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5 de maio de 2016

COMO NASCE UM BRAVO (COWBOY) – ÚLTIMA PARCERIA DE GLENN FORD E DELMER DAVES


O verdadeiro Frank Harris;
abaixo Delmer Davis.
Frank Harris foi um irlandês que cedo se mudou para os Estados Unidos onde trabalhou num hotel em Chicago antes de fazer uma experiência como cowboy, isto por volta de 1890. Harris cansou logo da lida com gado e se tornou escritor de sucesso. Em 1930, um ano antes de falecer, Harris lançou o livro “My Reminiscences as a Cowboy”, narrando episódios de seus tempos como ‘cowhand’. Desse escritor um crítico disse certa vez que se ele “não fosse um trovejante mentiroso teria sido um bom autobiógrafo”. De qualquer modo as memórias de Harris como homem do Oeste venderam bem e no final dos anos 40 John Huston adquiriu os direitos para o cinema, entregando a elaboração do roteiro a Dalton Trumbo. Para compor o elenco principal Huston pensou em seu pai Walter Huston e Montgomery Clift. Monty tinha acabado de fazer “Rio Vermelho” (Red River) e achou o personagem ‘Frank Harris’ muito parecido com o jovem cowboy do épico de Howard Hawks. Walter Huston faleceu em 1950 e seu filho John tentou ainda fazer o filme com Spencer Tracy e Alan Ladd, mas ambos recusaram participar do projeto que foi engavetado. Nos anos 50 quatro diretores se destacaram sobremaneira no gênero western: Delmes Daves, John Sturges, Anthony Mann e Budd Boetticher. Delmer Daves emplacou pelo menos quatro clássicos com “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), “A Última Carroça” (The Last Wagon), “Ao Despertar da Paixão” (Jubal) e “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma), estes dois últimos estrelados por Glenn Ford. Delmer Daves resolveu filmar a história de Frank Harris com Glenn Ford e a Columbia achou interessante a ideia, mas quem interpretaria o cowboy aprendiz da história? O primeiro nome pensado pelo estúdio foi o do fraco Anthony Perkins, não aceito pelo diretor. Glenn Ford sugeriu Jack Lemmon, ator da nova geração que vinha se destacando em comédias (Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em “Mr. Roberts”). Lemmon viu nesse filme um desafio de interpretar um cowboy, ele que só montara um cavalo (manso) uma vez na vida, na adolescência e a equipe rumou para Oklahoma para filmar “Cowboy”, título escolhido para o western, que no Brasil se chamou “Como Nasce um Bravo”.


Jack Lemmon como atendente de hotel e
como cowboy.
Aprendendo a ser cowboy - Dalton Trumbo fazia parte da ‘lista negra de Hollywood’ e por essa razão o roteiro teve a colaboração e assinatura de Edmund H. North, contando o aprendizado de Frank Harris. O experiente cowboy comerciante de gado Tom Reese (Glenn Ford) chega a Chicago para vender um grande rebanho e é procurado por Frank Harris (Jack Lemmon), atendente de hotel, que com ele quer trabalhar. Harris tem algum dinheiro e se torna sócio de Reese, partindo ambos e mais os vaqueiros empregados de Resse para o Novo México, onde adquirem outro rebanho. Durante a condução do gado a Santa Fé, Harris faz um verdadeiro curso aprendendo tudo com Reese sobre a nova profissão. Quando Reese leva um tiro no joelho, Harris assume a liderança do grupo de cowboys e completada a missão todos voltam ao mesmo hotel de Chicago onde Frank Harris trabalhava.

Glenn Ford
A nada romântica vida de cowboy - O título nacional “Como Nasce um Bravo” é perfeito e muito mais apropriado que o simplista e nunca antes usado no cinema “Cowboy”. Isto porque através de diversos episódios o filme mostra através de frase de Tom Reese que ser cowboy não é “...deitar sob as estrelas , cantando ao redor da fogueira com o fiel cavalo pastando ao lado”. Ser cowboy, continua Reese é enfrentar “...tempestade a noite toda e só um tolo iria querer isso”. Quanto à lealdade e inteligência de um cavalo, Reese lembra que “...o cérebro de um cavalo é do tamanho de uma noz. Eles são maus, traidores e burros e ninguém inteligente gosta de um cavalo. Só toleramos esse animal porque montar é melhor que andar”. Referindo-se ao gado, Resse diz que “...são sacos de pulgas miseráveis”. Todas essas afirmações são pouco perto do que Frank Harris vai testemunhar e participar desde o momento em que se associa a Tom Reese. Desentendimentos constantes entre os cowboys, a comida que é pegar ou passar fome, um vaqueiro que morre em minutos após ser picado por uma cobra, índios famintos que atacam por algumas cabeças de gado, tudo isso faz com que nasça um bravo no lugar do atendente de hotel. Essa visão crítica da ocupação de vaqueiro, tão mitificada pela literatura, pela música e pelo cinema, é a tônica deste western de Delmer Daves e o faz de forma mais direta que “Rio Vermelho” com roteiro de Borden Chase. Uma década depois, com o magnífico “...E o Bravo Ficou Só”, de Tom Gries, a difícil e nômade vida dos cowboys seria analisada pelo cinema.

