John Ford em ação documentando a 2.ª Guerra Mundial. |
Se “Sangue de Heróis” (Fort Apache)
fosse dirigido por qualquer outro diretor seria certamente reverenciado como obra-prima.
No entanto, diante da incomparável filmografia de John Ford ao longo dos anos,
esse faroeste, o primeiro da Trilogia da Cavalaria que Ford dirigiu entre
1948-1950, não obteve a aclamação merecida. A admiração de John Ford pela vida
militar sempre existiu, mas após sua efetiva participação na 2.ª Guerra Mundial
a admiração se transformou em claro fascínio. Ford foi convocado para o
conflito mundial para atuar como membro do OSS (Office of Strategic Services),
espécie de Serviço de Inteligência norte-americano, que o destacou para o Field
Photographic, órgão responsável por cobrir missões marítimas durante a guerra.
John Ford desempenhou com tamanho brilho sua função que, finda a guerra,
recebeu a patente de Almirante. Seus registros durante as batalhas navais
resultaram em documentários de excepcional qualidade, dois deles premiados com
Oscar de Melhor Documentário. Claro que
os próximos filmes de Ford iriam refletir essa fase de sua vida e seu primeiro trabalho
após o retorno foi o excelente filme sobre a guerra “Fomos os Sacrificados”,
produzido pela Metro-Goldwyn-Mayer. Ford, porém, sonhava mostrar a vida militar
sob o enfoque do Velho Oeste, seu gênero preferido e para isso fundou sua
própria produtora, a Argosy Productions, em sociedade com Merian C. Cooper e
com apoio financeiro de William Vanderbilt, herdeiro de uma das maiores
fortunas do mundo. Quase dez aos depois, outro herdeiro dessa família
(Cornelius Vanderbilt Whitney) iria produzir um faroeste intitulado “Rastros de
Ódio”.
A pequena história de James Warner Bellah lançada em pocket-book. |
Shirley Temple e Victor McLaglen em "Queridinha do Vovô". |
Formação
do elenco - O último western de John Ford havia sido “Paixão dos
Fortes”, rodado em 1946 e que havia rendido 4,5 milhões de dólares nas
bilheterias, o que entusiasmou a RKO a colocar dinheiro na produção de “Forte
Apache”. Esse novo filme teve orçamento de 2,5 milhões de dólares e foi
projetado para ser um sucesso maior ainda que “Paixão dos Fortes”. Para compor
o elenco Darryl F. Zanuck cedeu por empréstimo à Argosy-RKO Henry Fonda e
Shirley Temple, contratados da 20th Century-Fox. Após algumas interpretações
soberbas, algumas delas dirigido pelo próprio John Ford, o diretor não cogitava
nenhum outro ator a não ser Henry Fonda para interpretar o neurótico Coronel
Owen Thursday. Shirley Temple, então com 19 anos, vivia a difícil transição de
passar de estrela infantil para atriz adulta e havia se casado, aos 17 anos,
com John Agar. O marido de Shirley, herói da United States Air Force na guerra,
faria sua estréia no cinema justamente em “Forte Apache”. Todos apostavam que a
presença do casal no elenco seria enorme atração para o público. John Wayne
ainda não era o campeão de bilheterias que iria se transformar ao longo dos
próximos 25 anos, mas era também garantia de público certo. Além destes nomes o
filme teria a presença de inúmeros atores acostumados a trabalhar com John
Ford, como Ward Bond, George O’Brien, Victor McLaglen, Ana Lee e muitos outros
do grupo já conhecido como Ford Stock Company. John Ford havia dirigido Shirley
Temple em “Queridinha do Vovô”, em 1937, quando a menina era a campeã de
bilheteria nos Estados Unidos (1.º lugar em 1935/36/37/38). Para atuar em
“Forte Apache” Shirley Temple recebeu o mesmo salário pago a Henry Fonda e a
John Wayne, ou seja, cem mil dólares. Victor McLaglen recebeu 35 mil dólares,
Ward Bond 25 mil, George O’Brien 15 mil, Guy Kibbee 12 mil, Grant Withers 7,5
mil, Ana Lee sete mil e John Agar cinco mil dólares.
