Joel McCrea
teve duas fases em sua carreira de ator: a inicial como galã em comédias e
herói de filmes de aventuras e policiais; depois de protagonizar “Buffalo Bill”
em 1945, McCrea passou a ser um dos mais ativos mocinhos do cinema em duas
dezenas de faroestes. Joel McCrea criou uma imagem de homem bom, digno e
invariavelmente ao lado da lei. Em 1959 McCrea se retirou para seu rancho e
parecia ter dado adeus ao cinema, isto aos 54 anos, mas retornaria em 1962, no
excelente “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country) ao lado de outro
semi-aposentado, Randolph Scott. McCrea deveria interpretar o personagem (Gil
Westrum) sem escrúpulos e Scott o xerife veterano e correto (Steve Judd). No
entanto decidiram sabiamente trocar de papéis e ficou para o sempre honrado McCrea interpretar o bom Steve Judd. Quatro anos antes, no entanto, Joel McCrea
fugira de seus tipos habituais como o Sargento Vinson em “Forte Massacre” (Fort
Massacre), personagem perturbado e cujo ódio incontrolável pelos apaches leva
sua tropa a ser dizimada.
|
Joel McCrea e apaches massacrados (foto para publicidade). |
Massacrando apaches - A
história original de “Forte Massacre” é de autoria de Martin Goldsmith, nome
lembrado com carinho por fãs de filmes ‘B’. Goldsmith escrevera as histórias do
cult “A Curva do Destino” (Detour) em 1945 e em 1952 o cinema filmou outra história sua que se
transformou igualmente em policial cultuado, “Rumo ao Inferno” (The Narrow
Margin). Enveredando para o western, Goldsmith conta em “Forte Massacre” como o
comando de um batalhão da Cavalaria fica, durante o período da ‘Guerra Contra
os Índios’ nas mãos do Sargento Vinson (Joel McCrea), após a morte em combate
do capitão que comandava essa unidade. Vinson nutria ódio pelos apaches pois
esses índios haviam assassinado sua esposa e esta para não ver os dois filhos
sofrerem nas mãos dos guerreiros tira antes a vida das crianças. O Sargento Vinson
toma uma série de decisões que desagradam seus comandados, decisões que culminam com
ataques aos apaches em duas ocasiões. Depois de algumas baixas o pelotão fica
resumido a Vinson e dez soldados que são encurralados pelos índios em uma
fortificação incrustada numa montanha rochosa. Segue-se uma batalha violenta e
ao final Vinson se prepara para matar a sangue frio um indefeso idoso índio paiute (Francis McDonald) sendo antes
alvejado e morto pelo soldado Travis (John Russell), o único sobrevivente e
narrador da tragédia.
|
Joel McCrea e Forrest Tucker. |
Unidade submissa à hierarquia - “Forte
Massacre” não é apenas um filme sobre a ação da Cavalaria norte-americana em
guerra contra os nativos. Pretende a história de Martin Goldsmith mostrar os
excessos que o comando de um militar psicótico pode causar levando a dizimar
toda uma unidade de soldados. Diferentemente no entanto da arrogância de Custer e mesmo
do Coronel Owen Thursday, de “Sangue de Heróis” Fort Apache), o Sargento Vinson
tinha razões pessoais para seu comportamento sanguinário, justificado pelo
extermínio de sua família. Posições de comando em tempos de guerra geram ordens
discutíveis, quando não reprováveis, sob lideranças de neuróticos como os
citados. Porém a submissão de toda uma unidade, ou do que restou dela como
ocorre em “Forte Massacre”, a esse tipo de comando pelo respeito à hierarquia é
o ponto vital deste western dirigido por Joseph M. Newman. “O sargento sabe bem atacar. Não é homem, é animal” comenta o
Soldado Pendleton (George N. Neise), externando a revolta do pelotão contra
Vinson. Relutou até o último momento o soldado Travis em desobedecer o comando
de Vinson, não se contendo, todavia, diante de mais um desnecessário
assassinato a sangue frio por parte do Sargento Vinson, o do velho paiute que prometia denunciá-lo às autoridades do Forte Crain.