Glenn Ford

Acima Richard Jaeckel entre Jack
Lemmon e Guy Wilkerson;
abaixo Strother Martin.
A frieza de um cowboy - As jornadas de condução de gado de “Como Nasce um Bravo” proporcionam uma série de episódios narrando a transformação porque passa Frank Harris. Seu caso com Maria Vidal (Anna Kashfi) a filha de um poderoso criador mexicano é o ponto de partida para a crucial decisão de sofrer nas pradarias. Isso pouco adianta pois quando Harris reencontra a moça ela está casada com Don Manuel Arriega (Eugene Iglesias). Nesse povoado ocorrem jogos envolvendo homens, cavalos e gado, um deles o enfrentamento corpo a corpo entre um touro enfurecido e Tom Reese. Quando da primeira vez que Harris monta um cavalo, o mais indócil de todos, destaca-se o sadismo de Reese que com isso pretende que o sócio desista de acompanhá-lo nas jornadas que se seguirão. Outro momento importante da formação de Frank Harris como cowboy é constatar a frieza com que Reese encara a morte acidental de um de seus homens picado por uma cascavel. O réptil foi jogado pelo provocador Curtis (Richard Jaeckel) e Harris espera que Curtis sofra alguma punição por sua brincadeira fatal, mas Reese encara o fato como corriqueiro para desespero de Harris. O mesmo acontece quando Charlie (Dick York), o cowboy namorador, se envolve com uma mexicana casada e é deixado à própria sorte para pagar por seu atrevimento diante do marido da moça e outros mexicanos. Reese impede que os companheiros o socorram e também esse fato embrutece ainda mais Frank Harris, cada dia mais parecido com Tom Reese.

Sensacional sequência de um cowboy segurando um cavalo indócil.

Jack Lemmon. abaixo Lemmon,
Victor Manuel Mendoza e Glenn Ford.
Jack Lemmon fora de gênero - As belas paisagens de El Paso, Novo México e Oklahoma fotografadas por Charles Lawton Jr. e a boa música de George Dunning, somadas às ótimas sequências de ação dirigidas por Delmer Daves, ajudam mas ainda assim “Como Nasce um Bravo” tem algo de simulado que torna o filme inconvincente. Como pode isso ocorrer num western dirigido pelo competente Daves e estrelado por Glenn Ford, o mais autêntico ator-cowboy do cinema? O maior problema do filme é a presença de Jack Lemmon, de quem a todo momento se espera uma gag que faça rir. Lemmon já havia feito algumas comédias leves e estava em vias de se travestir para escapar de gângsters na obra-prima de Billy Wilder “Quanto Mais Quente Melhor”. Ninguém é perfeito e o ótimo Jack Lemmon surge como o mais improvável e inconvincente cowboy do cinema conseguindo ser apenas patético diante da enérgica atuação de Ford. Jack Lemmon atirando numa barata na parede do banheiro, imitando Glenn Ford, parece saído de uma comédia de Mel Brooks. Curiosamente, como foi lembrado acima, antes de Lemmon cogitou-se pela presença do sempre inseguro Anthony Perkins para o personagem Frank Harris.

Anna Kashfi e Brian Donlevy
Guy Wilkerson, afinal aparecendo mais - Entre os bons momentos de “Como Nasce um Bravo” estão a morte de Strother Martin, o cowboy picado por uma cobra, a doma do cavalo a ser montado por Harris e a sequência em que o dublê de Glenn Ford enfrenta o touro bravio. Fraco, entretanto, o desenvolvimento do caso de Frank Harris com Maria Vidal, não fosse pelos diálogos insossos mas pela própria presença da inexpressiva Anna Kashfi. Se a transformação de Frank Harris é inconvincente, igualmente insatisfatória é a mudança sofrida por Tom Reese que sem maior razão passa a ver no antes indigesto sócio um homem apto a sucedê-lo como líder dos cowboys. Inócua ainda a participação do personagem de Brian Donlevy que nada faz de prático e estranhamente se afasta para cometer suicídio. Do grupo de intérpretes dos vaqueiros no filme, destaques para o eternamente nervosinho Richard Jaeckel, o ótimo e mal aproveitado Brian Donlevy, Dick York fazendo o que pode para convencer como cowboy-mulherengo. Uma pena que Strother Martin apareça tão pouco, ao contrário do simpático Guy Wilkerson que, como poucas vezes antes, tem presença constante como o cozinheiro do grupo.

Riachard Jaeckel e Dick York; Glenn Ford; Jack Lemmon.

Fim da parceria – Com títulos a cargo de Saul Bass, “Como Nasce um Bravo” foi o terceiro e último western da parceria Delmer Daves-Glenn Ford, não desapontando mas não chegando a encantar. Para o ator, no entanto, esta foi mais uma participação brilhante e a comprovação que Glenn Ford foi o mais menosprezado ator de seu tempo, raramente tendo reconhecida suas sempre ótimas atuações. Perfeitas quando no gênero que mais gostava de trabalhar, o western.

2 comentários:

  1. O livro mais famoso de Harris é "Minha Vida, Meus Amores". Li quando adolescente e as inúmeras descrições sexuais -- boa parte era obviamente mentirosa, mas outras a vida ensinaria que podem bem ter sido verdadeiras -- eram bastante interessantes. De qualquer forma era um grande escritor, além de excelente editor e polemista. :)

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  2. Em todas as resenhas dos filmes sempre surge "a presença da inespressiva fulana de tal..."Parece que todas nao prestam??!!

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