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3 de novembro de 2015

A SENDA DO SANGUE (RAILS INTO LARAMIE) – JOHN PAYNE MELHOR QUE JOHN WAYNE?


Acima Antônio Ribeiro, o Toninho e Jesse Hibbs;
abaixo John Payne e John Wayne.
Quem foi melhor nos westerns: John Wayne ou John Payne? Essa pergunta pode parecer sem sentido ou até mesmo desrespeitosa, mas o westernmaníaco Antônio de Oliveira Ribeiro (Toninho) afirmava que “Payne era melhor que Wayne” e argumentava incansavelmente contra quem dele discordasse. Questão de opinião, claro, porém opinião difícil de ser respeitada, ainda que se considere que John Payne fez inúmeros bons westerns e um dos melhores é sem dúvida “A Senda do Sangue” (Rails into Laramie). Produzido pela Universal e lançado em 1954, esse filme de 80 minutos foi dirigido por Jesse Hibbs, diretor mais lembrado por suas colaborações com Audie Murphy a quem dirigiu em “Traição Cruel” (Ride Clear of Diablo), “Terrível como o Inferno” (To Hell and Back), “Honra de Selvagens” (Walk the Proud Land) e “Na Rota dos Proscritos” (Ride a Crooked Trail). Nascido em 1906, Jesse Hibbs foi craque do American Football e depois passou 26 anos na  Universal como assistente de diretor, inclusive de Anthony Mann em “Winchester 73”. Em 1954 Hibbs foi guindado à função de diretor, trocando, em 1958 o cinema pela TV, dirigindo episódios de séries westerns e policiais. John Payne também trocou o cinema pela TV para protagonizar a série “The Restless Gun”, que durou duas temporadas rendendo 77 episódios.


Acima Myron Healey, Dan Duryea e
Lee Van Cleef à frente de John Payne;
abaixo Mari Blanchard e Payne.
A estrada que não avança - Em “A Senda do Sangue” John Payne interpreta o Sargento Jefferson Harder, enviado por seu comandante, em Cheyenne (Wyoming), para uma missão como civil em Laramie. O ano é 1869 e a estrada de ferro que deve ligar o Atlântico ao Pacífico tem seus trabalhos emperrados em Laramie e isso se deve a Jim Shanessy (Dan Duryea), empresário dono do saloon e do hotel da cidade que domina com a ajuda dos irmãos pistoleiros Ace Winton (Lee Van Cleef) e Con Winton (Myron Healey). O interesse de maior de Shanessy é impedir que a construção da estrada avance, fazendo com que os operários gastem seus salários em bebidas, jogos e mulheres em seu saloon. O Conselho Municipal de Laramie havia solicitado a presença de um destacamento militar e surpresos se deparam com o envio apenas de Jeff Harder que em outros tempos foi fora-da-lei na companhia de Shanessy. Este tenta subornar Harder que lhe dá voz de prisão. Mesmo preso, Shanessy faz com que seus homens incentivem sabotagens e cometam outros crimes. Levado a um primeiro julgamento por suborno, Shanessy é inocentado por um amedrontado júri formado por homens. Ao ser novamente preso como mandante de um crime, desta vez o corpo de jurados é composto, como faculta a lei, por mulheres reunidas por uma saloon girl.  Shanessy é condenado à forca pelo júri feminino, mas escapa da cadeia, sendo preso mais uma vez por Harder ao tentar fugir em um trem.

John Payne com Joyce MacKenzie;
Mari Blanchard.
Anáguas no tribunal - O insólito roteiro de “A Senda do Sangue” é de autoria de D.D. Beauchamp e Joseph Hoffman, tendo porém a colaboração não creditada de Borden Chase. É de Beauchamp, em parceria com Borden Chase, o roteiro do clássico “Homem Sem Rumo”, o que ajuda a entender a excelência da história deste faroeste com John Payne e Dan Duryea. Porém o mérito maior cabe mesmo a Jesse Hibbs que aproveitou bastante bem a produção menos econômica da Universal, com ações em trem em movimento, perfeito trabalho de dublês e um sem número de rostos conhecidos que dão a autenticidade necessária ao filme naquele padrão que Hollywood impôs ao gênero. Há ainda a presença de duas mulheres com importantes participações: Helen Shanessy (Joyce MacKenzie) é a esposa fiel do vilão e mesmo com seu ar de mulher honesta, tenta seduzir Jeff Harder, a quem preteriu em outros tempos para ficar com o marido Jim. Lou Carter (Mari Blanchard), por sua vez, é sócia de Jim Shanessy no saloon, mas não se ilude com suas promessas e, com a chegada de Jeff Harder a Laramie, vislumbra a possibilidade de um futuro ao lado daquele homem corajoso e incorruptível. Lou Carter vê além do que alcança a visão dos proeminentes cidadãos de Laramie, a ponto de perceber que com a economia da cidade funcionando somente para Jim Shanessy, algo deveria ser feito, ainda que seja por quem use anáguas, as subestimadas mulheres.

