Acima George Marshall e Glenn Ford; abaixo William Bowers e James Edward Grant |
Estes foram os astros do cinema
campeões de bilheteria no ano de 1958: Elizabeth Taylor (2.ª), Jerry Lewis
(3.º), Marlon Brando (4.º), Rock Hudson (5.º), William Holden (6.º), Brigitte
Bardot (7.ª), Yul Brynner (8.º), James Stewart (9.º) e Frank Sinatra (10.º).
Quem foi o ator que mais público levou aos cinemas naquele ano? Não, não foi
John Wayne, por sinal a única vez ao longo de 26 anos que o Duke ficou fora da seleta
lista. Ah, quem então foi o ator que mais público levou aos cinemas em 1958?
Foi o canadense Glenn Ford que, pode ser dito, substituiu muito bem John Wayne
e que naquela década teve uma incrível sequência de ótimos filmes, em sua
maioria westerns consolidando seu nome como um dos cowboys preferidos do
gênero. Com o diretor Delmer Daves, Glenn Ford fez uma marcante parceria em
três faroestes, mas era com George Marshall que Ford se dava melhor do que com
qualquer outro diretor e por quem o ator foi dirigido nada menos que seis
vezes. “O Irresistível Forasteiro” é o melhor momento da parceria
Marshall-Ford, western-comédia que faz rir bastante e que se Billy Wilder
tivesse um dia dirigido um faroeste, teria sido este. Roteiro incrivelmente
inspirado com diálogos sarcásticos e um elenco capaz de provocar risos até no
mais rabugento dos espectadores. William Bowers e James Edward Grant foram os
autores do roteiro a partir de uma história do próprio Grant, narrando de modo
inusitado a disputa entre criadores.
Glenn Ford; Glenn e Leslie Nielsen |
Um
estranho mudando uma cidade - Jason Sweet (Glenn Ford), chega de
trem a Powder Valley, pequena cidade do Velho Oeste, com seu rebanho de ovelhas
e, mesmo mal recebido porque naquela região todos criam gado, o forasteiro impõe
respeito surrando logo que chega o valentão da cidade, Jumbo McCall (Mickey
Shaughnessy) capanga do Coronel Stephen Bedford (Leslie Nielsen), o mais
poderoso entre os criadores. Criar ovelhas era algo visto com preconceito e
estes criadores eram sempre ‘convidados’ a levar seus rebanhos para bem
distante de Powder Valley. Sweet e Bedford são velhos conhecidos, dos tempos em
que o Bedford ainda se chamava Johnny Bledsoe. O impostor mudara de nome, de
cidade, ganhara respeito e estava de casamento marcado com Dell Payton (Shirley
MacLaine), não contando porém com a chegada do teimoso ex-amigo que insiste em
dividir pastos e rios dos criadores de gado com seu rebanho de ovelhas. Bedford
contrata um trio de assassinos de aluguel para colocar um fim à valentia de
Sweet mas este não só vence em duelo Choctaw Neal (Pernell Roberts), um dos
bandidos, como também acerta as contas com o Coronel. Para completar Sweet
conquista Dell, e decide vender seus rebanho de ovelhas e passar a criar gado
como marido dela ali mesmo na cidade onde há pouco era um estranho.
Shirley MacLaine e Glenn Ford; Mickey Shaughnessy e Glenn Ford |
A
linguagem da ironia - Geralmente são feitas enquetes para
listar os melhores westerns de todos os tempos, mas caso o objetivo fosse
conhecer os faroestes mais faroestes este teria seu lugar garantido e entre os
primeiros da relação. “O Irresistível Forasteiro” é uma interminável sucessão
de diálogos irônicos mais parecendo terem sido elaborados para serem ditos por
Groucho Marx. No entanto, é o cowboy Jason Sweet quem tem quase sempre uma
resposta sarcástica, isto quando não é Milt Masters (Edgar Buchanan), o amigo
‘fiel’ que Jason consegue na cidade e quem o ajuda a rebater à altura ou
descompor os vilões da história. Milt Masters mostra a Sweet como alguém pode
ser fiel desde que lhe pague um dólar por informação e outro dólar extra por
uma informação mais valiosa. A mocinha Dell, prestes a se casar com o desonesto
Coronel Bedford, também não deixa por menos quando precisa ser zombeteira,
assim como o esbirro Jumbo ou o mexicano Ângelo (Pedro Gonzalez-Gonzalez). Mais
circunspecto, até por força da afetação que pretende demonstrar, o Coronel é
quem menos chance tem de ser mordaz, não deixando, claro, o cinismo de lado.
