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3 de dezembro de 2011

CLIFF EDWARDS, O ESQUECIDO SIDEKICK DE DURANGO KID E TIM HOLT


O nome de Cliff Edwards não é dos mais conhecidos entre os fãs de faroestes. Porém se alguém lembrar do apelido de Cliff, que era Ukelele Ike, certamente muitos se recordarão daquele sidekick que acompanhou Durango Kid e Tim Holt em westerns desses dois queridos mocinhos nos anos 1941 a 1943. Outros que conheçam cinema e música um pouco mais profundamente sabem que Cliff Edwards foi o cantor que pela primeira vez cantou “Singin’ in the Rain” no cinema, no filme “Hollywood Revista” (1929) quando Gene Kelly era ainda um garotão de 16 anos. As qualidades de músico e cantor de Cliff Edwards faziam dele uma grande promessa para o cinema sonoro que dava então seus primeiros passos tendo nos musicais o mais rico filão a ser explorado.

O jovem Cliff Edwards; ao lado da atriz Bessie
Love; o manual para se aprender a tocar o
instrumento da moda nos anos 30;
Cliff em cena com Buster Keaton.
DO VAUDEVILLE PARA O CINEMA - Cliff Edwards nasceu em Hannibal Missouri, em 14 de junho de 1895 e aos 14 anos se mudou para St. Louis onde já como artista cantava acompanhando-se num exótico instrumento de cordas chamado ‘ukelele’, espécie de viola em miniatura. Foi em St. Louis que Cliff Edwards ganhou o apelido de ‘Ukelele Ike’ e fazendo parte da prestigiosa troupe do Ziegfield Follies gravou seu primeiro disco aos 24 anos. Algumas de suas gravações alcançaram enorme sucesso entre elas "Toot, Toot, Toosie", "I Cried for You", "Sleepy Time Gal" e “Singin' in the Rain”, transformando Edwards que já era um astro do vaudeville em grande nome dos discos. Daí para o cinema foi um pequeno passo, o que ocorreu inicialmente em 1929 com “Hollywood em Revista”. Sempre executando com maestria seu  ukelele, Cliff Edwards foi o responsável pela enorme popularidade desse instrumento nos anos 30, tempos do gangsterismo de Chicago. O ukelele ficaria famoso no cinema quando empunhado por Marilyn Monroe que fazia de conta que o tocava em “Quanto Mais quente Melhor”, naquela famosa orquestra de moças da qual faziam parte as 'garotas' Tony Curtis e Jack Lemmon. Nos dez anos seguintes, Cliff Edwards apareceu em aproximadamente 50 filmes, até chegar aos Estúdios Disney, onde se consagraria como artista. Nesse percurso Cliff atuou em diversas comédias, o que parecia ser sua especialidade e onde demonstrava muito talento. Entre essas comédias estava “O Coração Manda" (Montana Moon), em 1930, ambientada no Velho Oeste e coestrelada por Johnny Mack Brown e Joan Crawford. Seguiram-se “Ordinário, Marche!”, “Ruas de Nova York”, “Romeu de Pijama”, todas as três com Buster Keaton. E ainda “Bom Partido para Dois”, com Barbara Stanwyck; “Quando o Mundo Dança” e “Almas Pecadoras”, com Clark Gable e Joan Crawford; “Entre Duas Mulheres”, com Franchot Tone; “Saratoga”, com Clark Gable; “O Mundo Ensinou-me a Matar”, com Spencer Tracy. Em 1940 Cliff Edwards fez parte do elenco de uma das mais amalucadas comédias de todos os tempos que foi “Jejum de Amor”, dirigida por Howard Hawks, com Cary Grant. Entre os muitos musicais em que Cliff atuou nesse período estão “O Escândalo do Rei George”, com Rudy Valle e “A Princesa de Eldorado”, com a dupla Jeanette MacDonald- Nelson Eddy. Os apaixonados por “...E o Vento Levou” não terão dificuldades em lembrar de Cliff Ukelele Ike Edwards interpretando o Soldado Saudoso nesse clássico de David O. Selznick.

