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Acima David Butler; abaixo W.R. Burnett e Alan LeMay. |
Os nomes respeitáveis dos
roteiristas Alan LeMay e W.R. Burnett, por si só, tornariam imperdível “Cidade
Sem Lei” (San Antonio), western da Warner Bros. lançado em 1945. LeMay se
consagraria definitivamente onze anos depois com “Rastros de Ódio” (The Searchers),
a obra-prima de John Ford. Por seu lado W.R. Burnett tem em seu crédito de
escritor-roteirista, entre outros westerns “Lei e Ordem” (Law and Order), com
Walter Huston; “Golpe de Misericórdia” (Colorado Territory), com Joel McCrea;
“Céu Amarelo” (Yellow Sky), com Gregory Peck; “O Homem das Terras Bravas” (The
Badlanders), com Alan Ladd e “Comando Negro” (Dark Command), com John Wayne. E
são de William Riley Burnett os clássicos policiais-noir “Seu Último Refúgio”
(com Humphrey Bogart), “Alma Torturada” (com Alan Ladd) e “O Segredo das Jóias”
(com Sterling Hayden). É de Burnett, igualmente, o roteiro de “Fugindo do
Inferno”, filme de guerra com Steve McQueen. Com Errol Flynn encabeçando o
elenco de “Cidade Sem Lei”, só faltaria mesmo a direção ser entregue a Michael
Curtiz, mas a essa altura Flynn e Curtiz haviam se tornado desafetos e a Warner
Bros. escalou David Butler para dirigir. Butler era mais afeito a comédias e
musicais, dirigindo inúmeros filmes de Shirley Temple e vários dos primeiros
musicais de Doris Day. Foi David Butler quem dirigiu a magnífica
comédia-musical-western “Ardida como Pimenta” (Calamity Jane), um dos maiores
sucessos da esfuziante atriz-cantora Doris Day.
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Victor Francen e Paul Kelly. |
Um crime em San Antonio – “Cidade
Sem Lei” (San Antone) conta como um rancheiro texano chamado Clay Hardin (Errol
Flynn) decide esclarecer o roubo de gado no Texas que leva os fazendeiros a
perderem quase tudo. O próprio Hardin foi uma vítima dos ladrões de gado, o que
o que faz com que ele vá a San Antonio, cidade dominada por Roy Stuart (Paul Kelly) e seu sócio
Legare (Victor Francen). Stuart é o chefe da quadrilha que rouba gado e como
fachada de homem de negócios dirige o saloon e casa de espetáculos ‘Bella
Union”. Legare é sócio de Stuart nesse empreendimento,
atuando como diretor artístico e contrata a cantora Jeanne Starr (Alexis
Smith) para uma série de apresentações no ‘Bella Union’. Após uma das
apresentações Stuart tenta assassinar Clay Hardin, mas quem acaba morto é
Charlie Bell (John Litel), amigo de Hardin, vítima de um tiro disparado por
Legare. Sacha Bozic (S.Z. Sakall), o empresário de Jeanne Starr, testemunha o
crime e passa a ser ameaçado pela dupla Stuart-Legare. Um inquérito presidido
pelo Coronel Johnson (Robert Barrat) é aberto para esclarecer o assassinato e o
Coronel nomeia Clay Hardin xerife de San Antonio por 24 horas, prazo que Hardin
tem para solver o crime. Roy Stuart é chantageado por Legare e mata o sócio.
Posteriormente Stuart tenta matar Clay Hardin mas é morto por este. Ao final
Hardin e Jeanne Starr, que revela ser também texana, terminam juntos depois
que San Antonio passa a ser uma cidade com lei.
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Alexis Smith cantando no 'Bella Union' e Errol Flynn num contido galope. |
Mistério, entretenimento e tiros - Nos anos
40 predominava no cinema norte-americano o estilo do filme-noir com crimes
misteriosos e vilões cínicos, cuja influência chegava até mesmo aos faroestes.