Edgar Buchanan e Glenn Ford; Shirley MacLaine e Glenn Ford; Mickey Shaughnessy |
Elenco
afinado e divertido - Um filme com um roteiro assim
inspirado não poderia ter elenco mais adequado. Glenn Ford não era um ator
cômico por natureza, mas sabia como divertir o público com personagens menos
sérios e prova disso é como superou, com vantagem, Marlon Brando em “Casa de
Chá do Luar de Agosto”. Nessa comédia militar passada no Japão e que fez enorme
sucesso no teatro (mais de mil apresentações), o personagem ‘Sakini’ de Brando
era o mais importante, perdendo, porém, no decorrer do filme para o ‘Capitão
Fisby’ interpretado por Glenn Ford. Edgar Buchanan, apropriadamente chamado
‘Masters’ neste western era sim um mestre da dissimulação e Ford tem que se
esforçar para que seu grande amigo pessoal Edgar Buchanan não lhe roube as
cenas nas quais participam juntos. Shirley MacLaine ainda não se firmara como
grande estrela mas seu talento cômico aparece em cada expressão facial que ela
faz. Mickey Shaughnessy é hilário como o fanfarrão Jumbo que vai a nocaute na
luta contra Sweet e espera ansioso pela vingança a todo momento. Curiosamente,
Leslie Nielsen é o menos engraçado do elenco principal, ele que mais maduro fez
sucesso quando passou a fazer comédias interpretando o desastrado ‘Tenente
Frank Drebin’. “O Irresistível Forasteiro” deixa de atingir a perfeição como
western-comédia pelo não aproveitamento da habilidade de Slim Pickens em ser
engraçado, ou melhor, engraçadíssimo. Pickens surge na tela por pouco mais de
um minuto como um xerife lambe-botas do Coronel Bedford e mesmo nessa rápida
sequência provoca risadas. Imagina-se o quanto esse personagem acrescentaria de
diversão se tivesse maior participação na trama, como teria no ano seguinte
como o assistente de Karl Malden que passa maus bocados com Marlon Brando em “A
Face Oculta”.
Duelo entre Leslie Nielsen e Glenn Ford |
Duelo
em dose dupla - Westerns em tom de comédia não são levados à sério pelos
críticos porque a ação geralmente é farsesca, o que também é o caso deste
faroeste. Jason Sweet enfrenta o fortão Jumbo McCall quase destruindo o
restaurante chinês. E vale lembrar que o mesmo Mickey Shaughnessy (Jumbo)
testemunharia dois anos depois uma das maiores brigas em saloons dos westerns,
aquela em que John Wayne e Stewart Granger provocam briga em “Fúria no Alasca”.
Shaughnessy estava lá, bêbado, é certo, mas estava. Não poderia faltar o duelo,
neste caso em dose dupla pois Jason Sweet primeiro enfrenta na rua o covarde
Chocktaw, um Pernell Roberts irreconhecível atrás da barba por fazer de homem
mau, ele que logo depois seria o galã ‘Adam Cartwright’, personagem preferido
do público feminino na série “Bonanza”. Por fim Sweet se defronta com o
astucioso Coronel Bedford que acredita poder enganá-lo com a pistola antiga que
enfeita sua mesa, arma que ele carregou com a pólvora mortal. E ainda há as
cavalgadas que o excelente cavaleiro Glenn Ford, cowboy autêntico e que como
poucos atores se sentia confortável como homem do Oeste. A produção, como de
hábito, nem precisava se preocupar com seu vestuário pois o seu surrado chapéu
e jaqueta eram os trajes que ele gostava de usar nos westerns. Só não vamos
falar do estranho penteado que Glenn passou a usar...
Duelo entre Pernell Roberts e Glenn Ford |
Glenn Ford e o truque da ficha sobre o copo |
Glenn
Ford, sempre um gatilho relâmpago - Este western que, como foi dito, tem
diálogos primorosos e é também engenhoso na construção da trama e introdução de
cada personagem. Jason Sweet tem uma razão a mais para acertar as contas com
Chocktaw Neal uma vez que este foi quem matou sua noiva anos atrás num assalto
a banco. E Dell Payton, cada vez atraída por Sweet, se alegra ao saber que ele não é casado,
embora tenha passado pelo momento triste da morte da noiva. Algumas sequências
são primorosas como quando Sweet vai comprar uma sela experimentando-a e mais
tarde quando impressiona o povo da cidade com sua habilidade no uso do Colt,
algo que Glenn Ford também fez no magnífico “Gatilho Relâmpago” (The Fastest
Gun Alive), dois anos antes. Para não perder a piada Jumbo tenta repetir a destreza de Sweet e o que consegue
é fazer a plateia rir. São muitos os momentos e frases marcantes deste western,
mas a primeira delas, quando Sweet faz uma aposta consigo mesmo sobre a figura
de folclórica de Milt Masters é definidora de tudo que se seguiria durante o
filme.
