UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

27 de dezembro de 2011

O CONFLITO ENTRE WILLIAM WYLER E GREGORY PECK EM “DA TERRA NASCEM OS HOMENS”


“Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country) é um filme grandioso e está entre os westerns preferidos de muitos cinéfilos. Grandes atuações, grandes cenários, belíssima cinematografia e tema musical de Jerome Moross que está entre os melhores, senão o melhor, do gênero. Porém engana-se quem pensa que esse foi um filme fácil de ser feito, mesmo tendo sido dirigido por William Wyler, diretor indicado 12 vezes para o prêmio Oscar, levando a famosa estatueta para casa por três vezes como Melhor Diretor, sendo ainda o recordista de atores indicados como melhores atores ou atrizes (nada menos de 30 vezes, com uma dúzia de vitoriosos) sob sua direção. Gregory Peck já havia atuado uma vez sob a a direção de Wyler em "A Princesa e o Plebeu". Os problemas do veterano diretor em “Da Terra Nascem os Homens” começaram logo no primeiro dia de filmagens com o excesso de pessoas chamadas ‘Chuck’...

Chuck Heston, Chuck Connors (acima);
Chuck Roberson e Chuck Hayward (abaixo).
CONGRESSO DE ‘CHUCKS’ - ‘Chuck’ é um apelido comum para quem se chama Charles, mas pode ser dado também a portadores de outros nomes, como por exemplo Charlton Heston. Chamado formalmente de Mr. Heston, os amigos somente o chamam de ‘Chuck’. Em “Da Terra Nascem os Homens” havia, além de ‘Chuck’ Heston, outros três ‘Chucks’: Chuck Hayward (Charles B. Hayward), Chuck Roberson (Charles Hugh Roberson) e Chuck Connors (Kevin Joseph Aloysius Connors). E não foram contados Chuck Hammon (responsável pelo transporte) e Chuck Gay (Charles Gay), do Departamento de Arte. Com mais de 30 anos dirigindo filmes, o alemão William Wyler fez uso de sua experiência determinando que Heston seria o ‘Chuck One’, Connors seria o ‘Chuck Two’, Hayward seria o ‘Chuck Three’ e Roberson seria o ‘Chuck Four’. Quando Wyler gritava ‘Chuck Two’, Connors se apresentava e assim por diante. Esse problema nominal foi de fácil solução. Muito mais difícil para Wyler foi se entender com Gregory Peck.

Atores e técnicos de "Da Terra Nascem os Homens":
da esq. para dir.: Bickford (3.º); Burl Ives (4.º); Peck (5.º);
Roberson (6.º); Bob Morgan (9.º); Hayward (10.º);
Heston (11.º) e Connors (último à direita).

Wyler dirigindo a sequência do conflito
e orientando Peck e Carroll Baker
ÉTICA OU ARTE - William Wyler e Gregory Peck eram os produtores de “Da Terra Nascem os Homens”, sentindo-se cada um com direito e obrigação de realizar o melhor dos filmes. Numa das primeiras cenas filmadas, aquela em que James McKay (Peck) chega à Fazenda do Major Terrill (Charles Bickford) e é recebido no caminho por Pat Terrill (Carroll Baker), ocorreu o conflito que fez com que Peck e Wyler deixassem de se falar. William Wyler gostava de rodar inúmeros takes de uma cena até ficar satisfeito e não raro rodava a mesma cena oito e até dez vezes. Porém nas tomadas feitas da charrete guiada por Peck, Wyler entendeu que elas haviam ficado perfeitas sem necessidade de repeti-las. Gregory Peck, porém, achou que poderia fazer melhor e queria que a câmara permanecesse em close em seu rosto por mais tempo. Wyler prometeu a Peck que depois da sequência editada eles a assistiriam e caso Peck não ficasse satisfeito, aí então refariam algumas tomadas. Após assistir à cena nos 'dailies' (exibição das tomadas do dia), Gregory Peck disse a Wyler que deveriam refilmá-la. Wyler respondeu que havia ficado bom e que não refaria o trabalho. Peck argumentou que ele havia assumido um compromisso e estava faltando com sua palavra, o que para Peck significava falta de ética. Wyler retrucou que, para ele, a Arte estava acima da Ética. E não mais falaram sobre a cena e não mais se falaram durante o resto das filmagens, dificultando com isso o relacionamento com os demais membros da produção, entre eles os muitos ‘Chucks’. Se a sequência não é primorosa pode-se afirmar que ficou excelente, assim como o resultado final de “Da Terra Nascem os Homens”, o que só comprova o grande diretor que era William Wyler.

Acima Wyler com Heston
e Stephen Boyd e
abaixo com o Oscar
recebido por "Ben-Hur"
REENCONTRO NA ENTREGA DO OSCAR - Gregory Peck e William Wyler ficaram três anos sem se falar, até que se reencontraram no dia 17 de abril de 1960, no Santa Monica Civic Auditorium, em Los Angeles, na noite da premiação da Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Wyler recebeu o Oscar de Melhor Diretor por "Ben-Hur" e estava saindo do palco com o prêmio nas mãos quando adentrou o palco justamente Gregory Peck para entregar o prêmio seguinte. Wyler e Peck se encontraram na frente dos quase dois mil atentos convidados que nem piscavam para ver o que aconteceria. Gregory Peck parou, esticou a mão direita para Wyler cumprimentando-o pelo prêmio recebido. O diretor passou o Oscar para a mão esquerda e retribuiu o cumprimento, sorrindo e dizendo a Gregory Peck: “Não adianta insistir que eu não vou refazer aquela cena de jeito nenhum...”. Peck sorriu e foi entregar o prêmio para Charlton ‘Chuck’ Heston por sua interpretação como 'Judah Ben-Hur'. Acredita-se que a verdadeira origem da hostilidade entre Peck e Wyler seriam as diferenças políticas do ator que era Republicano e conservador e o Democrata William Wyler que flertava com a esquerda. Wyler queria fazer de “Da Terra Nascem os Homens” uma alegoria à Guerra Fria entre as duas maiores potências (Estados Unidos e União Soviética) que à época dominavam o cenário político mundial. Se todos os conflitos de bastidores resultassem em tão bons filmes como “Da Terra Nascem os Homens”, todos deveriam brigar sempre nos sets de filmagens...

