafessoni?
Charles Drake e Rory Calhoun; Calhoun e Colleen Miller. |
Quatro
homens e um assalto - Quem escreveu o original de “O
Derradeiro Assalto” foi Louis L’Amour, autor de mais de uma centena de
histórias de faroestes, entre elas “Hondo” (Caminhos Ásperos). O roteiro foi
feito pela dupla Franklin Cohen e George Van Marter, ficando a direção para
Richard Carlson em seu segundo trabalho como diretor. Carlson é mais lembrado
como um dos cientistas de “O Monstro da Lagoa Negra”, grande sucesso de público
produzido em 1954, mesmo ano em que Carlson passou para trás das câmaras para
filmar a história de Louis L’Amour. E Carlson interpretou o Coronel William B.
Travis em “A Última Barricada” (The Last Command), a versão do cerco do Álamo
da Republic Pictures. Em “O Derradeiro Assalto” Ray Cully (Rory Calhoun),
Dutch (John McIntire), Bronco (George Nader) e Yaqui (Jay Silverheels) são
quatro foras-da-lei que roubam o banco da cidade texana de Cholla, próximo à
fronteira mexicana. Na fuga encontram Simon Bhumer (Walter Breenan) e sua filha
Lolly Bhumer (Collen Miller) que rumam para a fazenda de Simon. Uma patrulha
liderada por Jim Flannery (Charles Drake), xerife de Cholla, caça o quarteto.
Flannery e Cully se conhecem de outros tempos, tendo disputado a mesma mulher
chamada Maggie (Nina Foch) que se casou com Flannery. Cully percebe que Lolly
sente atração por ele e se aproxima da jovem, contrariando ordem de Simon
Bhumer que ameaça Cully. Todos se encontram em território infestado por apaches
que os atacam mas acabam sendo rechaçados. Cully e Flannery decidem acertar
suas contas pessoais mas inesperadamente Cully se entrega evitando um duelo
fatal. O bandido espera que a Justiça o puna com uma pena curta possibilitando uma
vida futura ao lado de Lolly.
Collen Miller, sempre provocante. |
Desejos
libertados - O que poderia ser uma história simples de roubo a banco
com perseguição aos assaltantes e índios em pé de guerra atacando os brancos
transforma-se sob a direção de Richard Carlson num intenso faroeste. E
seguramente um dos mais eróticos dos anos 50. Naqueles anos, no cinema
norte-americano, mulheres em meio a bandos de homens despertando os desejos
naturais era uma situação só permitida quando mostrada obliquamente, isto pelo
compreensível medo da censura. “Matar ou Morrer” (High Noon) e “Shane” (Os
Brutos Também Amam) são exemplos perfeitos de como eram filmadas as relações
entre homens e mulheres. Mesmo em 1956 John Ford apenas insinua o adultério
entre cunhados em “Rastros de Ódio” (The Searchers), embora Delmer Daves tenha
abertamente mostrado esposa traindo o marido em “Ao Despertar da Paixão”
(Jubal). Ainda na década de 40, em “Duelo ao Sol” (Duel in the Sun) King Vidor
explorou magnificamente a sensualidade de Jennifer Jones. E eis que em um
western de pequeno orçamento, Richard Carlson faz mínimo uso de alegorias e
cria situações de alta eroticidade com o comportamento provocante de Lolly e a
lubricidade que provoca nos homens à sua volta.
A derrière de Collen Miller presente em várias tomadas de câmara. |
Collen Miller antecipando a Lolita de Vladimir Nabokov. |
Lolly/Lolita
O olhar da moça diante dos pirulitos que delicadamente irá
lamber e o modo como sacode a salsaparrilha antes de levá-la à boca é algo
jamais presenciado em um faroeste. E longe de esbarrar no impudor pois afinal
Lolly é uma quase Lolita que Vladimir Nabokov tornaria célebre em seu romance
que ainda escrevia em 1954. Bronco se insinua romanticamente presenteando Lolly
com um tecido mas é Cully quem brutalmente liberta a sexualidade da moça. Essa
brilhante sequência se inicia num claustrofóbico armazém que serve de ponto de
encontro de bandidos, numa noite chuvosa, tendo como cenário uma cocheira onde
Cully acende os desejos da jovem, enriquecendo a trama do filme e desafiando a
censura. Aqueles eram tempos em que quase nada se via do corpo de uma mulher na
tela, a não ser que fosse ela corista de musicais. Em “O Derradeiro Assalto” a
câmara do cinegrafista Russell Metty focaliza insistentemente o trazeiro de Collen
Miller, cujas roupas se rasgam ou são rasgadas no colo e na perna; a moça
despudoradamente passeia sua seminudez pelo alojamento até ser abraçada e
beijada por Cully. A princípio Lolly tenta reagir mas entrega-se febrilmente em
tórrida sequência com ambos molhados pela chuva. A providencial chegada do pai
ocorre apenas para que mais não fosse mostrado e o filme pudesse ser exibido.
Três beijos sensualíssimos entre Rory Calhoun e Colleen Miller. |
Rory Calhoun |
Roteiro
incomum - Outra subtrama de “O Derradeiro Assalto” é o reencontro
dos desafetos Cully e o xerife Flannery, ex-companheiros de crime. Redimido,
Flannery tem que evitar que seu passado venha à tona em Cholla, mesmo com Cully
invadindo sua casa e provocando sua esposa. Ao final os dois homens se
enfrentam e o western de Carlson foge completamente do aguardado clichê do
duelo mortal. Cully percebe que é o momento de uma crucial decisão e resigna-se
a se entregar à Justiça, forma única de poder encontrar a paz e a felicidade
com a jovem Lolly. Três dos quatro bandidos almejam uma vida fora do crime:
Dutch quer comprar um rancho; Yaqui quer construir um altar na igreja de sua
cidade; Bronco quer se casar. Essas aspirações justificam o derradeiro assalto.
