O primeiro western de Arthur Penn
revisitou o mito Billy the Kid como o cinema nunca havia feito até então, mesmo
resultando num filme desigual e que não chegou a agradar ao público. A
curiosidade maior foi a abordagem inusitada da personalidade de William Bonney
feita pelo escritor Gore Vidal. Depois do extraordinário sucesso de “Bonnie
& Clyde” Arthur Penn conseguiu o incrível orçamento de 15 milhões de
dólares para filmar uma história revisionista sobre os mitos do Velho Oeste.
Para que se tenha uma ideia do significado desse valor, “O Poderoso Chefão”
filmado dois anos depois custou ‘apenas’ seis milhões de dólares. A história de
autoria de Thomas Berger foi entregue a Calder Willingham, roteirista que havia
trabalhado com Stanley Kubrick e responsável pela versão final de “A Face
Oculta” (One-Eyed Jacks). Condensar o livro de Thomas Berger que contém longa
lista de personagens em 140 minutos de filme não foi tarefa tão difícil, mesmo
porque da longa existência de Jack Crabb (121 anos) o western de Arthur Penn se
concentra em menos de duas décadas. Mais difícil foi não cair na armadilha de
mesclar drama e comédia, o que ocorre quando Jack Crabb faz extensa narrativa a
um historiador (William Hickey).
Nas fotos ao lado Thomas Berger (acima) e Arthur Penn
Nas fotos ao lado Thomas Berger (acima) e Arthur Penn
Dustin Hoffman com Faye Dunnaway, Jeff Corey e Aimee Ecless |
O
incansável Jack Crabb - O menino Jack Crabb (Ray Dimas) e sua
irmã Carolina (Carole Androsky) escapam de um ataque índio a uma caravana sendo
resgatados por Cheyennes. Carolina foge do acampamento e Jack Crabb é criado
como filho do cacique Old Lodge Skins (Chief Dan George), demonstrando bravura
e por isso recebendo o nome nativo Little Big Man. Quando a tribo é atacada,
Jack Crabb (Dustin Hoffman) já no final da adolescência é capturado por
soldados e entregue aos cuidados do Reverendo Pendrake (Thayer David) que
transfere a responsabilidade para sua jovem e volúvel esposa Louise (Faye
Dunnaway). Crabb prossegue em suas andanças tornando-se companheiro do
charlatão Merriweather (Martin Balsam) quando reencontra sua irmã Caroline que
o ensina a atirar. Crabb conhece Wild Bill Hickok (Jeff Corey), de quem se
torna amigo. Percebendo que nunca será como Wild Bill, Crabb tenta sem sucesso
a vida de comerciante, agora casado com uma sueca de nome Olga (Kelly Jean
Peters). Conhece então o General Custer (Richard Mulligan) que o aconselha a
migrar para o Oeste mas no caminho a caravana é atacada por índios que
sequestram Olga. Crabb reencontra Old Lodge Skins e os Cheyennes, voltando a
viver com eles e se casando com a jovem índia Sunshine (Aimee Eccles) na
reserva de Wishita River. A tranquilidade acaba quando a cavalaria desrespeita
o tratado e massacra a tribo, matando também Sunshine. Mais uma vez Crabb
escapa com vida, salvando também Old Lodge Skins, que fica cego. Junta-se então
à cavalaria sob o comando do General Custer e participa da batalha de Little
Big Horn, onde vê todo o Regimento da 7.ª Cavalaria ser dizimado. Crabb volta
então para companhia de Old Lodge Skins, nada mais contando e encerrando a
longa entrevista ocorrida em 1970.
Dustin Hoffman |
Drama
em tom de comédia - “O Pequeno Grande Homem” é um estudo
do Velho Oeste, mais através de alguns de seus personagens principais que das batalhas
entre índios e Cavalaria. Oscilando entre o tom dramático, por vezes trágico, e
a comédia nada sutil, essa linha escolhida por Penn pouco contribui para a
dimensão que se pretende dar à história. Quando se torna um rapaz e casualmente
se reencontra com a ‘civilização branca’, Crabb conhece o Reverendo e sua
infiel esposa que lhe mostram o caminho da pureza pregada pelo evangelho. O
charlatão Merriweather ensina ao jovem aprendiz de charlatanice como conviver
com o perigo que é enganar os incautos. Nada porém desvirtua tanto o filme
quanto a caricatura de pistoleiro vestido de negro que é Jack Crabb adentrando
um saloon e pedindo soda para espanto de Wild Bil Hickok que o apelida
jocosamente de Sody Pop Kid.
Acima Martin Balsam, abaixo Dustin Hoffman com Carole Androsky |
Memória
circular - Conflitam esses episódios pretensamente engraçados com a
poética e triste visão do destino dos nativos fadados ao desaparecimento. Durante
sua narrativa a memória do idoso Jack Crabb força improváveis reencontros e o
filme passa a girar em círculos. Mais velho, Wild Bill Hickok é mostrado como
um obsequioso pistoleiro que antes de morrer pede a Jack Crabb que leve
dinheiro a uma prostituta de nome Lulu. Esta é nada menos que Louise Pendrake,
a jovem mulher que iniciou Crabb nos pecados condenados pela Bíblia. Merriwether
ressurge também com menos membros do corpo, perdidos pelas armas daqueles que
são enganados pelo incorrigível vendedor de poções milagrosas. A própria irmã
de Crabb, Caroline, se reencontra com ele, apenas diferente e masculinizada e,
por fim, o pomposo General Custer que salva Crabb de ser executado para que
sirva de conselheiro invertido na sua derradeira caminhada em direção à glória
eterna e à cadeira de presidente dos Estados Unidos. Findo o delírio de Custer
com as flechas em Little Big Horn, o desastrado Crabb volta a ser Little Big
Man na convivência com os Cheyennes.