|
Joel McCrea em rara interpretação como homem vingativo. |
|
John Russell |
Destaque para John Russell - “O ódio cresce tanto que ele expulsa outros
sentimentos como a dor, o amor e mesmo o medo”, confidencia o Sargento
Vinson ao Soldado Travis em uma das boas frases do excelente roteiro que poderia
resultar num filme de melhor qualidade se a escolha do diretor não tivesse
recaído no fraco Newman. Certo que a produção de Walter Mirisch, distribuída
pela United Artists tenha primado pela economia típica dos faroestes ‘B’ comuns
aos filmes de Randolph Scott e Audie Murphy, o que foi somado à falta de
criatividade de Newman. Sequências inteiras são comprometidas pela forma primária,
quase amadora de Newman filmar. O filme tem nas interpretações de Joel McCrea e
John Russel seu ponto alto com McCrea criando um homem amargo e desesperado com o
rumo de sua vida. Russel por sua vez é o soldado que nada vê, nada escuta e nada diz mas
que toma a decisão de colocar um fim na sanha vingativa do Sargento Vinson. John
Russell foi um ator que não teve o merecido sucesso, ainda que tenha
participado sempre com brilho de inúmeros faroestes, entre eles “Onde Começa o
Inferno” (Rio Bravo) e “O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider), este em final de carreira.
|
Joel McCrea |
|
O cenário de Church Rock. |
Bom roteiro, diretor fraco - No elenco de "Forte Massacre" estão ainda Forrest Tucker, ator acostumado a personificar homens duros e desta vez
tentando ser engraçado como o soldado irlandês McGurney. Tucker seria o ator
principal da série de TV “F Troop”, que foi produzida e exibida por duas
temporadas (1965-1967), série que contava em cada episódio as aventuras da
Tropa F da Cavalaria norte-americana. A unidade de Cavalaria comandada por Joel
McCrea tem ainda o excelente Denver Pyle e o ótimo Anthony Caruso no elenco de
apoio, ainda que George N. Neise e Robert Osterloh tenham papéis mais
relevantes. Atenção para a presença de Rayford Barnes (Soldado Moss), ator que
entre muitos westerns participou de “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch).
Francis McDonald exagera como o índio cínico que por uma dose de uísque negocia
até mesmo sua sobrinha interpretada pela insípida Susan Cabot.
Surpreendentemente boa a trilha sonora do pouco conhecido Marlin Skiles sem os
arroubos clássicos da influência de Max Steiner. O embate final entre soldados
e índios foi filmado na ‘Church Rock’, no Red Rock State Park, Novo México. “Forte
Massacre”, exibido na TV brasileira como “O Forte do Massacre”, comprova que
nem sempre um bom roteiro é a certeza de um bom filme, especialmente nas mãos de
um diretor pouco engenhoso.
|
Susan Cabot com John Russell e com Francis McDonald. |
|
Anthony Caruso à esquerda; George N. Neise e John Russell em combate. |
|
Pôsteres de "Forte Massacre" com o título em Espanhol 'O Forte da Matança'; observe-se o destaque para Anthony Caruso no pôster menor à esquerda. |
FERNANDO MONTEIRO escreveu:
ResponderExcluirJoel McCrea foi, realmente, um daqueles atores emblemáticos do gênero, ao lado de Randolph Scott no patamar imediatamente abaixo dos dois astros máximos do Western, Gary Cooper e John Wayne (por ordem de "entrada" no panteão).
McCrea levou aquele seu ar de integridade -- quase um tanto ingênua? -- para outros papéis longe da pradaria, vestindo terno e gravata que lhe davam um jeitão meio estranho. O seu natural, mesmo, parecia ser com o chapéu e o lenço, o cinturão com a pistola pendente e as botas embaçadas dos caminhos ásperos do Oeste.
Quando Sam Peckinpah convidou-o para dividir a grandeza de "Pistoleiros do Entardecer" ao lado dos maxilares quadrados do igualmente indestrutível Scott, o diretor de sangue Cherokee teve uma das mais iluminadas ideias do Cinema, fazendo com que soasse também "autobiográfica" a situação daqueles dois homens já fora da sua época de "ouro" na tela, pois ele estavam personificando a si mesmos enquanto viviam a aventura final de dois dos mais fortes personagens crepusculares do WESTERN ELEVADO À DIMENSÃO ARTÍSTICA MAIOR, MAIS ALTA E MAIS PERMANENTE.
