UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

20 de julho de 2011

MICKEY SIMPSON, O ATOR QUE UM DIA SURROU ROCK HUDSON


“Assim Caminha a Humanidade” (Giant) é considerado por muitos um western. Entre os autores que assim pensam estão Les Adams-Buck Rainey e Phil Hardy, os dois primeiros autores de “Shoot-Em-Ups” e Hardy autor da “Encyclopedia of Western”. E essa é uma boa questão para gerar uma grande polêmica que é rotular ou não o filme de George Stevens como um faroeste. Mas seja lá qual for o gênero em que a saga dos Benedicts se encaixe, será sempre uma obra monumental, repleta de cenas inesquecíveis e cada fã de cinema certamente tem a sua preferida. Uma das cenas mais emblemáticas de “Assim Caminha a Humanidade” é quando o já grisalho Bick Benedict (Rock Hudson) reage contra um ato de racismo numa lanchonete. Pobres mexicanos deixam de ser atendidos pelo truculento Sarge, dono da lanchonete, que segue uma norma então comum no Texas daquele tempo, de não atender chicanos. E Rock Hudson, sob os olhares desesperados de Liz Taylor (Leslie Benedict), Carroll Baker (Luz Benedict II) e Elsa Cárdenas (Juana Guerra Benedict) enfrenta aquele homem maior, mais forte e mais jovem que ele. Durante a briga atingem o Juke-Box que ironicamente passa a tocar o "Dixie" enquanto os homens se socam. Sarge, o gigantesco racista que surra Rock Hudson era o ator Mickey Simpson, nome perdido entre tantas e tantas estrelas de “Assim Caminha a Humanidade” lembrado apenas por uma certa semelhança com o eterno Tarzan Johnny Weissmuller.


Simpson com Walter Brennan e
Grant Withers (acima) em
"Paixão dos Fortes"; abaixo
em "Caravana de Bravos"
INÍCIO AUSPICIOSO EM UMA OBRA-PRIMA - Mickey Simpson nasceu em Rochester, no Estado de Nova York, em 1913, filho de pais irlandeses e com o nome de Charles Henry Simpson. Mais velho de quatro irmãos, Charles parecia que nunca iria parar de crescer e tendo atingido 1,98m de altura aos 20 anos, foi encaminhado para o boxe. Depois de duas lutas e duas derrotas Charles, cujo apelido era ‘Mickey’, foi para Hollywood tentar a sorte, tendo conseguido um emprego como motorista de Claudette Colbert. Era impossível nas festas em Hollywood não notarem o enorme motorista que dirigia e abria a porta do majestoso Duesenberg da atriz. Quase todos os grandes astros e estrelas da tela tinham carros daquela marca, mas nenhum com um chauffeur de igual porte, o que fez com que Simpson fosse notado por todos. Claro que não demorou para Claudette colocar anúncio procurando novo motorista ao perder Simpson pois estava reservada para o jovem novaiorquino uma longa carreira no cinema. A estréia do ex-motorista, em 1939, não poderia ser mais promissora pois ocorreu naquele que seria um dos mais importantes filmes de toda história do cinema, um faroeste dirigido por John Ford intitulado “No Tempo das Diligências” (Stagecoach). Adotando o nome artístico de Mickey Simpson, sua participação foi pequena, mas suficiente para John Ford ‘adotá-lo’ como um ator que participaria de muitos outros filmes do Pappy. Devido a seu tamanho, Simpson obtinha invariavelmente papéis de guarda-costas, policiais ou vilões. Já havia participado de 22 filmes, entre eles “A Indomável” (The Spoilers), com Marlene Dietrich e John Wayne, quando foi convocado para servir na U.S. Army durante a II Guerra Mundial, em 1943, interrompendo sua carreira por quase três anos. Quando retornou do conflito, atuou logo em nova obra de John Ford, que foi “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine), de 1946, interpretando Sam, um dos filhos de Ike Clanton (Walter Brennan). A muito lembrada semelhança com Johnny Weissmuller pode ser atestada em “Tarzan e a Caçadora”, penúltimo filme de Weissmuller como Tarzan e em que Mickey atuou. Entre vários filmes, sempre em participações pequenas, em 1948 Mickey Simpson voltou a atuar sob a direção de John Ford no primeiro filme da Trilogia de Cavalaria de Ford, que foi “Sangue de Heróis” (Fort Apache). Nesse ano Simpson pode ser visto em nada menos que doze filmes. Em 1949, outra vez com John Ford, outra obra-prima, desta vez “Legião Invencível” (She Wore a Yellow Ribbon), o segundo da Trilogia de Cavalaria. Em 1950, novamente dirigido por John Ford, Mickey Simpson interpretou um dos irmãos Clegg em “Caravana de Bravos” (Wagon Master), pequeno e poético western do Mestre das Pradarias. Outra vez com Ford em 1952 em “O Preço da Glória”, Mickey Simpson trabalhava sem parar, esperando por uma oportunidade melhor. Entre as dezenas de filmes em que atuou na primeira metade dos anos 50 merecem ser lembrados “O Príncipe Valente”, com Robert Wagner; “Demetrius, o Gladiador”, com Victor Mature; "Ouro da Discórdia” (Carson City), “Feras Humanas” (The Bounty Hunter) e “Nas garras do Homem alto” (Tall Man Riding), todos com Randolph Scott; “O Justiceiro Mascarado” (The Lone Ranger), com Clayton Moore; “Os Dez Mandamentos”, com Charlton Heston, até chegar o grande momento de sua carreira que foi em “Assim Caminha a Humanidade”.