O juri composto por 12 mulheres de Laramie, assunto que virou manchete.

Acima Payne com Charles Horvath;
abaixo o grupo de trabalhadores e
Harry Wilson é quem está com a pá.
Trabalhadores manipulados - A dona de casa aparentemente boa ser má e a moça de vida fácil ser inteligente e ter despertada sua integridade não é a única boa subtrama do filme de Jesse Hibbs. Igualmente bem demonstrado é como os trabalhadores são manipulados pelo inescrupuloso Jim Shanessy, que faz com que acabem se acostumando com a vagabundagem e a bebida, muito mais relaxantes para eles que rachar rochas e implantar trilhos sob o sol. E a liderança entre os operários fica a cargo do fortíssimo Pike Murphy (Charles Horvath), a quem ninguém ousa desafiar, ele Pike que também é de confiança de Shanessy, assim como o operador do telégrafo (Douglas Kennedy). As sequências de tribunal que normalmente quebram a movimentação dos faroestes são curtas e bem editadas para dar espaço às cenas de ação. Entre estas se destaca o clímax com a luta entre Harder e Shanessy, este com todo o corpo fora do trem em movimento empurrado pelo vilão, com a locomotiva prestes a se chocar com outra composição que vem em sentido contrário. Sequência muito bem elaborada e tudo sem dublês, o que não acontece quando, sobre o trem também em movimento, Harder luta com um dos irmãos Winton (Myron Healey), que leva um potente cruzado e cai do alto do vagão.

Myron Healey antes de ser esmurrado por John Payne e cair do trem em movimento
prestes a se chocar de frente com outra composição.

Momento de emoção com Dan Duryea forçando John Payne a cair da locomotiva.

Lee Van Cleef, traiçoeiro como de hábito disparando pelas costas em James Griffith;
a destruição de um trem paralisando o avanço da ferrovia.

Dan Duryea confiante no resultado da
sentença; depois nem tanto...
Dan Duryea dominando o filme - “A Senda do Sangue” tem ação de ótima qualidade, tramas bem engendradas e ainda conta com Dan Duryea. Este que é um dos supremos vilões dos faroestes (de filmes noir) se impõe a astros de primeira grandeza como Burt Lancaster, James Stewart, Gary Cooper e outros com quem contracena. Sem maior esforço, apenas com o riso cínico e olhar desprezível, Duryea comanda todas as sequências em que aparece, ainda que ao lado do comedido mas confiável John Payne. Lee Van Cleef deixa antever que possuía já naquele seu início no cinema uma carga expressiva de maldade que só aumentaria até fazer dele um grande astro pouco mais de dez anos depois. O numeroso desfile de coadjuvantes conhecidos é liderado por James Griffith como um aparvalhado Marshal, ficando o destaque nesse grupo para Charles Horvath a quem mais uma vez é dada boa oportunidade como homem mau que sabe usar o corpo de brutamontes que tem. O grande desafio de Mari Blanchard é tentar convencer como mulher inteligente e sincera, ela que, mais uma vez como uma sedutora saloon girl, contracenou com Audie Murphy em “Antro da Perdição” (Destry). A infeliz Mari Blanchard faleceu vítima de câncer com apenas 47 anos de idade, sendo seu último filme “Quando um Homem é Homem” (McLintock), estrelado por John Wayne.

O marshal James Griffith ajuda Dan Duryea se barbear e a manter a elegância.

Dan Duryea e John Payne

Rex Allen
Rex Allen canta nos créditos - Os filmes da Universal International Pictures da década de 50 exigem do espectador um pouco mais de atenção quanto à trilha musical pois, não raro, percebe-se o dedo do gênio Henry Mancini, nesse tempo nunca creditado pelo estúdio. Mas inconfundível mesmo é a bela voz de Rex Allen cantando a canção “Laramie” durante a apresentação dos créditos, o que virou moda depois de “Matar ou Morrer” (High Noon), em 1952, quando Tex Ritter cantou pouco expressivamente a canção-título desse clássico. No mesmo ano de 1954 John Payne atuou neste excelente “A Senda do Sangue” e ainda em “Homens Indomáveis” (Silver Lode), mais uma vez ao lado de Dan Duryea. “Homens Indomáveis” é um daqueles excepcionais pequenos westerns que entraram para a história do gênero, dirigido por Allan Dwan. Mesmo com belos trabalhos como esses, não dá para imaginar John Payne interpretando ‘Thomas Danson’, ‘Capitão Nathan Brittles’, ‘Hondo Lane’ ou ‘Ethan Edwards’, com o que nunca concordou o Antônio Ribeiro citado na introdução desta resenha.


Lee Van Cleef e Dan Duryea, dois dos maiores vilões dos faroestes.

John Payne nos braços da bela Mari Blanchard.

A cópia de "A Senda do Sangue" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

Um comentário:

  1. Excelente análise deste faroeste que tem os diálogos mais naturais e bem escritos nesse gênero, fértil em ação mas com diálogos simplistas, em geral. Parabéns pela qualidade do blog.

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