Acima Tony Curtis, Jack Lemmon, Marilyn e seu ukelele
em "Quanto Mais Quente Melhor"; abaixo Charles King,
Joan Crawford, Conrad Nagel e Cliff Edwards em
"Hollywood em Revista - 1929".

Cliff Edwards foi a voz de 'Jimmy Crickett' (Grilo
Falante) em "Pinocchio" e do corvo 'Jim Crow' em
"Dumbo"
A VOZ DO GRILO FALANTE - E veio então o sucesso com “Pinocchio”. Esse adorável desenho animado de Walt Disney se inicia ao som de “When You Wish Upon a Star”, canção que de imediato conquista o espectador deixando seu espírito preparado para a magia da história do boneco criado pelo velho Gepetto. A canção ganhou o Oscar em 1941 e se tornou sucesso instantâneo vendendo só nos Estados Unidos 70 milhões de discos 78 rotações. A voz que interpretava a canção e que também falava por ‘Jimmy Cricket’ (Grilo Falante) era a voz de Cliff Edwards. Essa maravilhosa canção, eleita uma das cem mais bonitas de todos os tempos feitas para o cinema, pelo American Film Institute, foi gravada por incontáveis artistas, de Johnny Mathis a Michael Jackson, passando por Louis Armstrong. No ano seguinte Cliff Edwards teve outro momento marcante em sua carreira emprestando sua voz a um dos detestáveis corvos de “Dumbo”. Nesse novo desenho animado de Walt Disney, Cliff Edwards canta a bonita canção “When I See an Elephant Fly” que igualmente alcançou enorme sucesso.

Cliff Edwards e sua terceira esposa
em uma das muitas viagens
EXTRAVAGANTE ESTILO DE VIDA - Quando Cliff trabalhou para os Estúdios Disney já não estava mais no auge da carreira, o que havia ocorrido na década anterior, tempos em que ganhou muito dinheiro, mas não o suficiente para manter o alto estilo de vida que mantinha. Carros, restaurantes de luxo e duas pensões de ex-esposas foram consumindo tudo que Ukelele ganhava. Foi então que ele sofreu um tremendo golpe na sua vida real quando sua terceira esposa o abandonou para viver com um advogado. A mulher entrou com um pedido de divórcio e numa incrível maquinação jurídica conseguiu tomar de Cliff tudo que ele ainda possuía, inclusive a tranqüilidade necessária para trabalhar. Abalado emocionalmente e coberto de dívidas, Cliff Edwards declarou-se falido. Necessitando desesperadamente de dinheiro Cliff teve que se submeter a trabalhos muito aquém de seu talento, como no filme B “Esquadrão Internacional”, estrelado por Ronald Reagan. A carreira de Cliff desceu ainda outro degrau quando ele atuou em “A Bela e o Monstro”, com Rod Cameron, filme que conta a história de um cientista que retira o cérebro de seu irmão morto e o implanta num gorila. Esse trabalho foi pouco lisonjeiro para quem, como Cliff, havia ajudado a criar o encanto de filmes como “Pinocchio” e “Dumbo”.