Os 'old timers' com Edgar Buchanan ao centro |
Álbum
de veteranos - O ótimo elenco tem ainda uma atração a mais que é ver
surgir na tela rostos e mais rostos conhecidos de tantos westerns B. Parece que
a MGM recrutou todos os veteranos disponíveis para fazer figuração ou ter
pequenas participações. Reconhece-se entre tantos Franklyn Farnum, o bandidão
Harry Wood, o engraçado Roscoe Ates, Lane Bradford, Tom London, Kermit Maynard
(inclusive sem chapéu e calvo), Richard Alexander, Norman Leavitt, Chet
Brandenburg e muitos outros. Uma festa para quem os viu bem mais jovens nos
inesquecíveis westerns B da Republic, PRC e Monogram.
Glenn Ford |
Um
ator injustiçado - Glenn Ford não era o tipo de ator
que procurava impressionar com truques interpertativos. A sobriedade era sua
marca, ainda que a ela pudesse ser somada a correção na composição dos
personagens. Glenn jamais foi indicado ao Oscar e entre os prêmios que recebeu
na carreira destaque-se o Golden Globe de ‘Melhor Ator de Comédia’ por sua
atuação em “Dama por um Dia”. Sequer aquele Oscar Honorário que tantos outros
artistas receberam Glenn foi contemplado, o que é uma das muitas injustiças da
Academia de Cinema Hollywood. Mas eis que o Bafta, o mais importante prêmio
cinematográfico inglês reconheceu seu belo trabalho em “O Irresistível Forasteiro”,
indicando-o como Melhor Ator Estrangeiro naquele ano de 1958. Nos States a
atuação de Glenn passou despercebida, assim como o próprio filme de George
Marshall nunca mereceu o devido reconhecimento.
Shirley MacLaine |
Atriz
a caminho do estrelato - Shirley MacLaine magrinha ainda já
permitia antever a excelente atriz de comédias que viria a ser, mas como
suspeitar que se tornaria também a grande atriz de dramas num futuro tão
próximo. Seu filme seguinte foi “Deus Sabe o Quanto Amei”, que lhe valeu a
primeira das sete indicações para o Oscar. Edgar Buchanan é um ator
incrivelmente perfeito para papeis de tipos bonachões, aqui acrescentando o
cinismo e um certo mau-caratismo necessários ao personagem. Leslie Nielsen
passou de galã canastrão a vilão mas viria a dar certo mesmo como cômico. Pedro
Gonzalez-Gonzalez está muito mais engraçado que em “Onde Começa o Inferno” (Rio
Bravo). E Slim Pickens aparecer tão pouco é de se lamentar, enquanto Pernell
Roberts, estava a um passo de se tornar famoso com a série “Bonanza”, tem
pequena mas boa participação.
Pernell Roberts e Leslie Nielsen |
Afirmação
de um diretor veterano - “O Irresistível Forasteiro” é
relativamente curto nos seus 85 minutos de duração, suficientes no entanto para
que seja comparado com “Atire a Primeira Pedra” (Destry Rides Again), clássica western-comédia
filmada em 1939 e dirigida pelo mesmo George Marshall (na foto à direita), não sem razão o diretor
preferido de Glenn Ford. Marshall mesmo com idade avançada trabalhava sem parar
e um de seus próximos trabalhos foi com o segmento ‘The Railroad’ do épico “A
Conquista do Oeste” (How the West Was Won), demonstrando sua versatilidade e
eficiência. “The Sheepman”, que teve também o título original “Stranger with a
Gun” é daqueles faroestes que lamentamos quando termina, mas ainda bem que o
DVD está à mão para que seja visto e revisto de tão bom que é.
O pôster com título diferente; Mickey Shaughnessy; o stuntman Robert 'Buzz' Henry, dublê de Glenn Ford |
Muito bom, vide roteiro, elenco, trilha e locações! G. Ford, mito do cinema, e tb do gênero faroeste!
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