UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

20 de agosto de 2012

UM CERTO CAPITÃO LOCKHART (The Man from Laramie), O MAIS VIOLENTO WESTERN DE ANTHONY MANN


Anthony Mann já havia filmado uma tragédia familiar no Velho Oeste, com “Almas em Fúria”, em 1950. Cinco anos depois e após uma parceria de quatro westerns com James Stewart, Mann decidiu se aproximar mais uma vez do tema com aquele que seria o quinto e último faroeste da parceria, “Um Certo Capitão Lockhart” (The Man from Laramie). Com alguns personagens bastante próximos da peça “Rei Lear”, de William Shakespeare, é notória a intenção de Mann em dar uma dimensão trágica a este faroeste. Para isso contou com a ajuda dos roteiristas Philip Yordan e Frank Burt que produziram um roteiro em que estão um barão de gado seu filho e seu capataz, cowboys pretendentes a herdar a vasta extensão de terras do velho barão. Assim como Gloucester, no drama de Shakespeare, o barão fica cego e seus filhos, um ilegítimo, se enfrentam mortalmente. No entanto o principal personagem do filme é o homem do Forte Laramie, o Capitão Lockhart.


Donald Crisp
O PODEROSO WAGGOMAN - Will Lockhart (James Stewart) é um capitão do Exército norte-americano destacado para a missão de descobrir o contrabandista de armas que vende rifles de repetição para os apaches. Disfarçado de transportador de suprimentos comerciais Lockhart encontra o que restou de uma patrulha dizimada pelos apaches, sendo que um dos soldados mortos é seu próprio irmão mais jovem. Agora com dupla razão para cumprir sua missão, Lockhart chega com uma carga de tecidos à cidade de Coronado, no Novo México. A carga é entregue à comerciante Barbara Waggoman (Cathy O’Donnell) que sugere a ele que, para não retornar com as carroças vazias, recolha sal que há em abundância numa área próxima, de propriedade de seu tio Alec Waggoman (Donald Crisp). A região faz parte do império de Waggoman, poderoso barão de gado em cujas terras “pode-se viajar por três dias até encontrar os limites”. Waggoman tem um filho chamado Dave (Alex Nicol), moço arrogante e violento. Dave ao ver Lockhart enchendo as carroças de sal faz com que seus homens lacem e imobilizem Lockhart, queimem as carroças e matem as mulas que puxavam as carroças. Lockhart é salvo com a chegada de Vic Hansbro (Arthur Kennedy), o capataz do velho Waggoman e pretendente a parte da herança do barão.

O belo poster italiano excedendo na
violência com animais queimados vivos.
VINGANÇA OBSESSIVA - De retorno a Coronado Lockhart se encontra com Dave e lhe aplica uma surra. Vic vem em socorro de Dave e nova luta feroz ocorre, aparteada com a chegada de Waggoman. Ao tomar conhecimento da atrocidade cometida pelo filho, o velho indeniza Lockhart com 600 dólares e diz a ele que saia da cidade. Porém o incógnito capitão é contratado como capataz por Kate Canady (Aline MacMahon), proprietária da única fazenda da região que não pertence a Waggoman. Enquanto investiga quem vende armas para os índios, Lockhart é atacado novamente por Dave que brutal e covardemente dispara seu revólver a queima-roupa em direção à palma da mão de Lockhart. Alec Waggoman, que então perdera a quase totalidade da visão, revela a Vic sua intenção de tornar Dave seu único herdeiro o que faz com que cresça o conflito entre Dave e Vic que são os reais contrabandistas de armas. Dave decide vender de uma só vez uma enorme partida de armas aos apaches, no que é obstado por Vic que sabe que isso provocará ataques dos índios, a mobilização do Exército e o fim do negócio escuso de ambos. Vic mata Dave mas o velho Wagonnman descobre as armas, o que faz com que Vic tente assassinar o velho fazendo-o cair  com seu cavalo do alto de uma ribanceira. Alec Waggoman sobrevive e conta a verdade a Lockhart. Este obriga Vic a destruir as armas sob as vistas dos apaches que matam o contrabandista. Cumprida a missão e vingado o irmão, Will Lockhart retorna ao Forte Laramie.