Simpson com Dolores Michaels em
 "Minha Vontade é Lei"; em "Rio Conchos"
e em "O Homem do Rifle", série de TV
UMA VITÓRIA IMPORTANTE - O rosto bastante familiar de Mickey Simpson passou a aparecer com mais frequência na tela pequena dos televisores, mas mesmo assim podemos vê-lo em “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral), interpretando Frank McLowery e morrendo mais uma vez no famoso Corral, como já havia ocorrido em “Paixão dos Fortes”. Em 1959 Mickey Simpson esteve no elenco de “Minha Vontade é Lei” (Warlock), com Henry Fonda. Simpson refugiou-se novamente nas dezenas de trabalhos para a TV, voltando ao cinema em “Rio Conchos”, numa pequena porém boa participação em que é humilhado por Richard Boone. Se fosse para valer Boone não daria para a saída numa luta com Simpson, ainda em boa forma aos 51 anos, apesar dos muitos quilos a mais. A despedida do cinema de Mickey Simpson ocorreu em 1969 no western-comédia “O Grande Roubo do Trem” (The Great Train Robbery), ao lado de inúmeros outros veteranos da tela, comandados pela ainda belíssima Kim Novak. Afastado do cinema, Mickey Simpson passou a viver em Reseda, na Califórnia, até falecer vítima de problemas cardíacos aos 71 anos em 1985. Mickey Simpson perdeu as duas lutas de boxe que disputou em sua vida, mas venceu a mais importante, aquela pela qual será sempre lembrado, que foi contra Rock Hudson em “Assim Caminha a Humanidade” e que de alguma forma ajudou o mundo na luta contra o odioso preconceito racial.