Cliff Edwards em cena com Charles Starrett
(acima) e com Tim Holt
COM DURANGO KID E COM TIM HOLT - Ukelele Ike havia estrelado alguns shorts (curta-metragens que passavam nos cinemas como complemento) em que aparecia vestido de cowboy e interpretando músicas desse gênero. A Columbia Pictures queria revitalizar a série de western "B" de Durango Kid, estrelada por Charles Starrett e produtor Jack Frier criou um sidekick para o mocinho, lembrando de Cliff Edwards. Ukelele Ike participou de oito westerns ao lado de Charles Starrett, entre 1941 e 1942: “Trovoada na Campina” (Thunder Over the Prairie), “O Forasteiro da Planície” (Prairie Stranger), “Bandoleiros do Faroeste” (Riders of the Badlands), “Redenção de um Bandido” (West of Tombstone), “Bandoleiros das Planícies” (Lawless Plainsman), “A Lei das Colinas” (Badmen of the Hills), “O Rancho Misterioso” (Riders of the Northland) e “Diligência de Deadwood” (Overland to Deadwood). A parceria com Charles Starrett foi bastante proveitosa e Charles ficou muito satisfeito em trabalhar com Cliff, de quem se tornou admirador. Charles lamentou bastante quando Ukelele Ike deixou a série pois o considerava “um grande companheiro, excelente artista e um ser humano maravilhoso”. O que levou Ukelele Ike para a RKO, em fins de 1942 foi a sua situação financeira pois ele precisava ganhar mais e a RKO lhe ofereceu o dobro do que ganhava na Columbia para atuar ao lado de Tim Holt, o mocinho daquele estúdio. Mais uma vez a sorte abandonou Ukelele Ike pois Tim Holt foi convocado para ser aviador da U.S. Army com data marcada para se apresentar. A RKO tinha exatos 54 dias para rodar filmes com seu mocinho e produziu nada menos que seis filmes com Tim Holt nesse curto espaço de tempo, todos com Cliff Edwards como sidekick. O estúdio quis ter um bom estoque de filmes de Tim Holt pois não sabia quando ele iria voltar. O ano era de 1943 e a II Guerra Mundial ainda demoraria para terminar. Essa meia dúzia de faroestes filmados rapidamente foram “Cavaleiro Vingador” (The Avenging Rider), “Falso Renegado” (Bandit Ranger), “Traidores da Lei” (Fighting Frontier), “Piratas do Prado” (Pirates of the Prairie), “Vingador Mascarado” (Red River Robin Hood) e “Justiça Vingadora” (Sagebrush Law). Assistindo-se a esses pequenos westerns fica a nítida inpressão que o talento de Ukelele Ike poderia ser muito melhor aproveitado. Sem Tim Holt a RKO suspendeu a série e Ukele Ike ficou sem trabalho.

Cliff Edwards, o 'Ukelele Ike'
uma das vozes mais marcantes
do rádio e do disco
ESQUECIDO POR TODOS - Descontente com o cinema, Ukelele Ike passou a se apresentar em programas de rádio e mais tarde no novo veículo chamado televisão. Infelizmente a imagem que o público via de Cliff Edwards era a de um homem triste e com certa dificuldade para andar. Nos anos 60 Cliff conseguiu gravar um LP intitulado “Ukelele Ike Happens Again”, disco que passou praticamente despercebido. Se o ator-cantor-instrumentista, conforme revelou para amigos, jamais conseguiu se recuperar do trauma conjugal vivido 30 anos antes, veio a sentir muito mais profundamente o esquecimento a que foi relegado pelo mundo artístico, ele que havia tido tão brilhante carreira nos palcos e no cinema. Morando sozinho num acanhado apartamento em Hollywood, com a saúde cada vez mais debilitada e totalmente desprovido de recursos financeiros, Cliff Ukelele Ike Edwards faleceu no dia 17 de julho de 1971, aos 76 anos de idade. O Estúdio Disney reconhecendo a importância de Cliff Edwards foi quem custeou o funeral. Cliff Edwards deixou seu humor inteligente registrado nos faroestes assistidos por milhares de crianças nas matinês, as mesmas crianças que se emocionaram com os acordes delicados e o lirismo dos versos cantados por Ukelele Ike em “When You Wish Upon a Star”. Quando se ouve essa inesquecível canção é impossível não sentir uma ponta de tristeza ao lembrar o quanto Hollywood foi cruel com esse simpático e talentoso artista que, como dizia o verso de seu maior sucesso fonográfico, apenas queria permanecer numa cintilante estrela.

2 comentários:

  1. Ótimo artigo, Darci. Gostei da lembrança de Pinóquio e da sua bela canção servindo como uma moldura para a triste história de Cliff.
    Neste desenho, contamos também com a voz de Frankie Darro. Outro ator que conheceu a fama e seu reverso em Hollywood. Com sua pequena estatura, proporcionou os movimentos de Robby, o robô no filme Planeta Proibido.
    Lembro dele, em 1966, fazendo uma ponta como jornaleiro na série Batman.

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  2. Olá, Ivan. Frankie Darro foi um dos ídolos do pessoal que frequentou as matinês nos anos 20 e 30. Os então adolescentes queriam ser como Frankie Darro. Seu fim de carreira também foi um pouco triste e Darro foi esquecido. Seria interessante lembrar desse ator em uma futura postagem. Um abraço.

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