Ray Cully vê seu ex-comparsa Jim Flannery viver uma nova e respeitosa vida com
a mulher que um dia foi de Cully; Dutch, o mais velho do bando foi companheiro
do velho Simon Bhumer quando ambos eram malfeitores. Flannery e Bhumer são
exemplos a seguir, o que faz com que o destino do dinheiro roubado do banco seja
igualmente incomum. Nenhum dos bandidos disputa ávida e egoisticamente o
produto do roubo e Cully o deixa para Dutch e este para Bronco; daí para Yaqui
que o usa para atingir um índio durante o ataque. Menos feliz o roteiro apenas
com a excessiva constante ameaça dos índios através de intermináveis sinais de
fumaça nas montanhas. “O Derradeiro Assalto” é um raro pequeno faroeste que
busca envolver o espectador menos com tiroteios e cavalgadas e sim com reações
humanas. Mesmo assim há espaço para uma briga com troca de socos entre Cully e
o xerife Flannery, longa o suficiente para que os comparsas de Cully assaltem o
banco da cidade. E a investida dos apaches rechaçada pelos homens e pela
patrulha é um ótimo momento de ação coroando o filme.
O produto do assalto ao banco num saco passando de mãos em mãos: Rory Calhoun, John McIntire, George Nader e Jay Silverheels usando-o como arma. |
Walter Brennan |
Walter Brennan sério e sóbrio - Dentro de seus limites como ator,
Rory Calhoun se sai bem ao ser mais exigido numa interpretação de maior
dramaticidade. O grande nome do elenco, porém, que deveria ser Walter Brennan aparece
mais uma vez com os dentes e estranhamente, dessa forma, se torna um ator quase comum. John
McIntire nas poucas oportunidades que tem reafirma o que sempre foi, ou seja, um
formidável ator. Jay Silverheels que como ‘Tonto’ é sempre sóbrio, mostra
que é capaz de ser um sidekick divertido e de um inesperado cinismo.
Silverheels forma uma dupla de moleques com George Nader, a quem provoca
continuamente. A Universal acreditava que George Nader poderia seguir os passos
de Jeff Chandler, Rock Hudson e Tony Curtis e deu a ele um papel importante em
“O Derradeiro Assalto” para se firmar numa carreira que afinal não fez dele um
ídolo como os três galãs citados. Nestor Paiva, que em 1954 também atuou em “O
Monstro da Lagoa Negra”, está ótimo como um emporcalhado comerciante de
fronteira a serviço de bandidos. Charles Drake, o xerife da história, não tem o
mínimo cacoete de cowboy ainda que lembre bastante fisionomicamente o grande
Joel McCrea. Paul Brinegar tem pequena participação como o barbeiro de Cholla,
assim como a característica Mary Field. A atriz holandesa Nina Foch, então com 30
anos, aparece pouco e em nada lembrando a deslumbrante Marie Antoinette de “Scaramouche”
filmado dois anos antes. Nina pode ser vista também muito mais bonita nos
superespetáculos “Os Dez Mandamentos” e em “Spartacus”. Mas o grande destaque
feminino é mesmo a jovem Collen Miller, de quem Carlson explorou ao máximo a
sensualidade, antes daquilo que Elia Kazan faria com Carroll Baker em "Boneca de Carne" (Baby Doll) dois anos mais tarde com muito mais alarde.
Lolly (Collen Miller) sacode a salsaparrilha antes de colocá-la na boca. |
Diretor
de poucos filmes – O título original do livro de Louis
L’Amour é “Shadow Valley” (Vale das Sombras), tendo o estúdio optado por “Four
Guns to the Border”. Na França recebeu o título de “Quatro Assassinos e uma
Menina” (Quatre Tueurs et Une Fille), preferindo os distribuidores brasileiros
um título mais comum que se confunde com dezenas de outros títulos de westerns.
A Universal raramente dava crédito a Henry Mancini que dessa forma compunha
anonimamente a música adicional, como fez em “O Derradeiro Assalto”, ficando
como sempre para Joseph Gershenson a direção musical, até Mancini revelar o
gênio musical que era. Filmado em Technicolor, a cinematografia ficou a cargo
de Russell Metty, o soberbo cinegrafista que “A Marca da Maldade” do exigente e
inventivo Orson Welles. Muitas angulações de câmara de Metty valorizam
sobremaneira “O Derradeiro Assalto”. O ator Richard Carlson dirigiu outros
quatro filmes, entre eles “Meu Sangue por Minha Honra” (The Saga of Hemp Brown)
com Rory Calhoun e o pouco conhecido “Kid, o Valente” (Kid Rodelo), western
filmado na Espanha. Nessa curtíssima filmografia como diretor destaca-se este belíssimo
faroeste, que se tivesse a assinatura de Budd Boetticher na direção ou de Burt
Kennedy no roteiro não seria relegado à indiferença da crítica, como foi
lembrado no parágrafo inicial desta resenha.
Richard Carlson ensaiando Rory Calhoun e Colleen Miller; abaixo fotos para a publicidade do filme. |
Os pôsteres norte-americano, belga e italiano de "O Derradeiro Assalto". |
Bom dia
ResponderExcluirPor favor, onde posso encontrar legendas em português para esse filme (For Guns To The Border)?
https://www.opensubtitles.org/pt la deve ter a legenda agora voce poderia me dizer onde posso baixar esse filme manda no email
Excluirclodoaldorodriguesm70@hotmail.com