Wayne, Fonda, Agar e Shirley. |
Filmando
no inferno - Programado para ser rodado em locações em Monument Valley
(Utah) e em Corriganville (Califórnia), Ford levou, em julho de 1947, sua
equipe para o local que amava, desde que lá rodara “No Tempo das Diligências”. Era
praticamente nenhuma a infraestrutura para se filmar naquele local isolado e onde
só havia uma espécie de hotel, o precário Goulding’s Lodge. Situado próximo das
impressionantes esculturas naturais, o Goulding’s Lodge não possuía alojamentos
suficientes para a enorme equipe que teve que improvisar dormindo em tendas
armadas próximas àquela estalagem. A temperatura mínima à noite no Monument
Valley era de 32º, atingindo até 46º durante o dia e as constantes tempestades
de areia interrompiam a produção, ameaçando estourar o orçamento. Isso enervava
sobremaneira John Ford que descarregava sua ira em quem pudesse, especialmente
em John Agar, a quem chamava de ‘Mr. Temple’. Cansado do tratamento pejorativo
Agar ameaçou abandonar as filmagens, sendo orientado por John Wayne a mudar de
idéia. Wayne lembrou que passara pelo mesmo nas mãos de John Ford e John Agar
acabou aceitando o conselho do amigo Duke. Uma centena de cavalos foi levada ao
Monument Valley e quase toda a tribo de Navajos da região foi contratada para
fazer figuração. “Forte Apache” foi concluído dentro do prazo, como era costume
de John Ford que não admitia gastos além do orçamento o que fazia dele um
diretor muito estimado pelos produtores. Lançado em 1948 “Forte Apache”
alcançou excelentes bilheterias, rendendo 4,5 milhões de dólares, o que
possibilitou a John Ford prosseguir filmando westerns e mais que isso, westerns
sobre a vida dentro de um forte.
Conferência entre o Coronel Thursday com Cochise e entre os dois o intérprete Sargento Beaufort (Henry Fonda, Pedro Armendáriz e Miguel Inclán). |
Ataque
irracional - Durante a Guerra Civil Owen Thursday (Henry Fonda) tornara-se
general, tendo ao final da guerra sido rebaixado à patente de coronel e enviado
para comandar o distante Forte Apache. Humilhado, o Coronel Thursday sabia que
a única forma de mostrar seu valor e ser reconhecido pelo Governo de Washington
era dizimar tribos que relutavam em se manter nas reservas, desrespeitando
tratados assinados. O apache Cochise (Miguel Inclán) era um dos chefes que
incomodavam os militares, isto porque não aceitava o tratamento que era imposto
aos índios por alguns homens brancos. Antes da chegada do Coronel Thursday,
quem comandava o Forte Apache era o Capitão Kirby York (John Wayne), que
mantinha boas relações com os apaches. Ao anunciar sua intenção de atacar os
apaches, York tenta demover Thursday, acertando um encontro entre o Coronel e
Cochise. Nesse encontro fica claro a intransigência de Thursday quanto às
negociações e, mesmo sem conhecer o território ou os adversários, decide pelo
ataque. Os apaches em número três vezes maior que as tropas de Thursday
aniquilam com facilidade as tropas do Exército e seu comandante.
Acima Shirley Temple, Irene Rich e Anna Lee; no centro Victor Mclaglen, Jack Pennick e Dick Foran; abaixo prisioneiros são levados à cadeia por beberagem. |
Pedro Armendáriz, Wayne e Miguel Inclán. |
O
índio civilizado e o militar selvagem - Geralmente credita-se a “O Caminho do
Diabo” (de Anthony Mann) e a “Flechas de Fogo” (de Delmer Daves), ambos e 1950,
a primazia de ter pela primeira vez num faroeste ter mostrado o índio com
dignidade. “Sangue de Heróis”, filmado dois anos antes apresenta os Apaches
(poderiam ser Cheyennes, Sioux, Comanches ou qualquer outra nação) não só como
homens honrados mas também como guerreiros vitoriosos. Nas negociações entre o
Coronel Thursday e Cochise, o militar ouve o chefe apache falando a respeito de
Silas Meachan (Grant Withers), agente designado por Washington para tratar com
os índios: “Esse homem é pior que a
guerra. Ele não apenas mata os homens, mas também as mulheres, as crianças e os
velhos. Nós pedimos proteção ao Grande Pai Branco e ele nos manda a morte lenta
através desse homem. Mande-o embora para que possamos falar de paz”.
