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8 de março de 2014

SANGUE POR SANGUE (The Man from the Alamo) – GLENN FORD, O HOMEM QUE FUGIU DO ÁLAMO


Quando o assunto é a heróica e suicida resistência das quase duas centenas de homens sitiados por milhares de soldados mexicanos na missão conhecida como Álamo, vêm à mente os nomes lendários de Davy Crockett, Jim Bowie e também do Coronel William Barrett Travis. No entanto em “Sangue por Sangue” (The Man from the Alamo), western de 1953 dirigido por Budd Boetticher, esses norte-americanos que passaram para a história são mencionados apenas para dar cunho de autenticidade à ficção que narra um possível ato de covardia de um certo John Stroud. Melhor até que o título do filme fosse ‘O Homem que Fugiu do Álamo’ pois é assim que Stroud é visto no filme, tendo que provar a injustiça da qual foi vítima.


Glenn Ford
Suposta covardia - Escrita por Niven Busch em parceria com Oliver Crawford e roteirizada por Steve Fisher e D.D. Beauchamp, “Sangue por Sangue” narra como John Stroud (Glenn Ford), um dos defensores do Forte Álamo, foi escolhido para se afastar do palco da luta contra o exército comandado pelo Generalíssimo Sant’Anna para cumprir uma missão. Ao visitar sua esposa e filho na propriedade que possuía em Ox-Bow, Stroud descobre através de Carlos, um adolescente mexicano, que sua família foi dizimada por renegados, não sendo protegida pelas tropas de Sam Houston (Howard Negley), como deveria ter sido. Os renegados se disfarçam de mexicanos para imputar-lhes a culpa dos massacres que ocorreram também com as famílias de outros sitiantes que perderam a vida no Forte Álamo. Ao chegar à cidade de Franklin, John Stroud fica sabendo que não houve sobreviventes entre os homens que defendiam o Álamo e é acusado, injustamente, de ter fugido covardemente da batalha. Após sofrer ameaça de linchamento Stroud é encarcerado juntamente com Dawes (Neville Brand), um renegado do bando liderado por Jess Wade (Victor Jory). Os dois homens escapam da cadeia e Stroud se junta aos colonos que fogem do Texas para evitar serem mortos, porém na comunidade Stroud não é aceito por sua suposta covardia. O Tenente Lamar (Hugh O’Brian) e o chefe da caravana John Gage (Chill Wills) ostensivamente  acusam e humilham John Stroud que recebe crédito somente da jovem Beth Anders (Julie Adams). Para provar sua inocência, Stroud se infiltra no bando de renegados, impede o ataque dos bandidos à caravana e mata Jess Wade.

Howard Negley (à esquerda); Julie Adams e Glenn Ford.

Coronel Travis (Arthur Space) prestes a
detonar o canhão, ao lado dos atores
Walter Reed e Dennis Weaver;
abaixo o Forte Álamo sendo
bombardeado pelos mexicanos.
Boetticher: prático e vigoroso - Mais conhecido pela famosa série de sete faroestes nos quais dirigiu Randolph Scott entre 1956 e 1960, Budd Boetticher demonstra com “Sangue por Sangue” (1953) que não dependia apenas dos excelentes roteiros de Burt Kennedy para realizar um bom western. Certo que menos profundo psicologicamente no tratamento dos personagens, “Sangue por Sangue” é um filme com muita ação de primeira qualidade e ação é um dos méritos maiores de Boetticher como diretor. Com apenas 80 minutos de duração e chocantes cenários de estúdio simulando a fortificação do Álamo, Budd Boetticher compensa toda a visível e por vezes risível economia com seu estilo prático e vigoroso de dirigir. A sequência da batalha do Álamo, rodada apenas para situar a missão para a qual Stroud foi sorteado, destoa do restante do filme que é muito melhor concebido tecnicamente. E isto apesar do excesso de cenas noturnas filmadas durante o dia com lentes especiais que resultam num perceptível e inconfundível luar azulado. O roteiro não abriu mão de sequências- clichês como quando Stroud salta sobre um carroção em disparada e na melhor de todas, o clímax do filme, com Stroud e Jess Wade lutando no ponto limite de um rio que vira uma cachoeira. Os cliffhangers (seriados) se esgotavam e chegavam ao fim em 1953 e, no melhor estilo desses filmes de ação, Boetticher filma um eletrizante corpo a corpo na correnteza, em que qualquer um dos dois homens, ou ambos, poderiam despencar da altura mortal da queda d’água. Puro Republic Pictures dos melhores e saudosos dias.

A luta entre John Stroud e Jess Wade à beira da queda d'água.

