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24 de janeiro de 2016

ASSIM MORREM OS BRAVOS (THE GLORY GUYS) – A CAVALARIA EM MAIS UM MASSACRE


Acima Sam Peckinpah; abaixo, na foto
menor Arthur Gardner, Jules Levy e
Arnold Laven, de óculos.
Somente meia dúzia de pessoas sabia quem era Sam Peckinpah em 1956. Aos 31 anos de idade o futuro lendário diretor era apenas um jovem roteirista em busca de oportunidades e que conseguiu trabalho após enviar alguns argumentos para os produtores da série de TV “Gunsmoke”, iniciada em 1955. Entre as muitas produtoras independentes que surgiram na virada da década de 40 para os anos 50, estava a do trio Jules Levy, Arthur Gardner e Arnold Laven. Essa produtora produziria, entre outros filmes, “O Segredo de um Amante” (com Edward G. Robinson), “Não Há Crime Sem Castigo” (com Broderick Crawford), “Deus é Meu Juiz” (com Paul Newman) e “Gerônimo/Sangue de Apache” (com Chuck Connors), todos dirigidos por Arnold Laven. Em 1956 a Levy-Gardner-Laven adquiriu os direitos cinematográficos do livro “The Dice of God”, escrito por Hoffman Birney e procurou um roteirista que não cobrasse muito caro para roteirizar a história. Arnold Laven conhecia o trabalho de Sam Peckinpah e o contratou ao preço de 500 dólares por semana para desenvolver o roteiro e Peckinpah levou quatro meses e meio para executar o trabalho. Após ficar pronto, no entanto, o roteiro foi deixado de lado pelo trio de produtores que se desinteressou de filmá-lo. Tudo mudaria depois do êxito de “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), filme de 1962 que fez de Peckinpah o mais promissor diretor de Hollywood. Foi então que o trio Levy-Gardner-Laven se lembrou que poderia faturar algum dinheiro usando o nome de Peckinpah sem ter que lhe pagar nada. Como? Filmando o roteiro por ele escrito quase dez anos antes e que recebeu o título de “The Glory Guys”, por sinal história muito parecida com “Juramento de Vingança” (Major Dundee) que Peckinpah havia filmado entre fevereiro e abril de 1964. Além disso alguns dos atores que atuaram em “Major Dundee”, como Slim Pickens, Michael Anderson Jr. e Senta Berger foram contratados para o elenco de “The Glory Guys”. “Major Dundee” teve custo final de quatro milhões e meio de dólares, enquanto o orçamento para “The Glory Guys” foi de um milhão e meio de dólares, quantia enorme para os padrões da produtora Levy-Gardner-Laven.


Acima Andrew Duggan; abaixo
Tom Tryon e Harve Presnell.
General em busca da glória - “The Glory Guys” recebeu em Português o título “Assim Morrem os Bravos” e conta (outra vez) a história de um oficial cego pelo desejo de vitória e a consequente glória pelo feito. O ‘Custer’ deste filme é o General Frederick Chase McCabe (Andrew Duggan) comandante da 3.ª Cavalaria e cuja tropa deve expulsar os Siouxes de suas terras. O General McCabe tem entre seus comandados o Capitão Demas Harrod (Tom Tryon) e ainda o batedor Sol Rogers (Harve Presnell). Harrod e Rogers namoram a viúva Lou Woddard, que mora em Mule City, indecisa em definir com qual dos dois homens quer ficar. O Capitão Harrod é responsável pelo preparo, no Forte Doniphan, de um grupo de civis recém recrutados e que, transformados em soldados, irão lutar pela 3.ª Cavalaria. O General McCabe recebe ordens do Alto Comando do Exército para aguardar o encontro com as tropas comandadas pelo General Hoffman (Stephen Chase) para desfechar o ataque, mas descumpre as ordens e ordena uma investida precipitada aos Siouxes. Todo o regimento é massacrado pelos índios, à exceção de uma coluna comandada por Harrod que McCabe enviou para ser emboscada, sem sucesso, pelos nativos. O batedor Sol Rogers morre em combate deixando livre a viúva Woddard que já havia definido sua escolha pelo Capitão Harrod, que sobrevive com parte de sua unidade da 3.ª Cavalaria.

