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31 de janeiro de 2016

APPALOOSA, UMA CIDADE SEM LEI (APPALOOSA) - VIGOROSO WESTERN DE ED HARRIS


Robert B. Parker
O gênero western imperou no cinema por 60 anos, até a chegada do simulacro europeu, denominado western spaghetti, dominar a cena por dez anos. A imitação se tornou mais forte que o modelo original e atualmente, quando o cinema esporadicamente volta ao faroeste, predomina a influência da estética criada por Leone, Corbucci, Parolini e tantos outros. “Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei” (Appaloosa), dirigido por Ed Harris em 2008 é uma rara exceção pois é um western que lembra bastante o faroeste clássico que Hollywood produzia em seus melhores tempos. Cinéfilos acostumados com o estilo e o ritmo dos westerns ‘modernos’ surgidos nas últimas décadas certamente acharão este filme de Ed Harris demasiadamente lento e com pouca ação. O diretor-ator preferiu se aproximar do Clint Eastwood de “Os Imperdoáveis” (Unforgiven) e realizou um belo faroeste desses que o cinema bem poderia produzir em maior número para alegria dos fãs do gênero que imortalizou John Ford.


Acima Jeremy Irons; abaixo Viggo Mortensen
e Ed Harris em ação.
Pacificadores de cidades - Com roteiro de Ed Harris e Robert Knott adaptado do livro “Appaloosa”, de Robert B. Parker, “Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei”, narra a chegada de dois pistoleiros que emprestam suas habilidades para pacificar cidades turbulentas, como a própria Appaloosa, situada no Novo México. São eles Virgil Cole (Ed Harris) e Everett Hitch (Viggo Mortensen), logo nomeados delegado (Marshal) e assistente por uma comissão de homens importantes de Appaloosa que, reticentemente, aceitam as regras impostas pelos dois forasteiros. São obrigados a isso porque Randall Bragg (Jeremy Irons), um fazendeiro da região e seus capangas fazem o que querem na cidade. Bragg acabara de assassinar friamente um Marshal e dois assistentes que queriam levar dois de seus homens presos e, por esses crime,s Bragg é capturado por Cole e Hitch. Surge então em Appaloosa a viúva Allison French (Renée Zellwegger), por quem Cole se apaixona e com quem tenciona casar. Julgado e condenado, Randall Bragg é levado de trem para Yaqui, porém dois pistoleiros por ele contratados sequestram Allison, ameaçando matá-la caso Bragg não seja libertado. Sem alternativa Cole ordena que o fazendeiro assassino seja libertado, seguindo-o, bem como aos dois pistoleiros e com eles se defrontando num lugarejo de nome Rio Seco. Do duelo Cole e Hitch saem feridos, retornando a Appaloosa, enquanto Bragg escapa. Tempos depois Randall Bragg é indultado por decreto presidencial e volta a Appaloosa com muito dinheiro, passando a ser o homem forte da cidade. Inconformado Everett Hitch provoca Bragg desafiando-o para um duelo, matando-o e deixando Appaloosa. Virgil Cole e Allison French permanecem juntos na cidade agora pacificada.

Ed Harris e Vigo Mortensen; abaixo
Viggo Mortensen, Jeremy Irons e Ed Harris.
Estrutura tripartite - “Appaloosa” foi concebido em ritmo compassado que permite delinear esplendidamente os personagens principais e o espectador logo percebe a semelhança com dois clássicos do faroeste, ambos de 1959: “Minha Vontade é Lei” (Warlock) e “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo). Cavalgando juntos há doze anos e fazendo da pacificação de cidades uma profissão, Virgil Cole e Everett Hitch se entendem mesmo sem a pronúncia de palavras. Mal vistos por impor suas regras à cidade, representam a chance única de a pequena Appaloosa se ver livre do vilão atrevido e violento (Randall Bragg), cujos homens aterrorizam o lugar. Surge então ‘Allie’ French, a mulher que fará com que Cole se distancie um pouco do amigo Hitch. Até aqui “Warlock”. Capturado o criminoso, resta mantê-lo preso e aguardar o julgamento, mas tudo muda quando Allie é sequestrada por homens a mando de Bragg e uma troca de prisioneiros é proposta, lembrando a obra-prima “Rio Bravo”. A presença de Allie exerce fascínio em Cole que não imagina que Allie precise da companhia de outros homens, provocando o amigo Hitch. Como não lembrar de outro western clássico de Hollywood, que foi “ Butch Cassidy”, com a amizade entre Butch, Sundance e Etta Place? Assim estruturado pode-se imaginar que “Appaloosa” seja uma mera costura com situações de faroestes famosos. No entanto o filme de Ed Harris tem muito mais que isso.

Renée Zellwegger; abaixo Renée e Lance Henriksen
na sequência do banho.
Uma mulher invulgar-mente vulgar - A tradicional dicotomia entre homens bons e homens maus está presente neste western de Ed Harris, mas não é o que mais importa no filme. Comumente presenças dispensáveis nos enredos, cujas participações intentam apenas dar espaço a rostos bonitos, “Appaloosa” conta com uma mulher que sequer pode ser chamada de atraente, mas de rara personalidade. Allison French encanta Virgil Cole, mas isso é pouco para ela que se insinua junto ao amigo Everett que consegue conter o assédio. Quando junto a Bragg e os irmãos Shelton, Allie faz sexo com Ring Shelton (Lance Henriksen). Ambos são enquadrados nus pela luneta de Cole, mas isso e ainda a descoberta da provocação de Allie ao amigo Everett, não faz dela uma vadia no entender de Cole. Acostumado a se satisfazer unicamente com prostitutas e índias, o Marshal de Appaloosa se deslumbra com aquela mulher que toca piano, se veste com elegância, sabe se portar à mesa e toma banho todos os dias. Não há muitas mulheres assim no Velho Oeste e Allison French vale os constrangimentos aos quais Virgil Cole se vê submetido. Everett Hitch, por sua vez, vê a situação de modo diferente e aceita a decisão do amigo sem contestá-lo, ainda que se desgoste com a forçada separação do companheiro de jornadas. E é o próprio Everett, quando o cenário se mostra sombrio para o amigo, quem resolve afastar de vez o inescrupuloso Randall Bragg do caminho de Cole e, por extensão, de Allie, possibilitando que ambos fiquem juntos.