“Cidade Sem Lei” segue essa linha com prolongada elaboração da trama, o que
torna o filme um tanto cansativo com o excesso de diálogos, outra
característica dos filmes-noir. Concebido para ser um grande espetáculo que
atendesse de forma abrangente o público, diversos números musicais foram
inseridos no filme, com canções e danças no palco do resplandecente ‘Bella
Union’. A ideia não ajuda muito até porque Alexis Smith não é Marlene Dietrich e
“Cidade Sem Lei” só se torna interessante como western quando cessa a música, a
dança e o palavrório imoderado. A parte final deste faroeste de David Butler é
magnífica, iniciando-se com uma colossal confusão no ‘Bella Union’ com intensa
troca de tiros. Segue-se, ainda em clima pretensamente dark, o enfrentamento
entre Stuart e Legare e depois Stuart e Hardin dentro das ruínas do Álamo, a
fortificação palco da resistência dos texanos em 1836. O grand finale tem até mesmo uma perseguição a cavalo quando Clay
Hardin finalmente liquida o patife Roy Stuart. Uma pena que Errol Flynn e Paul
Kelly fossem visivelmente substituídos por dublês durante a cavalgada, o que
rouba um pouco da autenticidade da sequência.
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A destruição do 'Bella Union' quando até o piano foi destruído. |
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Cenários bonitos mas pintados... |
Cenários pintados - Filmado
em deslumbrante Technicolor, a produção de “Cidade Sem Lei” não economizou nos
trajes dos atores principais com Errol Flynn, Paul Kelly, Victor Francen e S.Z
‘Cuddles’ Sakall promovendo uma acirrada disputa de elegância. Nada, porém, que
se compare ao desfile de vestidos de Alexis Smith que muda de roupa a cada
sequência do filme. Pelo menos o número de baús que chega e parte com ela de
San Antone é condizente com o guarda-roupa desenhado para a cantora Jeanne
Starr, interpretada por Alexis Smith. “Some Sunday Morning”, uma das canções
interpretadas por Smith (que é dublada por Bobbie Calvin) concorreu ao Oscar de
Melhor Canção na premiação de 1946. E num filme repleto de canções ouve-se “La
Golondrina” e a tradicional “Clementine”, entre outras músicas mexicanas e
norte-americanas. Max Steiner assina a música original da trilha sonora musical
juntamente com Erich Wolfgang Korngold, trilha bastante elogiada, ainda que no
clássico estilo retumbante em voga nos anos 40. A bela fotografia de “Cidade Sem Lei” é de Bert
Glennon criando angulações inusitadas para faroestes contando com o excelente
trabalho da Direção de Arte do staff da Warner Bros. Alguns cenários, um deles o
da sequência no Álamo, são deploráveis pois pintados e denotam inexplicável
economia num filme que se pretende grandioso. Errol Flynn passa o tempo todo com a coronha de seu revólver aparecendo e numa maliciosa sequência Alexis Smith se mostra impressionada com a pistola de Errol Flynn.
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Alexis Smith se espanta com a pistola de Errol Flynn. |
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Errol Flynn |
Errol Flynn bem comportado - Era muito
comentado o fato de Errol Flynn atuar contrariado em faroestes, mesmo após o
êxito de “O Intrépido General Custer” (They Died with Their Boots On). Em
“Cidade Sem Lei”, no entanto, Flynn teve comportamento exemplar, sem criar
nenhuma das dores de cabeça que dava a Jack L. Warner e aos diretores de seus
filmes. Como se sabe, o ator jamais levou a sério as regras do estúdio e seus
excessos com a bebida eram famosos. O único problema com Errol Flynn durante a
produção é que ele foi acometido de forte gripe durante as locações no
Calabasas Ranch, na Califórnia, afastando-se alguns dias das filmagens. Errol
Flynn interpreta seu personagem com sua característica extravagância de gestos
e olhares, típicos dos grandes canastrões, resvalando por vezes no limite do
suportável. Mas ninguém fazia melhor o conquistador irresistível que o ator que
imortalizou Robin Hood no cinema.