Acima Tom Tryon com Harve Presnell;
abaixo Tom e Senta Berger.
Crítica de Sam Peckinpah - Perguntado se gostara de “Assim Morrem os Bravos”, Sam Peckinpah afirmou que o trio principal do elenco (Tryon, Presnell e Berger) havia comprometido o filme de Arnold Laven que poderia ser bem melhor com outros intérpretes. Bem melhor, certamente, se comparado a “Major Dundee”, com quem as semelhanças são muitas, desde a obsessão do tresloucado comandante até o triângulo amoroso e passando ainda pela arregimentação de soldados. No atribulado filme de Peckinpah, prisioneiros confederados e neste cidadãos ineptos que em 30 dias devem aprender a montar, atirar e morrer. Certo que Tom Tryon é ator daquela escola que os norte-americanos chamam de ‘woodenface’, incapaz de transmitir alguma emoção; o simpático Harve Presnell é tão convincente como batedor quanto Artur Hunnicutt (o batedor clássico) seria num musical cantando como Harve Presnell; e finalmente a bela austríaca Senta Berger que havia atuado em “Major Dundee” deu outra prova que sua carreira em Hollywood não iria muito longe. Mas Peckinpah bem poderia bem ter reconhecido as indiscutíveis qualidades de “Assim Morrem os Bravos”.

James Caan
Esmerada produção mediana - A caprichada produção de “Assim Morrem os Bravos”, apesar dos horrorosos desenhos de abertura, filmada em Durango (México) teve espetacular cinematografia do chinês James Wong Howe, um dos mestres da arte de filmar. A música ficou a cargo do premiado italiano Riz Ortolani, compositor tão prolixo quanto Ennio Morricone, ainda que sem a genialidade de Ennio e acertando na trilha deste western. Movimentadas sequências de lutas fazem a alegria de quem gosta de ação num filme em que Slim Pickens domina as cenas em que participa, ficando os momentos cômicos a cargo do não muito engraçado James Caan. Centenas de cavalos nas sequências de batalha preenchem as pradarias de Durango com a câmara de Wong Howe do alto de uma grua descortinando o horizonte em magnífica tela larga (35 mm). Não falta sequer uma batalha tendo como palco um rio, em mais um toque inegável de Sam Peckinpah no roteiro. Filmar cenas de batalhas exigem muita técnica e coordenação, função que coube em “Assim Morrem os Bravos” a Whitey Hughes, menos famoso que Cliff Lyons porque dedicou a maior parte de sua carreira à televisão. Mas o trabalho de Hughes somado à edição de Melvin Shapiro e Tom Rolf chamam à atenção pela qualidade rara numa produção mediana como esta. Todos esses aspectos mais que compensam a temática batida do oficial desvairado e o patético triângulo amoroso.

Pancadaria farta em "Assim Morrem os Bravos".

O belo trabalho do cinegrafista James Wong Howe e cenas de batalha
no filme dirigido por Arnold Laven.