2 comentários:

  1. Havia um esmero especial do diretor George Stevens quando dos combates corpo a corpo que faziam parte de seus filmes. Podemos observar a qualidade destes detalhes em Shane (Os brutos também amam) e em Giant (Assim caminha a humanidade).
    A briga naquele saloon/emporio entre Shane e o pistoleiro interpretado por Ben Johnson, é alguma coisa de se valorizar à parte naquela fita, de qualidades enlevadas internacionalmente.
    Porém, ele, Stevens e seus técnicos, se superaram naquele desigual combate entre Rock Hudson (Bick Benedect) e o agigantado Sarge ( Mickey Simpson).
    Além da coreografia da briga ser muito bem administrada e executada pelos antagonistas, todo um clima de tensão, medo e sentimentos se misturam de uma forma agonizante. E tudo isto dá ao momento, que se desenrola no meio do enorme espaço, um clima muito mais apavorante e desesperador do que se imaginava ali nunca ocorrer. Imoveis nos seus lugares, seus parentes presenciam e absorvem, como se fossem neles, cada pancada que o patriarca Bick recebe. Os trejeitos que sua filha e mulher fazem durante esta luta nos funde o interior e nos reverte a estar sentindo a dor que elas experimentam. Enquanto isto os olhinhos do pequeno Benedict, lustrosos como se focados por uma forte lâmpada, olha para aqueles dois homens se matando e não externa qualquer anormalidade no seu semblante infantil. Via. Apenas via todo aquele quebra quebra, como se nada entendesse ou para que lado ia tudo aquilo.
    Enquanto isso, aquele clima de extrema violencia que se desdobra entre os dois homens, infringe nos clientes sintonia aterrorizante. E eles, de faces estupefatas e com o medo desfigurando seus rostos, começam a se esgueirarem pelos cantos do estabelecimento em busca da porta que os poria distante de todo aquele turbilhão.
    Uma vitrola no caminho dos combatentes recebe um tombo e uma musica belissima começa a tocar. E prossegue destilando sua melodia como se acompanhasse passo a passo cada movimento dos dois digladiadores e como se marcasse com suas notas os movimentos dos corpos, ja meio enfraquecidos, dos dois homens que prosseguiam se esmurrando.
    Na mesa dos Benedict o clima de tensão se evaporara para ser substituido por sensações de dor, amargura e desespero. Os esgares que as mulheres faziam refletiam o que ocorria no seio daqueles dois gigantes a prosseguirem seu combate, que parecia interminável, com quedas de um lado e tombos fortes do outro.
    Após muitos minutos de uma luta anormal ter dado inicio, Bick Benedict recebe os golpes de misericórdia e tomba, sem condições mais de mexer um musculo de seu corpo sequer.
    Sua imobilidade ao solo e o estado devastado de sua face, transmite a todos, claramente, que havia um vencedor ali e que este não era ele.
    E o olhar que seu vencedor lhe devota, numa clara alusão de quem dizia mudo; você pode ser Bick Benecict onde quiser, ser o poderoso que for. Mas aqui no meu estabelecimento quem imprime as ordens e os comandos sou eu. E o abatido patriarca degusta aquele olhar cheio de mensagens, mas nada assopra, seguindo imóvel e logo cercado por toda sua angustiada família. No mesmo instante, ainda como aqueles feições de antagonismo e uma superioridade desenha no seu semblante a encarar seu vencido combatente, o dono do bar pegua uma placa e a atira sobre o tórax do imovel Bick Benecict, se afastando dali tão natural quanto chegara ali, para falar que não atenderia aos mexicanos e os pedir que se pusessem fora dali.
    E na placa atirada sobre Bick se lê algo mais ou menos assim; "reservamo-nos ao direito de não atender a quem não nos é do agrado"
    E foi uma cena deste tamanho e qualidade que o grande diretor George Stevens nos reservou no seu grandioso Assim Caminha A Humanidade.
    juurandir_lima@bol.com.br

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  2. As brigas de socos nos belos filmes "Os brutos também amam" e "Assim caminha a Humanidade" são, talvez, as melhores já produzidas pelo cinema. George Stevens, grande cineasta, caprichou e mostrou duas brigas antológicas, sem porretes e tacos tão comuns nos filmes violentos de hoje em dia.
    Não sabia da invejável trajetória do ator Mickey Simpson, que trabalhou muito. Na vida real - ainda mais atualmente -, o Sarge seria um péssimo comerciante com todo aquele racismo.

    Sandro Villar, jornalista/radialista

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