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8 de junho de 2018

O PREÇO DE UM COVARDE (BANDOLERO!) – JAMES STEWART COMO O CARRASCO MAIS ENGRAÇADO DO VELHO OESTE



Darryl F. Zanuck ainda era o chefão da 20th Century-Fox em 1968 quando recebeu uma sinopse de cinco páginas com uma história escrita por Stanley Hough que Zanuck entendeu ser interessante e viável de ser produzida. Seria um western, o que por si só já representava certo risco uma vez que o gênero dava fortes sinais de esgotamento. Mas Zanuck confiava no seu faro e de pronto escalou os atores principais para o novo faroeste: James Stewart, Dean Martin e Raquel Welch. Com este trio em mente o boss da Fox entregou a sinopse ao roteirista-escritor James Lee Barrett, autor de “Shenandoah”, o excelente western de Andrew V. McLaglen ambientado na Guerra Civil. E o próprio McLaglen foi incumbido de dirigir, ele que já havia trabalhado por duas vezes com James Stewart e que se entendia muito bem com Barrett. O prestígio de Dean Martin nunca estivera mais alto em Hollywood, a ponto de o ator-cantor virar até agente secreto (Matt Helm) no auge dos filmes que buscavam sucesso na esteira de James Bond. E Dean Martin seria o sortudo para fazer o par amoroso com Raquel Welch, atriz que então povoava os sonhos de homens do mundo inteiro após aparecer em filmes como “Viagem Fantástica” e “Mil Séculos Antes de Cristo”. Intitulado a princípio como “Mace”, nome do personagem de James Stewart, o filme recebeu o título de “Bandolero!”, segundo Andrew V. McLaglen por sugestão de Raquel Welch. Completou o elenco o grandalhão George Kennedy que havia recebido um Oscar de Melhor Coadjuvante por “Rebeldia Indomável”, realizado no ano anterior de 1967.
Nas fotos à direita vemos Darryl F. Zanuck (acima) e James Lee Barrett.


George Kennedy (acima) e James Stewart
O carrasco amigo - Na cidade texana de Val Verde, quase na fronteira com o México, o bando chefiado por Dee Bishop (Dean Martin) assalta o banco local mas não consegue escapar do xerife July Johnson (George Kennedy). Durante o assalto um homem é morto na presença da bela e jovem esposa, Maria Stoner (Raquel Welch). Todo o bando é condenado à forca e a cidade de Val Verde se prepara para a execução com a chegada do carrasco. Porém Mace Bishop (James Stewart), irmão de Dee subjuga o verdadeiro carrasco e fazendo-se passar por ele engana o xerife Johnson e possibilita, já no cadafalso, que o irmão e o bando escapem. Na fuga levam como refém a viúva Stoner, por quem Johnson é apaixonado, criando assim tripla razão para que o xerife encete uma perseguição já em território mexicano, para onde o bando se evadiu. A terceira razão para a perseguição é que Mace Bishop ainda achou tempo para calmamente assaltar o desprotegido banco de Valverde. A caçada ao bando prossegue dando tempo para que Dee e Maria mas em seguida são alcançados, ao mesmo tempo, por sanguinários bandoleiros mexicanos e pelo grupo liderado por July Johnson. Bandidos e homens da lei se unem contra os bandoleiros travando violenta batalha na qual sucumbe todo o bando e ao final Johnson recupera o dinheiro roubado.

James Stewart; abaixo Stewart com Will Geer
Westerns bem-humorados - A língua inglesa têm uma expressão de difícil tradução para o Português que é ‘tongue-in-cheek’, expressão muitas vezes aplicada a um tipo de obra literária, teatral ou cinematográfica. O sentido mais comum para ‘tongue-in-cheek’ seria algo que não deve ser levado a sério por se afastar da realidade mas sem exatamente desaguar no surrealismo. E uma interpretação cunhada pelo estilo ‘tongue-in-cheek’ requer não apenas as expressões faciais como também ironias contidas nas falas. “O Preço de um Covarde” foi realizado tentando ser um western bem-humorado sem se transformar em comédia, mantendo a dramaticidade que faz parte do gênero que não abre mão das sequências mais violentas de ação. E isso seria aparentemente tarefa fácil contando-se com atores que se sentem bastante bem em filmes ‘tongue-in-cheek’ como James Stewart e Dean Martin, verdadeiros campeões da modalidade. Stewart foi insuperavelmente ‘tongue-in-cheek’ em “Atire a Primeira Pedra” (Destry Rides Again) e Dean Martin poucas vezes deixou de lado esse estilo interpretativo. “O Preço de um Covarde” diverte e tem bom ritmo em toda sua primeira parte quando transcorre o assalto ao banco, Mace assumindo o lugar de carrasco, a fuga com a perseguição do apaixonado xerife. Os problemas do western de McLaglen começam com a segunda parte.

