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23 de janeiro de 2012

A SAGA DE "SETE HOMENS " – CAPÍTULO 1.º – COMO YUL BRYNNER ENGANOU ANTHONY QUINN


Um dos mais bem sucedidos faroestes da história do cinema é "Sete Homens e um Destino" (The Magnificent Seven). Realizado há mais de 50 anos o filme dirigido por John Sturges é admiradíssimo pelo público, é também bastante conceituado entre os críticos e é reconhecidamente um dos filmes mais influentes do gênero em todos os tempos. Muitas histórias do Velho Oeste são periodicamente refilmadas, como é o caso do duelo no OK Corral ou a vida dos irmãos James, mas nenhum outro western teve tantas sequências como  "Sete Homens e um Destino", que foi seguido por três continuações. Some-se a essas sequências uma série de TV, as inevitáveis paródias e ainda as oportunísticas referências em histórias com sete homens.

Akira Kurosawa dirigindo seu épico
"Os Sete Samurais"
O CLÁSSICO DE KUROSAWA - Quando algum projeto dá certo logo aparecem os muitos pais da idéia e com "Sete Homens e um Destino" não foi diferente, por isso vale à pena lembrar como foi gerado esse faroeste. Tudo começou no Japão, onde o cineasta japonês  Akira Kurosawa começou a deslumbrar o mundo com uma série de filmes importantes, entre eles "Viver", "Cão Danado", "Hakuchi, o Idiota", "Rashomon", "Trono Manchado de Sangue" e "Os Sete Samurais". Excetuando-se "Viver", o principal ator de todos esses filmes de Kurosawa era Toshiro Mifune. "Os Sete Samurais" tornou-se o mais conhecido e elogiado filme de Kurosawa no Ocidente. Como o filme é bastante longo (207 minutos), foi exibido nos estados Unidos em 1956 numa versão reduzida. Mesmo assim o influente crítico do "The New York Times", Bosley Crowther reputou "Seven Samurais" como obra-prima lembrando que havia nuances muito próximas aos westerns. A história simplificada contava como um grupo de samurais é recrutado para defender uma aldeia pobre que é sistematicamente pilhada por bandidos. Lou Morheim era um escritor e roteirista norte-americano que buscava, sem grande sucesso, um lugar ao sol em Hollywood. Ao ler a crítica de Bosley Crowter focalizando "Os Sete Samurais", Morheim vislumbrou a possibilidade de transpor aquela aventura épica oriental para o Velho Oeste. Morheim procurou então Anthony Quinn, ator mexicano, que por volta de 1958 já tinha dois prêmios Oscar de Ator na sua estante, além de ser genro de Cecil B. DeMille, fato que poderia facilitar bastante o desenvolvimento da idéia. O primeiro passo de Morheim foi obter da Toho Filmes a opção para filmar uma versão de "Os Sete Samurais", pagando aos japoneses a bagatela de 250 dólares. Para desenvolver o roteiro Morheim procurou Walter Bernstein, roteirista que havia sido colocado na lista negra de Hollywood pela HUAC, o famigerado comitê que caçava artistas e escritores suspeitos de simpatia pelo comunismo.

Toshiro Mifune

O PROJETO DE ANTHONY QUINN - Transcrito para o western, o argumento de Bernstein mostrava sete pistoleiros no lugar dos samurais e o líder dos pistoleiros recebeu o nome de Chris Larabee Adams, sendo que Bernstein, a pedido de Morheim criou o personagem para ser interpretado por Anthony Quinn. O ator russo Yul Brynner, famoso pela sua calvície, já havia dirigido alguns teledramas ao vivo para a TV, entre eles "MacBeth" interpretado por John Carradine. Brynner, porém, não possuía nenhuma experiência como diretor de cinema. Seu espaço preferido era o teatro e Brynner já havia subido ao palco 1.246 vezes para interpretar o Rei do Sião na Broadway na peça "O Rei e Eu" (até o final de sua vida Brynner interpretou esse personagem 2.132 vezes no teatro). Quando "O Rei e Eu" virou filme com o próprio Yul Brynner, ele ganharia o Oscar de Melhor Ator em 1956. Bernstein procurou Tony Quinn justamente quando Quinn estava dirigindo Yul Brynner na produção de Cecil B. DeMille intitulada "O Corsário Sem Pátria". Nessa oportunidade Quinn contou a Brynner a respeito do projeto da versão do filme de Kurosawa  e convidou Brynner para dirigir o filme que teria Quinn no papel principal. Haveria então uma curiosa troca de papéis entre Brynner e Quinn, atores virando diretores. A fase de Anthony Quinn era excelente e ele era um dos astros mais requisitados de Hollywood, tanto que depois da experiência dirigindo "O Corsário Sem Pátria" para o sogro, Quinn tinha uma lista enorme de compromissos que tomariam sua agenda nos próximos dois anos. Entre seus próximos filmes estavam três westerns: "Minha Vontade é Lei" (Warlock), "Duelo de Titãs" (Last Train from Gun-Hill) e "Jogadora Infernal" (Heller in Pink Tights). Em seguida Anthony Quinn atuaria em, (Sangue Sobre a Neve), "Retrato em Negro", "Os Canhões de Navarone" e "Barrabás". Com tanto trabalho pela frente Anthony Quinn se descuidou do projeto baseado no filme de Kurosawa, mas o mesmo não aconteceu com Yul Brynner.