Renée Zellwegger e Vigo Mortensen

O duelo em Rio Seco.
Rigor cenográfico - Mulheres fortes, mesmo que oportunistas e infiéis, seduziram homens através da História, e uma mulher com esse perfil estaria à vontade no cinema num drama urbano. Impensável, porém, num faroeste onde os homens são rudes e pouco afeitos a sensibilidades. Cole, leitor de Emerson (poeta e ensaísta norte-americano), lembra ao amigo que ele Hitch não possui sentimento e ao aceitar o comportamento de Allison mais parece um homem do Oeste fora de seu tempo e lugar. É essa subtrama que se sobrepõe à principal e faz de “Appaloosa” um western diferente. Mesmo com a ênfase na relação Cole-Allie-Hitch e seu ritmo cadenciado, o filme de Harris prende o espectador e nos momentos certos há ação de boa qualidade com duelos os mais verossímeis possível, culminando com o momento final em que Bragg é morto por Hitch. Cole é frio e hábil com seu revólver, já seu amigo nem tanto e por essa razão carrega uma espingarda calibre 8 de duplo cano. Ao se confrontar com Randall Bragg, Hitch firma os pés e adota posição que nada lembra os clássicos gunslingers que o cinema nunca cansou de exibir. Esse rigor, com sequências poeirentas, permeia todo o filme dando a ele uma notável sensação de realidade.

Duelo entre Jeremy Irons e Viggo Mortensen.

Os belos cenários registrados pela câmera
mágica de Dean Semler.
Deslumbrantes cenários - Dean Semler é um cinegrafista australiano que Hollywood importou depois de seus trabalhos em dois filmes da série “Mad Max”. Semler impressionou como diretor de fotografia de “Os Jovens Pistoleiros” (Young Guns) e “Jovens Demais para Morrer” (Young Guns II), consagrando-se com “Dança com Lobos” (Dances With Wolves), com o qual recebeu o merecido Oscar de Melhor Cinematografia. É de Dean Semler a excepcional cinematografia de “Appaloosa”, criando, sequência após sequência, verdadeiros quadros representativos da paisagem do Velho Oeste, remetendo aos pintores Charles Russell e a Frederick Remington, tamanha a beleza de concepção das imagens, seja com a presença de atores em cena, seja como capturar os deslumbrantes cenários em que se passam as ações. Jeff Beal foi o responsável pela trilha musical, em sua maior parte com sons incidentais entremeados com belos temas. A partir do making-of de “Appaloosa” verifica-se que um bom número de sequências filmadas não permaneceram na edição final, o que leva a crer que Ed Harris quis realizar um filme mais conciso e mesmo assim lançado com 115 minutos de duração. Harris havia tido apenas uma outra experiência na direção com o elogiado “Pollock”. Nesse filme Ed Harris vive o atormentado pintor abstrato Jackson Pollock.

Viggo Mortensen
Viggo Mortensen impecável - “Appaloosa” deveria ser um triunfo integral de Ed Harris que tem, como de hábito, ótimo desempenho como Virgil Cole. Porém é Viggo Mortensen quem domina quase que integralmente o filme com seu ar melancólico de amigo sempre pronto a concordar com o outro. Mesmo que o faça com os enganosos silêncios nos quais sua expressão diz tudo e entende o drama do companheiro. Atuação digna de uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, o que não ocorreu devido a ter sido indicado por outra interpretação (“Senhores do Crime”). Renée Zellwegger não era bonita, lembrado uma Shirley MacLaine feia. As cirurgias plásticas a que se submeteu nos últimos aos fizeram dela uma outra mulher, irreconhecível mesmo. Além de nada bonita, ‘Allison French’ não é uma personagem fácil de ser interpretada, mas Renée está muito bem, não merecendo as críticas desfavoráveis que recebeu por sua atuação. Jeremy Irons nem precisa se esforçar para criar um tipo detestável, ainda que fique esquisito com roupas de cowboy. O juiz que julga Randall Bragg é Bob L. Harris, pai de Ed Harris e sua carreira como ator no cinema se resume a este trabalho e uma pequena participação em “Pollock”.

Os amigos pistoleiros (Mortensen e Harris) e a mulher entre eles (Renée).


Ed Harris
Entre os melhores westerns - “Appaloosa” junta-se aos poucos e ótimos westerns rodados após o ano 2000 – “Pacto de Justiça” (Open Range), “Bravura Indômita” (True Grit), “Os Indomáveis” (3:10 to Yuma) – mostrando que nem tudo está perdido. Coisas como “Jonah Hex, o Caçador de Recompensas” (Jonah Hex) e “Cowboys & Aliens” não merecem ser vistas e as badaladas homenagens de Quentin Tarantino ao western spaghetti agradam mais àqueles espectadores que acham insuportáveis filmes tidos como arrastados como “Appaloosa”. Ed Harris, nascido em 1950 é uma esperança de mais westerns tão bons ou ainda melhores que este “Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei”.


Esta cópia de "Appaloosa" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Ivan Peixoto.

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