Fora dessa dimensão, o faroeste -- convenhamos -- é apenas poeira soprada pelo vento.
FERNANDO MONTEIRO acrescentou:
ResponderExcluirPS:
Aliás, fora da dimensão artística, o próprio Cinema é apenas a ilusão de ótica de imagens em movimento etc.
A "poeira soprada pelo vento" a que aludi acima, não é referente somente ao gênero "cinematográfico por excelência" (conforme já foi chamado o Western). Não. Isso vale para todos os outros gêneros: drama, comédia, policial, filme-de-guerra etc, nos quais um "Morangos Silvestres" significa essa permanência, enquanto um "A Caldeira do Diabo" é apenas um melodrama que assistimos no passado, assim como um "Quanto Mais Quente Melhor" pertence ao patamar mais alto da comédia, enquanto "A Máfia no Divã" é apenas divertimento de cinema de shopping, do mesmo modo como "Glória Feita de Sangue" atravessará as épocas, enquanto "Peal Harbor" já passou para a lata do esquecimento, e vai por aí...
Os exemplos seriam infindáveis, entre o que fica e o que passa (e não só com relação à antigamente chamada "Sétima Arte").
Um grande filme de Joel McCrea,para mim é "Golpe de misericórdia" (Colorado Territory) com a bela Virginia Mayo . Não sei se o Darci já fez comentários sobre êle ! Melhor ainda é "Aliança de aço" onde JM contracena com Barbara Stanwyck e outros grandes astros.
ResponderExcluirFERNANDO MONTEIRO escreveu:
ResponderExcluirNão conheço "Golpe de misericórdia", e tratarei de procurá-lo na internet -- até porque traz a realmente linda Virginia Mayo, conforme vc informa, caro Lau Shane.
O nosso comum amigo Darci Fonseca -- que sabe TUDO sobre westerns, nós não temos a menor dúvida -- fez muito bem em chamar a atenção para esta interpretação inusitada do Joel McCrea, como um "sargento sanguinário" e perseguidor de apaches, porque, de fato, esse ator se notabilizou por papéis diametralmente opostos. Sua máscara facial, inclusive, era a de um homem sereno, corajoso e íntegro. Em minha modesta opinião, ISSO, acima de tudo, levou-o a ser solicitado para faroestes nos quais sempre foi um "mocinho" (no melhor sentido da expressão) irreprochável...
Fernando, sem exageros, please. Ninguém sabe tudo sobre western. Voccê descreveu McCrea com perfeição. Abraço do Darci
ExcluirOlá, Lau Shane - Golpe de Misericórdia foi um dos primeiros westerns a serem resenados neste blog quando as resenhas ainda não tinham o clássico álbum e fotos dos atores. Pretendo voltar a postar esse filme com o álbum. Localize na coluna da direita.
ResponderExcluirDarci
FERNANDO MONTEIRO escreveu:
ResponderExcluirDarci, o fato é que pelo menos "este-locutor-que-vos-fala" nunca encontrou um blog, um site, ou seja o que for, aqui no Brasil e mesmo no Exterior, com tanta (e tão detalhada) informação sobre o Western.
"WESTERNCINEMANIA" é coisa de um apaixonado que é, ao mesmo tempo, metódico -- e que procura se cercar de todas as fontes etc. Queria eu saber a metade de um terço do que vosmicê conhece sobre esse gênero que os americanos, estranha e miseravelmente, pode se dizer que abandonaram (quase), inclusive abrindo a "porteira" para outros...
Olá, Fernando
ExcluirMuito boa essa tirada 'este-locutor-que-vos-fala'. Só não sei de quem é o bordão. Seria Oduvaldo Cozzi? O Lau Shane que é especialista em rádio dos bons tempos deve saber.