Acima Lou Morheim e Walter Bernstein;
abaixo Bosley Crowther e Walter Newman
A GATUNAGEM DE YUL BRYNNER - Percebendo o potencial da versão western de "Os Sete Samurais" e sabedor dos problemas de Walter Bernstein cujo nome estava na lista negra de Hollywood, Yul Brynner pegou o roteiro que Quinn lhe havia dado para ler e repassou para um outro roteirista chamado Walter Newman. Entre os trabalhos de Newman estão a autoria da história de "A Montanha dos Sete Abutres" e roteiros de "O Homem do Braço de Ouro" e "Quem Foi Jesse James?" (The True Story of Jesse James). Walter Newman fez então diversos ajustes no roteiro escrito por Bernstein que era baseado no argumento escrito pelos japoneses Shibonu Hashimoto, Hideo Oguni e Akira Kurosawa. Brynner então marcou um encontro com Os irmãos Mirisch (Walter, Marvin e Harold) e apresentou o projeto como se fosse idéia sua e o roteiro de Walter Newman. A Mirisch Corporation, dos irmãos Mirisch, estava em alta e entre suas recentes produções e grandes sucessos estavam "Quanto Mais Quente Melhor", seguido de "Se Meu Apartamento Falasse", "Amor Sublime Amor" e "Fugindo do Inferno", sempre em parceria com a United Artists. Essa companhia encampou o projeto de Brynner sem pensar duas vezes e logo a imprensa começou a noticiar que Yul Brynner iria atuar em um faroeste baseado em "Os Sete Samurais". Anthony Quinn não conseguia acreditar no que estava acontecendo, ou melhor, na traição da qual foi vítima. O primeiro ímpeto foi rachar a cabeça de Yul Brynner e plantar um pouco de escrúpulos nela. Mas o caminho seguido por Quinn foi mais civilizado e juntamente com Lou Morheim entrou junto com uma ação judicial contra Brynner solicitando uma indenização de 650 mil dólares. Quinn e Morheim acabaram perdendo a ação porque não possuíam nenhuma prova concreta que Brynner havia usurpado o projeto. Quinn e Morheim foram negligentes e não haviam sequer registrado o roteiro na associação dos  escritores (Writers Guild of America - WGA), primeiro passo formal para que um projeto cinematográfico não passe de uma simples idéia. Deveriam ter contratado um testa-de-ferro para o roteiro de Bernstein e proceder ao registro, não o fazendo possibilitaram a Brynner mostrar que a cabeça, mesmo careca, não foi feita só para usar chapéu. Mohreim pelo menos mantinha como trunfo o contrato feito com a Toho Filmes, o que fez com que ele continuasse gravitando em torno do projeto. Quinn e Brynner não mais se encontraram para sorte do esperto ator russo mas se isso tivesse acontecido, certamente haveria um acerto de contas não regado a tequila ou vodka.