Raquel Welch e Dean Martin
Bandido convertido pelo amor - Mace não é exatamente um bandido, tanto que justifica ter lutado ao lado do General Sherman e destruído Estados (do Sul) pelo fato de o país ter entrado em guerra civil. Ao contrário de seu irmão Dee que comandado por Quantrill queimou e saqueou cidades por pura maldade. Mesmo o assalto ao banco de Val Verde, praticado por Mace, tinha a intenção de possibilitar a Dee o início de uma nova vida, honesta e feliz, ainda mais ao lado da viúva Stoner. E é justamente a conversão de Dee que muda bruscamente o tom do filme e que o torna sério demais confrontado com a proposta inicial. Aceita-se a série de incidentes engraçados enquanto predomina o ‘tongue-in-cheek’ proposto inicialmente; já a repentina paixão entre Maria e Dee e a conversão deste soam inconsequentes, ainda mais em se tratando de personagem interpretado por Dean Martin e que, esperava-se, fosse o ‘bandolero’ do título original. E “O Preço de um Covarde” sobrevive aos insossos diálogos apenas pelo imprevisível final com o confronto contra os verdadeiros bandoleros.

Dean Martin e Raquel Welch
Dean e Raquel, sem química - Dois dos melhores exemplos de faroestes divertidos, não western-comédia, sem que a história ou a ação sejam comprometidas são “Fúria no Alasca” (North to Alaska) e “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo), ambos estrelados por John Wayne e que coincidentemente ao final fica com as heroínas. Esses dois belos faroestes cometem o mesmo pecado de John Wayne vencer a disputa amorosa com Stewart Granger no filme de Henry Hathaway e Angie Dickinson não se sentir atraída pelo charme de Dean Martin no clássico de Howard Hawks. Pelo menos houve coerência em “O Preço de um Covarde” e a voluptuosa Raquel Welch escolhe Dean Martin e não o envelhecido James Stewart para se enamorar. Uma pena que entre ambos não tenha chispado uma centelha sequer de amor para aquecer o filme. Outro personagem que merecia maior relevância é o de Will Geer, o assecla que quer educar o idiotizado filho, ensinando-o a não colocar o dedo no nariz. E é de Geer, discutindo com James Stewart a melhor sequência dramática do filme, com os dois magníficos atores em cena. Sem esquecer o jocoso diálogo entre Stewart e Dub Taylor na sequência dos banhos, quando Mace observa que o próprio gerente da casa de banhos deveria experimentar entrar numa tina de vez em quando.

James Stewart; abaixo Stewart com Roy Barcroft
James Stewart fazendo rir - Além de Dub Taylor, aparecem em pequenos papeis Roy Barcroft, Jock Mahoney, Harry Carey Jr., Don ‘Red’ Barry e Denver Pyle, todos que percorreram planícies e saloons dos westerns B dos anos 40 e 50. O grande destaque, no entanto, fica mesmo para James Stewart, impagável ao tomar o lugar do carrasco e sempre um ator que impressiona quando exigido na dramaticidade. Andrew V. McLaglen elogiou bastante Dean Martin por seu profissionalismo, inteiramente oposto à imagem do bon vivant descomprometido e sempre com um copo na mão. Mas Dean já esteve muito melhor em outros filmes, não se esforçando para dar maior relevância ao seu personagem. Interessante saber por que razão não se criou uma canção-tema para Dino brilhar com sua voz. George Kennedy é o tipo de ator que quando se pretende sério é engraçado e quando quer ser engraçado não consegue mais do que ser patético. Ele e Dean Martin parecem estar numa intensa disputa para ver quem produz mais expressões típicas de canastrões durante o filme. O que Raquel Welch tem de beleza lhe falta em talento interpretativo, mas quem liga para isso quando seu rosto enche a tela criando prazer indescritível diante de tamanha formosura?

Hal Needham
A performance dos stuntmen - William H. Clothier, como de hábito, faz da cinematografia um dos pontos altos do filme com imagens exuberantes. Hal Needham comanda o fantástico grupo de dublês que conta com os irmãos Canutt (Joe e Tap), Jerry Gatlin, Buddy Van Horn e muitos outros, entre eles o veterano Jock Mahoney da série ‘Durango Kid’. Com esses stuntmen a diversão é garantida. Jerry Goldsmith respondeu pela trilha sonora musical com aqueles acordes pretensamente engraçados que pontuam os momentos de humor. Fora deles confirma o inspirado compositor que era. O enganoso título nacional leva o espectador a aguardar pelo covarde que não surge em momento algum. Todos neste western, cada um a seu modo, demonstram boa dose de heroísmo. Andrew V. McLaglen viria ainda a filmar outros cinco westerns, três deles com John Wayne, mas jamais repetiu a qualidade de “Shenandoah”, seu filme que o qualificou, enganosamente, como digno sucessor de John Ford.


3 comentários:

  1. Maria Cândida Pieri Garcia8 de junho de 2018 às 21:37

    Como sempre, ótimo! Parabéns

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  2. Exelente artigo mais uma pergunta?

    Quando vc fala que "Ele e Dean Martin parecem estar numa intensa disputa para ver quem produz mais expressões típicas de canastrões durante o filme", significa dizer que o Dean Martin não era um bom ator e que Jerry Lewis era mais ator que ele?

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    1. Jerry Lewis era um gênio e o Dean Martin um carcamano palerma", segundo Frank Sinatra, que por sinal idolatrava o Dean Martin.

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