Dustin Hoffman e Faye Dunnaway |
Chief Dan George |
Vivendo
entre os índios - Antecipando de certa forma o
sentimentalismo que Kevin Costner imprimiu a seu “Dança com Lobos” 20 anos
depois, este filme de Arthur Penn inovou em inúmeros aspectos, especialmente ao
mostrar a vida numa tribo. Foram sondados para interpretar Old Lodge Skins os
atores Marlon Brando, Laurence Olivier e Richard Boone. Ao final a produção
optou pelo nativo canadense Chief Dan George numa escolha perfeita. Como o
velho cacique Cheyenne Dan George dá ao personagem a necessária serenidade de
quem acumulou sabedoria através da vida sofrida. Crabb havia desposado uma
sueca num casamento infeliz e perdera a esposa sequestrada por índios, nunca mais
a reencontrando. Como Little Big Man entre os Cheyennes Crabb se casa com a
jovem Sunshine. As três irmãs desta após perderem os maridos em batalhas acabam
dividindo Little Big Man entre ela enquanto Sunshine dá à luz ao filho que
tiveram. Esse momento divertido com as índias extenuando fisicamente Little Big
Man é o tipo de situação que flui na história sem parecer intrusivo. E há ainda
Little Horse (Robert Little Star), Cheyenne que se torna ‘Himani’, homossexual,
aceito normalmente pela tribo e que em dado momento tenta conquistar Little Big
Man. A eterna hostilidade entre Little Big Man e Young Bear (Cal Bellini)
mostra que rivalidades ocorrem também entre os irmãos índios. Essas sequências
são pitorescas e agradáveis e formam um painel inusitado sobre os índios como
nunca o cinema havia mostrado.
Dustin Hoffman com Steve Shemayne e com Robert Little Star (à direita) |
Jeff Corey |
O
massacre de Wishita River - A Guerra do Vietnã estava em curso e
cineastas alinhados com a contracultura e com o anti-stablishment, invariavelmente
faziam menção ao conflito. “O Pequeno Grande Homem” não podia deixar de fazer
referência à guerra e a sequência da morte de Sunshine evoca a foto da menina
vietnamita correndo antes de ser alvejada. Penn filmou o massacre de Wishita
River com os Cheyennes dizimados em meio à neve com o solo branco manchado pelo
sangue índio e o furor dos homens de uniforme azul provocando destruição poucas
vezes vista na tela com tamanho horror. O massacre de My Lai, ocorrido dois
anos antes ainda permanecia vivo na lembrança de quem viu as imagens mostradas
pelos jornais e noticiários, foi revivido magistralmente por Arthur Penn com a
carnificina de Wishita River. Menos memorável foi o episódio de Little Big Horn
com a demência do vaidoso General Custer e o extermínio de todo 7.º Regimento
de Cavalaria.
Chief Dan George |
Um
índio autêntico - Dustin Hoffman é naturalmente engraçado
e não tem dificuldade para tornar divertido seu personagem, mesmo quando a mão
do diretor se mostra pesada demais para a comicidade. Chief Dan George numa
interpretação muito justamente lembrada para o Oscar (perdeu para o exagerado
John Mills de “A Filha de Ryan”) emociona a cada vez que ressurge na tela. Faye
Dunnaway linda e docemente libidinosa dando o mais memorável banho do cinema em
Jack Crabb. Muito boa a presença de Jeff Corey criando o mais convincente Wild
Bill Hickok levado ao cinema e uma pena que em episódio tão curto, assim com o
de Martin Balsam. Richard Mulligan é o empolado General Custer, certamente
próximo do que foi o alienado militar tantas vezes mitificado pelo cinema.
Dustin Hoffman |
Sucesso
de público - Harry Stradling Jr. foi o responsável pela impecável
fotografia e o músico de blues John Hammond compôs a excelente trilha sonora
musical. Preocupado apenas com a funcionalidade dos acordes, diferentemente das
trilhas que querem marcar por temas melodiosos. Ignorado para prêmios de melhor
filme, foi lembrado em diversas premiações devido à brilhante atuação de Chief
Dan George, o primeiro nativo a interpretar um papel de proeminência em um
filme norte-americano. “O Pequeno Grande Homem” é um dos grandes westerns de
uma fase em que o gênero começava a agonizar, tendo sido sucesso de público
apesar de sua duração longa. Tornou-se um dos westerns de maior bilheteria,
ainda que tivesse custado uma pequena fortuna, merecido sucesso para um western
que pode não ser uma obra-prima mas que é assistido com prazer até mais de uma
vez.
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