Walter Mirisch (acima);
John Sturges e Martin Ritt (centro);
Yul Brynner (abaixo)
DIRETOR: JOHN STURGES - Quando foi exibido nos Estados Unidos em 1956, o filme de Kurosawa recebeu o título de "Seven Samurais", mas houve também uma versão do mesmo filme, possivelmente com outra metragem que ficou conhecida como "The Magnificent Seven". Os irmãos Mirisch e Brynner decidiram que esse seria também o título da versaõ western e mais ainda, nomearam Lou Mohreim como um dos produtores executivos. Yul Brynner posava como o dono da idéia desse projeto mas jamais pensou em dirigi-lo. Pouco atores eram mais narcisistas que Yul Brynner e ele sabia que ficar por trás das câmaras não era uma forma eficiente de aparecer. Por essa razão Brynner se autoescolheu para interpretar o pistoleiro Chris. No contrato feito com os Irmãos Mirisch, Brynner tinha direito a aprovar o elenco e o diretor, passos seguintes da produção. Brynner queria Martin Ritt para dirigir ""The Magnificent Seven" e Ritt coincidentemente havia, em 1958, dirigido tanto Brynner ("A Fúria do Destino") como Anthony Quinn ("A Orquídea Negra"). Brynner não contava porém com o detalhe que a Mirisch Corporation tinha sob contrato um diretor chamado John Sturges, já famoso por ter dirigido alguns dos mais importantes westerns dos anos 50: "A Fera do Forte Bravo" (Escape from Fort Bravo), "Punido pelo Próprio Sangue" (Backlash), "Sem Lei e Sem Alma" (Gunfight at the OK Corral), "Irmão Contra Irmão" (Saddle the Wind), "Duelo na Cidade Fantasma" (The Law and Jake Wade) e "Duelo de Titãs" (The Last Train from Gun-Hill). John Sturges havia dirigido também a obra-prima "Conspiração do Silêncio" (Bad Day at Black Rock) que muitos classificam como faroeste. Impossível qualquer tipo de comparação com o currículo de Martin Ritt que ainda não havia feito um faroeste sequer. Mas o que determinou mesmo a escolha de John Sturges é que o contrato dele com a Mirisch Corporation estipulava o irrisório salário semanal de quatro mil dólares. Uma cláusula porém dizia que ele seria sempre produtor executivo dos filmes com direito a 20% do lucro líquido dos filmes. Faltava agora escolher o elenco para "The Magnificent Seven", assunto que será o próximo capítulo da "SAGA DOS SETE HOMENS".

6 comentários:

  1. Ainda tem mais, não, Darci?

    Bom, sem sombras de dúvida que Yul Brynner foi muito esperto, mal caráter sim, porém esperto. Mas analiso mais para frente sobre isso.

    Embora Anthony Quinn fosse um excelente ator, e ótimo diretor (praticamente por um acaso, pois O CORSÁRIO SEM PÁTRIA seria dirigido pelo então sogrão Cecil B DeMille, porque este doente lhe outorgou a direção ao genro), não sei se teria o mesmo resultado, ou melhor dizendo, poderia até fazer sucesso, mas sem dúvida seria um filme diferente.

    Brynner deu ao papel um ar de solidão e mistério. Chris é um verdadeiro enigma,não se sabe de onde vem e qual seu objetivo, e tudo que se sabe que ele esta onde o perigo esta, com notável espírito de liderança. Logo, com Brynner no papel principal, o filme chegou ao sucesso estrondoso, sem contar que deu notoriedade a Steve McQuenn (vindo da TV da série PROCURADO VIVO OU MORTO, e que durante as filmagens, não se entendia com Yul), Charles Bronson, e James Coburn.

    Yul Brynner é um ator que também admiro tanto quanto Quinn, mas devo reconhecer que jogou sujo, embora Anthony não tenha sido precavido o bastante para registrar o roteiro na associação de escritores.

    Brynner abusou da boa fé do colega (que não tiro sua razão de ficar indignado), mas legalmente ele não cometeu crime algum.

    Seja como for, a atitude do "careca de Hollywood" valeu, pois introduziu não somente um clássico do Western, mas um espetacular e imortal clássico do cinematografia mundial. Com certeza, o querido Anthony Quinn teria mais sorte e proveito no futuro.

    Forte abraço

    Paulo Néry

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  2. Paulo, talvez os dois miores mentirosos do cinema sejam Federico Fellini e Antonio Quinn. Na longa estrada da vida esses dois se especializaram em contar histórias sem fundamento. Fellini fazia isso por pura diversão, já Quinn fazia por autoafirmação. Sabe-se lá até onde Tony Quinn falou a verdade nessa história toda. Certo que chegou às raias da Justiça, mas como mentia esse homem. O que tinha de excepcional ator, um dos melhores do cinema em todos os tempos, ele tinha de mentiroso. Por isso há de ter um pé atrás em tudo que Quinn contou em seus livros e até pessoalmente como quando esteve no Jô Soares achando que brasileiros são desmemoriados. Mas esse 'pequeno defeito' só faz essas duas criaturas (Quinn e Federico) serem ainda mais queridas. Quanto ao carecacaradura sua carreira despencou ladeira abaixo depois de "Sete Homens". Brynner foi um dos tipos mais detestáveis de Hollywood.