A chamada do poster norte-americano diz:
"Ele viajou mil milhas para matar um homem que ele nunca tinha visto".

Alex Nicol e Arthur Kennedy
ENREDO TORTUOSO - Um ano antes, em 1954, tema parecido já havia sido filmado com “A Lança Partida” (Broken Lance) de Edward Dmytryk. E em 1956 novamente um drama de Shakespeare seria adaptado para o faroeste com “Ao Despertar da Paixão” (Jubal), de Delmer Daves, desta vez com personagens semelhantes a Othelo (Ernest Borgnine), Iago (Rod Steiger) e Cássio (Glenn Ford). Porém “Um Certo Capitão Lockhart” foi a mais bem sucedida aproximação de um western com uma obra do dramaturgo inglês na combinação dos conflitos emocionais com trama excepcionalmente complexa para o gênero. Some-se a isso o extraordinário aproveitamento do então recém lançado processo Cinemascope que permitiu a Anthony Mann, com seu cinegrafista Charles Lang, um perfeito aproveitamento dos cenários naturais do Novo México, onde transcorre quase toda a história. O enredo sinuoso de Philip Yordan-Frank Burt lembra um filme policial e os personagens complexos e consistentes dão à trama um tom obscuro e envolvente. Lá estão o tirânico barão de gado, o filho histérico e mesmo assim preferido, o ambíguo personagem de Arthur Kennedy, justo por vezes mas também invejoso, cruel e movido pela ambição. Os próprios cowboys que acompanham Dave (Alex Nicol) em relances apanhados pela câmara de Mann expressam nos olhares a comiseração pelos atos brutais do filho do patrão.

Jack Elam (acima) e Aline MacMahon (abaixo).
ELENCO COM VETERANOS - O elenco de “Um Certo Capitão Lockhart” é quase todo ele bom, exceção feita a Alex Nicol e Cathy O’Donnell. Alex nem sempre convincente como o sádico e destemperado Dave Waggoman. Cathy O’Donnell com a habitual fragilidade que transmite para seus personagens. Cathy, que faleceu precocemente em 1970, aos 46 anos de idade, é mais lembrada por seu trabalho em “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, “Chaga de Fogo” e em “Ben-Hur”, todos sob a direção de seu cunhado William Wyler. Mas há os veteranos Donald Crisp, Aline MacMahon e Wallace Ford com ótimas atuações. Coube a Crisp alguns dos melhores momentos do filme como no enterro de seu filho Dave e no ataque cego em que montado a cavalo desfere contra Lockhart, atirando a esmo e descarregando o revólver sem enxergar o oponente. Presença de Jack Elam repetindo o mal-encarado traiçoeiro de outros filmes e ainda James Millican, de “Matar ou Morrer”, como xerife cumpridor da lei. Pequenas participações de Frank DeKova (como padre) e Eddy Waller (como médico).

Acima Donald Crisp e no centro Arthur e
James Stewart e a valorização do novo
formato Cinemascope; abaixo Kennedy,
Cathy O'Donnell e Wallace Ford.
OS DEMÔNIOS SOLTOS DE JAMES STEWART - Anthony Mann revelou um novo James Stewart para o cinema em “Winchester 73”, mostrando que o ator era capaz de ser cruel, desumano, furioso e até bestial. Nos filmes seguintes essa persona de Stewart, diferente do protótipo do herói do Oeste, foi se aperfeiçoando até transcender a uma intensidade de caracterização, como Will Lockhart, raramente vista nas telas. Jimmy disse certa vez que os espectadores se identificavam com ele, mas sonhavam sempre ser como John Wayne. Mas que outro ator poderia expressar componentes humanos como dor, angústia, sofrimento, humilhação e ódio melhor que Stewart? Normalmente o vilão rouba as cenas, quando não o filme, como faziam Dan Duryea, Lee Marvin, Lee J. Cobb, Ernest Borgnine,  Arthur Kennedy e outros. No entanto desviar a atenção de James Stewart é quase impossível e mesmo um ator da competência de Arthur Kennedy quando contracena com Stewart parece que o está assistindo atuar. Como Will Lockhart, James Stewart solta todos os demônios necessários para compor esse incomum personagem. Para isso pouco uso fez de seu dublê, sendo arrastado, espancado e demonstrando sua habilidade como cavaleiro nessa magistral performance.