5 comentários:

  1. É Darci, é um dos meus westerns preferidos, e sabia de muitas confusões durante as filmagens, o que, felizmente, não atrapalhou o excelente resultado, talvez até mesmo acima de qualquer expectativa.

    Aqui, vemos o duelo de dois talentos extraordinários, um ator e um diretor, que tem em comum o profundo perfeccionismo.

    William Wyler era um perfeccionista de primeira, e devia ser um diretor muito difícil de trabalhar, um baixinho que na verdade era um gigante na arte da direção, que rodava inúmeros takes até tudo ser perfeito conforme seu ponto de vista.

    E Peck, um ator que também exigia de si mesmo uma atuação primorosa. O que chama mais atenção é que Wyler, que poderia concordar com Peck e mandar repetir a cena, não o fez por achar perfeito, e Peck achou que precisava, logo quem estava certo???

    A cena em questão é uma das grandes sensações do filme, e não há quem diga ao contrário, chama a atenção até hoje - e tudo isso se deveu a Wyler, que era experiente e sabia como ninguém.

    As interpretações estavam também espetaculares, até Carroll Baker, que não é lá uma grande atriz, consegue convencer como a namorada chata e irritante de Peck. Charlton Heston foi testado por Wyler para ser um meio vilão, com o objetivo se daria a ele o papel principal de Ben-Hur, por sugestão de Cecil B. De Mille. Tanto agradou a Wyler a performance de Heston que o escolheu para ser o herói criado por Lew Wallace.

    E Jean Simmons???

    Ficou tão irritada que se recusava a falar ou ouvir menção deste magnífico western, e pelo visto, odiou Wyler depois.

    Conclusão: Chamar The Big Country de "um bom filme", é uma "ofensa", mas espetacular, épico, monumental - e sem dúvida muitos outros filmes resultaram em grandes obras, onde sempre por traz dos bastidores há brigas, discussões, intrigas, fofocas, e enfim, nada de incomum que possa acontecer em qualquer profissão ou locar de trabalho, mas que são superados quando existe o profissionalismo de alguns.

    Wyler & Peck eram Profissionais com P maiúsculo.

    Grande artigo, aprendi mais algumas coisas sobre este western que tanto aprecio. Abraços.

    Paulo Néry
    Filmes Antigos Club
    http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  2. Mais uma ótima história de bastidor, Darci. Nesta rusga, fico com Peck. Mesmo que Wyler estivesse certo no final de uma nova filmagem, não custava cumprir a palavra e dar ao ator/produtor essa oportunidade. Quem sabe não poderia aproveitar um simples take, um olhar diferente de Peck, uma nova reação ao diálogo de outro ator e tudo estaria resolvido. Ainda bem que essa briga não parece ter interferido no restante do trabalho e ganhamos um excelente faroeste.
    Muito se discute se os conceitos de ética e moral significam ou não a mesma coisa. Penso que essa distinção é útil, mas nesse caso, o que Peck deveria ter respondido ao grande diretor era: pode ser que a arte esteja acima da ética, mas o homem William Wyler não!

    ResponderExcluir
  3. Ivan e Paulo
    Lidar com os astros de Hollywood não era fácil e os grandes diretores como Hitchcock, Ford, Wellman, Stevens e Hawks não faziam muitas concessões aos egos das divindades cinematográficas.
    Paulo, assim como o Ivan, você é um grande admirador de "The Big Country" e tem razão de achar ofensa chamar esse filme de 'bom filme'. Ele é, na minha opinião, um western superior, ainda que não chegue a ser uma obra-prima.
    A doce Jean Simmons sofreu muito em "Da Terra Nascem os Homens", assim como em outros filmes. Está aí uma atriz que merece ter sua carreira e vida relembrada em uma postagem.

    ResponderExcluir
  4. E as rusgas não paravam por aí, não ficavam apenas entre Peck e Wyler. Os temperamentos se afloraram no set entre vários indivíduos, particularmente entre William Wyler e Charles Bickford, que haviam se estapeado anos antes, na filmagem de Os Três Padrinhos (Hell's Heroes, 1929), e continuavam com seu relacionamento antagônico. Como muitos sabem, Wyler gostava de repetir os takes inúmeras vezes, com várias retomadas, e Bickford estava muito irritado com isso, muitas vezes recusando-se a dizer uma linha que ele não gostasse ou a variar a sua performance, não importando o número de vezes em que ele fosse forçado a repetir a atuação de uma mesma cena.

    ResponderExcluir
  5. Este filme junto com três homens em conflito sejam os melhores faroestes já feitos obra prima

    ResponderExcluir