Trabalho dos stuntmen.
Ford, um grande cowboy do cinema - E “Sangue por Sangue” tem Glenn Ford em ótima forma, ele que, se tivesse feito mais westerns, estaria no mesmo plano de Randolph Scott e Audie Murphy na preferência do público, diferenciando-se destes por ser um excelente ator. Três anos depois, em 1956, Ford enfrentaria nada menos que Marlon Brando em “A Casa de Chá do Luar de Agosto”. Num duelo de atuações em tom de comédia Glenn Ford venceu o fantástico Brando conseguindo ser mais engraçado que o famoso ex-aluno do Actor’s Studio. Além de intérprete mais que competente, o canadense Ford é excepcional cavaleiro, talvez o melhor entre os atores de renome e exibe sua habilidade neste filme de Boetticher. O time de doze dublês completa as sequências perfeitas de ação exigidas pelo diretor, destacando-se entre os stuntmen David Sharpe de tantos e gloriosos seriados da Republic Pictures, Richard Farnsworth e Evelyn Finley, que dubla Julie Adams.

Glenn Ford sem fazer uso de dublês.

Acima Hugh O'Brian e Guy Williams;
abaixo Victor Jory.
Elenco all-star da TV - Para os fãs de seriados de TV “Sangue por Sangue” traz a presença de Guy Williams, antes de se tornar Don Diego de la Vega na série clássica “Zorro”; Hugh O’Brian que imortalizou Wyatt Earp na série “The Life and Legend of Wyatt Earp” (‘Wyatt Earp’ no Brasil); e Dennis Weaver como um dos tennessianos de Davy Crockett (Trevor Bardette), ele Weaver que também brilharia na TV por oito anos como Sam McCloud na série “McCloud”. O grande elenco traz ainda os nomes conhecidos de Jeanne Cooper, atriz que igualmente brilharia na televisão norte-americana; de Neville Brand, um dos melhores vilões de Hollywood; e Julie Adams, muito bonita apesar de seu personagem ser fraco. Chill Wills, desta vez maneta, acreditando como de hábito que cada sequência que participa é o momento crucial do filme num interminável over-acting que só perde para sua interpretação em “O Álamo” de seu amigo John Wayne. A lamentar o desperdício do ótimo Victor Jory, o inesquecível ‘Lamont Cranston’ de “The Shadow”, sem fazer uso de seu olhar sinistro e de sua voz arrepiante, travestido de mexicano mais parecendo um cigano. Porém o brilho de Glenn Ford compensa os senões do western de Boetticher.


Linchamento moral - Russell Metty criou bonitas imagens de uma região que em nada lembra o Texas, uma vez que as sequências externas foram filmadas na Califórnia. A maior parte das filmagens foram feitas mesmo nos estúdios da Universal dando enorme trabalho para a direção de arte e decoração de cenários para criar a ilusão que se estava em San Antonio de Bexar. Alguns críticos tentaram fazer uma ligação política entre a história de Niven Busch-Oliver Crawford com o macarthismo, redimindo delatores que depuseram na HUAC (o comitê das atividades antiamericanas) que fez um expurgo em Hollywood no início dos anos 50. Mas o caso ficcional de John Stroud é atemporal e muitos homens já passaram pelo dissabor de serem acusados de crimes não cometidos. O grande achado da história de Busch-Crawford é que John Stroud, em razão do desaparecimento de todas as testemunhas de sua saída do Álamo, só poderia provar que não era um covarde mostrando seu valor. Isso dá uma dimensão de grande dignidade ao personagem pois linchamentos morais são fáceis de se fazer por uma turba irracional. Infinitamente mais difícil é possuir espírito inquebrantável e ter energia para demonstrar a verdadeira valentia. O homem que fugiu do Álamo era assim!

Tomadas de ação feitas pelas câmaras de Russell Metty.

Julie Adams acima com Hugh O'Brian e Marc Clavell; abaixo, na foto maior,
 Jeanne Cooper à frente, Glenn Ford , Chill Wills, Myra Marsh e Julie Adams.

Na foto à esquerda Budd Boetticher ensina como aplicar um cruzado de
direita num dublê, claro; no centro Glenn Ford mostra que é bom aluno
e acerta Hugh O'Brian; à direita simulação para o fotógrafo de cena.

Glenn Ford em duas fotos com Jeanne Cooper no centro.

Pôsteres norte-americano de "Sangue por Sangue"; ao lado os posteres
francês e belga; abaixo o pôster espanhol e o italiano.

3 comentários:

  1. Belo trabalho , muito bom !!! - Só poderia ser de Darci Fonseca !!!

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  2. Um bom filme de Glenn Ford,que dificilmente aparece nas listas de preferidos !
    Mas é um filme de Budd Boetticher !! Quer mais ?? Abraço ao Joaquim !!

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  3. Eu pessoalmente tenho dificuldades com filmes que glorificam a batalha do Álamo e o processo de independência do Texas. Apresentam um caso de roubo de terras como "luta pela liberdade", embora este tenha a grande vantagem de não apresentar os mexicanos como assassinos psicopatas, como era tão comum. Mesmo assim, o que mais me impressiona neste filme, que acho mediano, é o número absurdo de gafes. Os revólveres são típicos da Guerra Civil, e não dos anos 1830. E na luta na cachoeira, o personagem de Ford está usando um tênis com solado branco...

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