Sequências brutais de "Um Certo
Capitão Lockhart".
SUCESSO DE BILHETERIA – As filmagens de “Um Certo Capitão Lockhart” tiveram início com as locações no Novo México no dia 29/9/1954, prolongando-se até 26/10/1954. Os interiores foram filmados nos estúdios da Columbia em duas semanas.  Quando lançado, em 31 de agosto de 1955, o western de Anthony Mann chocou o público pela violência de algumas cenas, como quando James Stewart é arrastado passando com o corpo sobre uma pequena fogueira depois de ver suas mulas serem mortas a tiros. Considerado o faroeste mais violento dos anos 50, são muito fortes também as cenas em que Donald Crisp é atirado por Arthur Kennedy do alto de uma ribanceira, a morte de Kennedy a tiros e flecha e, mais brutal que qualquer outra cena, aquela em que Alex desfere um tiro a queima-roupa na palma da mão de Lockhart. Mesmo excessivamente violento para 1955, “Um Certo Capitão Lockhart” foi o western de maior bilheteria naquele ano em que James Stewart se tornou o Top-Ten Moneymaker Star, desbancando John Wayne do 1.º lugar.

Anthony Mann no dia de seu casamento com a
atriz espanhola Sara Montiel.
O GRANDE DIRETOR DA DÉCADA - Este foi o faroeste favorito de James Stewart, mas mesmo assim a dupla Mann-Stewart não voltou mais a se encontrar em outro western (leia neste blog a postagem ‘O Fim de uma Parceria e de uma Amizade’), o que significou grande perda para o cinema. Mann e Stewart deixaram, no entanto, um conjunto incomparável de faroestes no qual se destacam acima dos demais “O Preço de um Homem” (The Naked Spur) e “Um Certo Capitão Lockhart”. Tanto este como aquele contrapõem o homem à natureza, em pontos sempre mais altos, rochas principalmente, como que mostrando seus personagens endurecidos como seres acima e distantes dos homens comuns. Esse simbolismo merece também ser aplicado, de modo geral, aos demais westerns de Anthony Mann, o principal diretor do gênero da década de 50. De um total que quase 900 faroestes produzidos nesse decênio, pelo menos quatro de Anthony Mann estão entre os dez melhores, o que o coloca ao lado de John Ford no panteão dos mais respeitados diretores de faroestes de todos os tempos.

Cathy O'Donnell e James Stewart; ao lado o cavalo 'Pie' que Stewart
adorava e usava em todos seu filmes.




4 comentários:

  1. Darci,

    Bela resenha para um belo filme. Gosto muito desse western. Acho, como você, a interpretação do Jimmy excelente. Das centenas de filmes baseados, ou adaptações da obra de Shakespeare, e, no caso específico de Rei Lear, Um certo capitão Lockhart é dos meus preferidos, assim como Ran, de Kurosawa. O filme só me parece se perder um pouco na construção da relação entre as personagens, que, a certa altura, perde em profundidade, prejudicando o que poderia ter resultado em um filme perfeito. Gosto demais da fotografia também, inclusive pelo competente uso do Technicolor e do Cinemascope. Há muitas cenas antológicas, como a caminhada para a briga no curral, ou a do sal, que ilustra o cartaz italiano, que parece misturar fogo com uma avalanche de catchup, claramente já mostrando o jeitão meio spaghetti de ser que dominaria o gênero na década seguinte. Ah, não vou deixar de ver texto sugerido, “O Fim de uma Parceria e de uma Amizade”.

    Abraço!

    Vinícius Lemarc

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  2. Vinicius - Não fosse por aquilo que você lembrou e ainda pelo final pouco convincente, o Capitão Lockhart disputaria na minha opinião com O Preço de um Homem como o melhor da parceria. Suas considerações são sempre perfeitas.
    Um abraço do Darci

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  3. Excelente como todos os outros westerns da dupla Mann/Stewart que marcou o genero e legou ao cinema estes classicos.
    Cleber

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  4. Conheci-o em 2013 e revi ontem! Ótimo vide seu roteiro, direção, elenco, trilha e paisagens! Redondinho! Portanto, mais do que indicado! E por favor, assistam em widescreen!

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