Withers fornece armamento e munição aos índios. Mas fornece muita bebida com a
qual destrói lentamente o moral dos índios. O contato entre Thursday e Cochise
deixa claro quem é o civilizado e quem é o selvagem entre os dois. John Ford
apenas não foi mais longe porque “Sangue de Heróis” deixou de mencionar a
verdadeira causa da confinação dos índios às reservas, causa que era se
apropriar daquelas terras ricas em ouro e prata, atribuindo todos os males ao
agente Meacham e ao Coronel Thursday.
A
lenda do Coronel Thursday - “Sangue de Heróis” fez pela primeira
vez menção à maior importância da lenda diante do fato, em discutida sequência
que encerra o filme. Muitos analistas criticaram John Ford por esse final entendendo
que, através do discurso do Capitão Kirby York (John Wayne), é preservada a
imagem do Coronel Owen Thursday, mitificando sua figura de herói. Kirby diz que
Thursday fez tudo correta e honrosamente, merecendo ser lembrado com glória e
orgulho. O que a genialidade de Ford fez foi denunciar com “Sangue de Heróis” tragédias
que personalidades doentias como a de Thursday são capazes de promover. Sempre
presumivelmente em nome dos interesses norte-americanos, essas ações nada mais
são que a pratica do ambicioso expansionismo que resultou no maior genocídio da
História. Ford não tenta atenuar a culpa do Coronel Thursday com a mitificação
de seu nome, mas sim, com finíssima ironia, desnudar o sistema criador de
lendas para que os verdadeiros fatos não se tornem públicos. Ford faria o
mesmo, porém de forma mais direta em “O Homem que Matou o Facínora”, consagrando
a máxima da prevalência da lenda sobre o fato.
Fonda
primoroso, Wayne brilhante - Em “Sangue de Heróis” John Wayne
desempenha um personagem importantíssimo, ainda que não tenha uma única cena de
heroísmo e sequer participe da batalha final. Mas é o Capitão York quem desafia
a todo momento a arrogância e fanatismo do Coronel Thursday, a ponto de ser
afastado da batalha e taxado como covarde. E nesse papel quase secundário John
Wayne tem uma brilhante atuação, antecipando as grandes performances que se
seguiriam em “Rio Vermelho”, “Legião Invencível”, “Iwo-Jima, o Portal da
Glória” e mais que todas, em “Rastros de Ódio”. Mas “Sangue de Heróis” é, do
princípio ao fim, um filme de Henry Fonda, inesquecível como o prepotente
Coronel Thursday. Desumano na frieza com que humilha a todos, Fonda mantém uma
quase cruel elegância em cada gesto, mesmo quando prestes a morrer cercado
pelos índios. E quanto garbo e delicadeza Fonda demonstra na sequência da dança
“Saint Patrick’s March”, emocionando com a contrariedade estampada em seu olhar
ao ter que cumprir sua obrigação de comandante do Forte Apache. Que admirável
ator!
Victor McLaglen, Jack Pennick e John Agar; Shirley Temple, Ana Lee e Irene Rich. |
Elenco
cativante - O que não falta em “Sangue de Heróis” são atuações
maiúsculas, destacando-se a de Ward Bond especialmente na cena magnífica em que
não aceita os modos de Thursday em sua própria casa, um dos sublimes momentos
do filme. Bond interpreta o Sargento O’Rourke o pai do Tenente O’Rourke (John
Agar), que namora Philadelphia (Shirley Temple), filha do Coronel Thursday que
não admite o anunciado noivado. A
inglesa Anna Lee igualmente se destaca com sua característica elegância e
suavidade, sendo dela a frase mais emblemática de “Sangue de Heróis”, quando
olhando para o horizonte exclama que não vê soldados, apenas bandeiras após ver
seu marido partir para a jornada sem retorno da batalha. Shirley Temple, graciosa
como dez anos antes, desempenha muito bem a sonhadora jovem recém-chegada do
Leste. Victor McLaglen faz o tipo que repetiria nos demais filmes da Trilogia
da Cavalaria, porém desta vez bastante feliz com as frases que o roteiro dá a
seu personagem, o Sargento Festus Mulcahy. “Sangue de Heróis” permite
oportunidade de ótimo desempenho ao infeliz ator Grant Withers que cometeu
suicídio em 1959. Oportunidade para se rever duas conhecidas estrelas do cinema
mudo, Irene Rich e Mae Marsh, alem de Movita Castañeda, que viria a se casar
com Marlon Brando. Pedro Armendáriz e Miguel Inclán, dois atores mexicanos que
atuaram antes sob a direção de John Ford em “Domínio de Bárbaros” têm papéis
importantes em “Sangue de Heróis”.