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    1. Bom, sendo um dos tipos mais detestáveis de Hollywood, com desempenhos memoráveis, ainda sim Brynner tinha um enigmático carisma. Mas até parece castigo, uma vez que a carreira de Brynner despencou e veio a falecer de câncer em 1985 (fumava cinco maços de cigarro por dia e perto de morrer fez um comercial de anti-tabagismo, alertando os perigos do fumo).

      Quanto a entrevista de Quinn no Jô, não pude assistir n época em que rodou um de seus últimos filmes, ORIUNDI, mas ele falou algo que no fundo não deixa de ser mesmo uma verdade...que brasileiro é desmemoriado. Nosso país é sem memória. Se foi neste sentido que ele falou, não deixou de ter razão.

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  3. Corrigindo, Paulo. Fui eu quem disse que o Tony Quinn devia achar que nós brasileiros somos todos desmemoriados pois ele contou, no Jô, histórias inverídicas. Mas como não respeitar Tony Quinn? Qual outro ator teve carreira como a dele, não só pelo tempo que durou, mas e principalmente pelou filmes que fez e com quem contracenou, sem falar nas mulheres que amou.

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  4. Que foi uma rasteira um tanto sem vergonha (mas espetacular, vejo assim) do careca, isso foi. Mas também, que o Quinn deu touca DEMAIS, isso deu. E como deu!
    Sinto muito, velho Quinn, mas o mundo sorri melhor para quem vive com os olhos mais abertos. Os fechou demasiadamente e dançou.
    Quem diria que aquele espetáculo de fita que vimos, e vemos ainda, mesmo depois de mais de 50 anos, nas telas e na TV, percorreu tantos caminhos para se tornar enfim algo concreto!
    Nas mãos do Ritt, Sete Homens e Um Destino poderia ser assistivel, mas não a beleza que foi com o Sturges. Mais ainda; com o Quim fazendo o Chris, tenho certeza que esta magnifica fita seria muito mais espetáculo. Claro. Afinal, Quinn era Quinn. Isso apesar de Brynner estar muito bem, embora muito posudo e tirando uma de Lancaster, aparecendo demais. Mas nada que não possa ser dispensado, esquecido.
    Puxa! 2.132 apresentações de uma peça deve ter recheado, e muito bem, a continha bancária do careca. Mas confesso que o filme não me encheu muito os olhos. Não ruim, mas diferente, como se faltasse algo, que a presença de Kerr equilibrou.
    E o mais engraçado de tudo é que jamais assisti a um filme de Kurosawa. Nem mesmo "Ram" eu assisti.
    Mas, entre tantas idas e voltas surgiu uma obra prima do western. Sete Homens e Um Destino veio, e veio para ficar, conforme temos provado através de tantos anos de exibição e sucesso.
    E tudo isso sem falar na sensacional trilha sonora, que é algo sem comentários, e que ainda é muito ouvida e adorada.
    Valeu, Darci. Vamos ver agora a parte 2.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  5. Amigo Nery,

    Conforme já frisei, nunca leio os comentários já postos antes de fazer o meu.
    E olhe o que é o melhor de tudo em tudo isso; essa diversificação de idéias, de pontos de vista, de opiniões.
    Não fossem essas divergencias de colocações não teriamos assunto para diálogos e comentários sobre comentários.
    Não imagina o quanto isso, esta liberdade de expressão e de pontos de vista, me deixam feliz!
    Vejamos então do que falo: enquanto eu acharia muito melhor o Quinn fazendo o Chris, o amigo dá preferencias ao Brynner. E mais; esmiuça o porque de achá-lo melhor, classificando-o de um pistoleiro enigmático, sombrio, sem enunciar seu passado ou de onde vem. Uma beleza de descrição, que eu nem soube direito, sem olhar, citar seus pensamentos exatamente como escreveu.
    Finalizando, é ou não é maravilhosa esta democracia, esta liberdade de soltarmos nossos pontos de vista sem que alguém venha de encontro com eles? Melhor; o parabenizamos por isso.
    Abraço, meu caro.
    jurandir_lima@bol.com.br

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