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Victor Francen |
Elenco internacional - O
personagem de Alexis Smith é insonso como muitas das mulheres bonitas que não
podem faltar num filme de ação; a atriz ilumina a tela com sua beleza mas não convence. A
canadense Alexis teve também que se afastar da produção por algumas semanas
devido a ter contraído uma virose. Paul Kelly repete os vilões e mesmo os
policiais que fizeram dele um ator bastante requisitado pela ameaça sinistra de seu olhar. O
belga Victor Francen (com quem Bob Dylan ficou parecido ao se tornar idoso) está
perfeito como um dandy de New Orleans. O húngaro S.Z. ‘Cuddles’ Sakall ameniza
o tom do filme com suas costumeiras indecisões, temores e efêmeros lampejos de
coragem por vezes hilariantes. O elenco internacional (Errol Flynn era
tasmaniano) traz também o cubano Pedro de Córdoba sem maiores oportunidades,
assim como Chris-Pin Martin, que apesar de sempre interpretar mexicanos nasceu
em Tucson, Arizona. John Litel aparece com destaque como amigo de Errol Flynn e
Tom Tyler sucumbe mais uma vez ante o herói do filme, sina cinematográfica do
ator que viveu o Capitão Marvel no cinema. Rápidas aparições de antigos cowboys
do cinema, entre eles Francis Ford.
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S.Z 'Cuddles' Sakall e Tom Tyler. |
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Alexis Smith nos braços de Errol Flynn. |
ERRATA: FERNANDO MONTEIRO escreveu: Não conheço outro site -- mesmo americano, francês, inglês etc -- no qual o assunto "Western" sejA examinado da forma como Darci Fonseca o faz, ou seja, com análises nas quais nada (rigorosamente nada!) fica de fora. Este WESTERNCINEMANIA deveria ser pelo menos bilíngue -- português-inglês -- para dar uma lição internacional em matéria de amor pelos faroestes. Mas, aí já seria pedir demais à devoção do Darci...
ResponderExcluirOlá, Fernando
ResponderExcluirElogios sempre ocorrem, mas quando são feitos por alguém com o seu nível de conhecimento e intelectualidade, os elogios têm um peso enorme.
Abraço do Darci Fonseca
Para falar dos trabalhos de Darci Fonseca eu tiro o chapéu ; Para mim ele é o único com um conhecimento tão profundo de Westerns e Cinema em geral: Parabéns meu amigo Darci Fonseca
ResponderExcluirSeu fã
Joaquim
Grande Joaquim Murieta, apaixonado como poucos por faroestes. Obrigado, amigão - Darci
ResponderExcluirModestamente,tenho a mesma opinião do Fernando !! Navego na web buscando informações sobre western e cada vez mais me certifico que o blog do Darci é o melhor,sintético,mas completo !! Uma verdadeira revista eletrônica sobre o gênero ! Imagens e textos bens construidos !! E ponto final !!
ResponderExcluirOlá, Lau Shane, sempre generoso nos elogios, os quais, como se dizia lá pelas bandas de Nhandeara e adjacências, 'não mereço mas agradeço'... Vale lembrar ao Fernando que a nossa geração, que é também a do Lau Shane, se surpreende sempre com as maravilhas da tecnologia: é só clicar em 'Selecione o idioma', no alto da coluna à direita, e como que por milagre o blog é traduzido para centenas de idiomas. Fica até engraçado ler o blog em 'Criouli Haitiano', 'Maori', 'Zulu' e 'Turco'. E experimente o 'Catalão'. Mas bom mesmo é ter leitores como vocês. Abraços do Darci.
ResponderExcluirNA MINHA CONCEPÇÃO, TRATA-SE DE UM WESTERN ACIMA DA MÉDIA - AS CANÇÕES SÃO OS DESLIZES E PERFEITAMENTE DISPENSÁVEIS. O ROTEIRO TRAZ BONS DIÁLOGOS. Nota 9.
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