Dick Foran, durante uma seresta interpretando "Sweet Genevieve". |
Abertura
de caminho para a Trilogia - A cinematografia de “Sangue de
Heróis” ficou a cargo de Archie Stout que teve a ajuda de William H. Clothier,
este que seria em breve tempo um mestre das filmagens em cores. E lamenta-se
que este filme com tomadas belíssimas de Monument Valley tenha sido rodado em
preto e branco. Richard Hageman compôs a trilha musical no estilo sinfônico em
voga para filmes de ação nos anos 30 e 40, estilo que consagrou Max Steiner.
Entre as músicas que fazem parte da trilha sonora de “Sangue de Heróis” estão “Sweet
Genevieve”, cantada pelo mocinho de faroestes ‘B’ Dick Foran; “The Girl I Left
Behind”, “Garry Owens” e “St. Patrick’s March”. Graças ao sucesso de “Sangue de
Heróis” John Ford concretizou seu sonho de filmar “Legião Invencível” e “Rio
Grande”, filmes que completariam a célebre Trilogia da Cavalaria. “Sangue de
Heróis” é um dos pontos altos da filmografia western de John Ford e um filme no
qual se sente integralmente a magia da direção do Mestre das Pradarias.
A famosa sequência que John Ford filmou em Monument Valley, inspirando-se em tela do pintor Frederic Remington. |
O corneteiro é o ator Frank McGrath. |
Dança no Forte Apache. |
As espetaculares cenas de ação foram dirigidas por Cliff Lyons, que coreografou quedas com grandes stuntmen, entre outros Richard Fansworth, Fred Graham, Ben Johnson, Gil Perkins e Henry Wills. |
Foto para publicidade, vendo-se Jack Pennick, Pedro Armendáriz, Victor Mclaglen, Dick Foran, Henry Fonda, John Wayne, George O'Brien, John Agar e Grant Withers. |
John Wayne e Henry Fonda com o casal Shirley Temple e John Agar. Parece que John Wayne diz a Henry Fonda: "Você é o próprio Coronel Thursday." |
Posters francês, espanhol, alemão e inglês de "Sangue de Heróis". |
Creio que este foi o primeiro western clássico que assisti . Chegando de Adolfo onde só assistia aos "bezinhos" da vida, me deparei com este filme no Cine Átila em S.Caetano do Sul.Em p&b
ResponderExcluireste "John Ford" tem cenas muito bonitas e a meu ver,tem um ótimo roteiro,com atuações memoráveis dos grandes astros.
Daí aumentou minha admiração pelo gênero.Um abraço !!
Parece que John Ford "costurou" este filme com as mãos,hàbilmente desenhado e filmado com um cuidado e esmero de um artesão !!
ResponderExcluirNão parece ? Abraços !!
Pois é, Lau Shane, houve um tempo em que se podia assistir filmes como esse, em reprise, nos cinemas. Emoção que poucos tiveram. É um dos grandes westerns de John Ford
ResponderExcluirDarci
Ainda que sempre obedecendo as ordens do intransigente Coronel Thursday, o personagem quase secundário de John Wayne, Capitão York, tem vários momentos de destaque durante o filme, inclusive em sua única cena de heroísmo onde vai resgatar Thursday ferido pelos Apaches, mesmo depois de este tê-lo chamado de covarde. Um abraço!
ResponderExcluiresse sao filme de se assistir muito bom tenho colecao de fime
ResponderExcluirapache gosto muito de filme assim ok abraco
De fato, primorosa a atuação de Henry Fonda no papel do garboso porém cruel coronel Thursday.
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