Cena de baile no Fort Doniphan e a Cavalaria
na linha do horizonte, lições do mestre Ford.
Receita de John Ford - As vitórias em campo de batalha acarretam mais do que fama e condecorações aos generais triunfantes. Junto com a glória pode advir uma sonhada carreira política e isso se torna uma obstinação para oficiais ambiciosos como o fictício General McCabe da 3.ª Cavalaria, simulacro do real George Armstrong Custer. Sacrificar suas tropas para atingir seu intento é para McCabe parte natural de uma conflagração, para quem soldados são preparados para morrer em nome da vitória. Não pensa assim o Capitão Harrod, oficial íntegro e continuamente solidário com seus comandados, ainda que cumpridor de ordens mesmo que delas discorde. Desde que “Sangue de Heróis” (Forte Apache) antepôs o ‘Coronel Thursday’ (Henry Fonda) ao ‘Capitão Kirby York’ (John Wayne), roteiristas não deixaram de usar a receita fordiana e o filme de Laven é mais um que a repete. E não poderia faltar o romance com a viúva disputada pelo valoroso capitão e pelo audaz batedor. A viúva, num surto inesperado de honradez, passa de mulher volúvel que recebe os dois amantes num mesmo momento a um ser atormentado pela dúvida da escolha daquele que ‘a fará feliz para sempre’. E o jovialíssimo batedor se confessar cansado da vida nômade, querendo se assentar em uma vida tranquila a lado da mulher amada faz duvidar que Peckinpah tenha assinado tal roteiro com tal pieguice. 

Tom Tryon e Harve Presnell
Mútuo respeito e admiração - Tom Tryon foi um dos muitos atores destinados a uma bela carreira no cinema e que no entanto ficou pelo meio do caminho. Um dos seus primeiros papeis foi como irmão de Charlton Heston em “Trindade Violenta” (Three Violent People), de 1956. Sua carreira, no entanto, custava a decolar, até que atuou em uma superprodução intitulada “O Cardeal”, que fracassou nas bilheterias. Tryon então resolveu se dedicar a escrever, obtendo sucesso que não conheceu como intérprete, não mais voltando a atuar, encerrando a carreira de ator em 1971. Harve Presnell nasceu em época errada pois quando começou a fazer filmes a época de ouro dos musicais já havia passado, tempo em que ele teria sido fortíssimo concorrente de Howard Keel. Depois de voltar aos palcos, onde brilhou com mais intensidade, Presnell esteve ao lado de Lee Marvin e Clint Eastwood em “Os Aventureiros do Ouro” (Paint Your Wagon), estendendo sua carreira de ator por mais 40 anos. Em “Assim Morrem os Bravos” os personagens de Tryon e Presnell se hostilizam boa parte do filme, mas aos poucos passam a se respeitar e a mútua admiração até os faz esquecer da bela viúva por alguns momentos.

Típico diálogo de Sam Peckinpah, exceto pela última frase.


Slim Pickens
O sempre ótimo Slim Pickens - O bom elenco deste western sobre a Cavalaria traz Jeanne Cooper (esposa do General McCabe), atriz de intensa personalidade e pouco aproveitada no cinema. Presentes também o correto Andrew Duggan e Peter Breck antes de se tornar um dos Barkleys em “Big Valley”, ao lado de Barbara Stanwyck. Slim Pickens iniciava, aos 45 anos de idade a melhor fase de sua carreira que atingiria o ápice na década de 70 ao participar de filmes memoráveis. Nada mal para um ex-campeão de rodeios e ex-sidekick de westerns B da Republic Pictures. James Caan voltaria ao western em “El Dorado” para se consagrar em “O Poderoso Chefão” e ter carreira de sucesso. Arnold Laven foi o produtor da série de TV “O Homem do Rifle” e como diretor fez os westerns “A Noite dos Pistoleiros” (Rough Night in Jericho) e “Sam Whiskey, o Proscrito” (Sam Whiskey), além do citado “Gerônimo”. Dos anos 70 em diante Laven passou para a TV. Com este bom “Assim Morrem os Bravos” Arnold Laven mostrou que poderia ser um dos bons diretores do gênero western.

Slim Pickens com Tom Tryon; Harve Presnell, Pickens e Tryon.

No alto à esquerda Jeanne Cooper, Harve Presnell, Andrew Duggan e Senta Berger;
James Caan e Tom Tryon na foto à direita; embaixo Slim Pickens e Michael
Anderson Jr.; à direita Anderson salvo pelo cantil.


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