O gênero começou a ser abandonado em meados da década de 50 com o fim das séries dos faroestes B. Inicialmente dizia-se que a sci-fi é que estava tomando lugar do faroeste junto ao público. Passou a moda das guerras entre planetas e invasores alienígenas e sem que outro gênero surgisse os westerns foram deixando de ser produzidos ano a ano, havendo até mesmo anos em que a produção foi zerada. E o cinema deixou de fazer também os musicais, que mais que os faroestes, eram esporádicos. Nem o estrondoso sucesso dos euro-westerns motivou Hollywood a retomar o gênero com os números dos anos 30, 40 e parte dos anos 50.
Há quem afirme que 'O Portal do Paraíso' (1980) sepultou o gênero western, como se nos anos anteriores na década de 70 se produzisse tantos faroestes. Mas deve-se lembrar que a própria produção de filmes por parte dos estúdios declinou. Qualquer dos livrões dos grandes estúdios mostra quanto se produzia e a redução dos investimentos no cinema. Você usou o têrmo correto. A terra do cinema abandonou o faroeste.
Um abraço do Darci
FRNANDO MONTEIRO escreveu:
ExcluirExatamente, Darci: "a terra do cinema abandonou o faroeste"...
E fica difícil entender por qual motivo isso se deu, ou como foi possível acontecer o "abandono" de algo que está na raiz da história deles.
Por outras palavras, o Western seria o "Regionalismo" deles -- e faço esse paralelo (que desenvolvi em "Cangaceiros & Cowboys", publicado -- há alguns anos -- pela Companhia Editora de Pernambuco) a fim de tornar mais clara a estranheza dessa atitude dos filhos de "Tio Sam", uma vez que seria impossível, aqui, para nós brasileiros, abandonarmos os temas "regionais" que estão na base da formação do nosso país, social e culturalmente falando... Pois foi justamente o que aconteceu nos EUA: o esquecimento, quase, de um gênero que, ao mostrar o passado, ao de debruçar sobre o que aconteceu na fronteira violenta (mesmo ficcionalmente etc) continuaria a ser uma fonte de decifrações do presente, ou seja, do atual cenário americano...
Olá Darci
ResponderExcluirVi este filme em dvd, há uns dois anos e gostei bastante, não só por ver Joel McCrea, sem aquele seu típico ar de mocinho tradicional e também achei muito interessante este tema, gosto destes filmes tipo “road movies” em ambientes adversos, mortais, longe de tudo, onde uma simples bolsinha de tabaco, é um tesouro, tratada como uma herança de um soldado morto; um grupo de homens rudes, guiados por um louco. Dificilmente eu imaginaria como terminaria aquela aventura. Vou rever este filme e gostaria se possível, que você fizesse algumas referências, a respeito das cenas, onde estas mostrassem a fraqueza do diretor, como foi citado na resenha. Você sabe que o "filméfilo" sabe quase nada de técnicas cinematográficas, mas não desiste de aprender e esta seria uma boa oportunidade.
Abraço-Joailton
Olá, Joailton
ExcluirRepare nas cenas de ação, especialmente naquela em que os índios são atacados quando estão bebendo água. Alguns diretores querem fazer crer que os índios eram perfeitos idiotas para serem vítimas tão facilmente da Cavalaria. As locações permitiriam sequências muito melhores nas mãos de um diretor mais competente que Newman. E há ainda a direção de atores que, à exceção de McCrea e Russell, que são excelentes, deixa muito a desejar nas interpretações. Os melhores exemplos são Francis McDonald e Susan Cabot.
Claro que você sabe e muito sobre técnicas cinematográficas e isso já ficou demonstrado em tantos comentários postados aqui no Westerncinemania. Não sei bem a diferença entre cinéfilo e filméfilo. Fica a impressão que cinéfilo é um espectador que leva mais a sério o cinema, além do puro entretenimento. Ele procura se informar e sabe nomes de diretores, técnicos e intérpretes, mesmo daqueles que a mídia não promove. O filméfilo seria apenas o espectador que gosta de cinema, mas sem maiores compromissos. Sinto contrariá-lo, mas você está no primeiro caso, ainda que a classificação pouco interesse. Só o fato de visitar blogs sobre cinema demonstração que você gosta de cinema e muito. E escrevo aqui longe de querer ditar cátedra, mas apenas dando uma opinião.
Um abraço do Darci