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30 de outubro de 2015

BARBAROSA – WILLIE NELSON COMO UM LENDÁRIO FORA-DA-LEI


Acima o autor texano William D.
Wittliff; abaixo Pauline Kael.
Pauline Kael foi a mais famosa, temida e influente crítica de cinema do século passado, nos Estados Unidos. Seus ácidos e mordazes comentários mais desagradavam que agradavam, porém eram sempre respeitados. Pauline Kael não devotava admiração pelos westerns que raramente recebiam dela críticas elogiosas e mesmo para os grandes clássicos Pauline guardava um pouco de seu veneno. Clint Eastwood era o alvo preferido de Pauline Kael que fazia críticas devastadoras sobre os filmes do ator-diretor. Em 1982 Pauline Kael assistiu ao western “Barbarosa” que recebeu dela, sempre econômica em elogios aos filmes do gênero, uma resenha altamente favorável e apenas isso já torna esse faroeste obrigatório. Produzido numa década em que pouquíssimos westerns eram filmados, “Barbarosa” foi uma reunião de esforços dos texanos Willie Nelson, Gary Busey e do escritor, também texano, William D. Wittliff, que juntaram o dinheiro necessário para fazer o filme. Wittliff viria a ganhar fama ao escrever a mini-série de TV “Os Pistoleiros do Oeste” (Lonesome Dove). O consagrado cantor Willie Nelson era amigo do ator-músico Gary Busey que protagonizou “A História de Buddy Holly”, em 1978. Busey, que tocava bateria, chegou a acompanhar Willie Nelson em início de carreira. Para dirigir “Barbarosa” foi chamado o australiano Fred Schepisi que em seu país havia realizado o estranho filme “O Canto de Jimmie Blacksmith”, um western na terra dos cangurus.


Acima Gilbert Roland; Willie Nelson.
Vingança a qualquer preço - William D. Wittliff escreveu a história de “Barbarosa” baseando-se em relatos contados pelos mais antigos, no Texas. Neste filme Karl Westover (Gary Busey), jovem fazendeiro do Condado de Blanco, está perdido, faminto e sedento no México, próximo à fronteira. Karl é socorrido por um homem chamado apenas de Barbarosa (Willie Nelson) e conta a ele que fugiu de uma guerra entre famílias depois de matar um cunhado e ser jurado de morte pelos familiares do morto. Barbarosa simpatiza com Karl porque ele próprio, há 30 anos, vem fugindo do patriarca mexicano Don Braulio Zavalas (Gilbert Roland). Todos os homens que através dos anos Don Braulio colocou no encalço de Barbarosa foram mortos pelo perseguido. O patriarca jamais perdoou Barbarosa por ele, na noite de seu casamento com sua filha Josephina (Isela Vega), ter atirado em sua perna à queima-roupa, fazendo dele um aleijado. Barbarosa ensina Karl como sobreviver nas áridas terras mexicanas e como enfrentar os sanguinários bandidos que infestam aquela região. No Outono e na Primavera, Barbarosa sempre visita às escondidas o rancho de Don Braulio para rever Josephina e numa dessas visitas leva Karl junto. Karl se apaixona por Juanita (Alma Martinez), a filha de Barbarosa com Josephina. Barbarosa vem sendo implacavelmente caçado por Eduardo (Danny De La Paz), sobrinho de Don Braulio, até que finalmente o mexicano consegue atingi-lo mortalmente. Karl, que com o passar do tempo cultivou uma barba também avermelhada, assume a identidade de Barbarosa, invade a hacienda e faz com que a lenda do invencível bandido continue.

Willie Nelson
Criação de uma lenda - A criação de um mito no Oeste antigo se dava através das histórias e canções que falavam de tal personagem, enaltecendo seu heroísmo ou mesmo citando sua crueldade. Assim foi com Barbarosa, cujas aventuras eram conhecidas de todos nas regiões próximas ao Rio Grande na sua delimitação do Texas com o México. Barbarosa teve suas orelhas cortadas pelos homens de Don Braulio na noite de seu casamento, quando estavam todos embriagados. O noivo então matou seus dois mutiladores e, à queima-roupa, disparou seu fuzil contra a perna esquerda de Don Braulio, decepando-lhe a perna. A partir de então Barbarosa não mais teve paz, perseguido que era sempre pelo desejo de vingança do patriarca mexicano cujos homens que escalava para a ingrata missão de exterminar Barbarosa eram por ele mortos. A lenda de Barbarosa, como mostra o filme, ganhou contornos quase sobrenaturais, tantas foram as vezes que ele conseguiu escapar da morte certa, fosse pelas mãos dos homens de Don Braulio, fosse pelos desafetos que encontrava pelo caminho. Barbarosa era um ladrão-aventureiro sempre prometendo a sua amada Josephina que um dia iria parar de fugir para com ela viver. Já maduro, Barbarosa instintivamente prepara seu substituto na improvável figura do fazendeiro descendente de europeus que como ele se tornara um fugitivo.

Willie Nelson com Isela Vega.
Vida contada em canções - Em suas linhas gerais, a história de “Barbarosa” lembra um daqueles dramalhões que a Pelmex sabia produzir como ninguém. Porém a direção de Fred Schepisi imprime ao filme um ritmo saboroso em que cada situação mais e mais ajuda na lenda criada sobre o fugitivo. Barbarosa é destemido e experiente nas questões de sobrevivência, além de contar com uma dose grande de sorte, como quando um tiro disparado contra sua barriga acerta a fivela de seu cinto, ferindo-o sem maior gravidade, isto quando todos acreditavam-no morto. E a vingança de Barbarosa não poderia ser mais barbara ao enterrar o bandido mexicano vivo. Este agoniza gritando por socorro mas sua gente se recusa a ajudá-lo temendo ser amaldiçoada pela força demoníaca de Barbarosa. É a lenda se impondo inexoravelmente entre aquele povo crédulo em forças misteriosas. E quando Barbarosa morre de verdade, não é vítima de tiro mas sim acertado na barriga por um crucifixo que se transforma em mortal objeto perfurante. Eduardo Savalas anuncia então a morte de Barbarosa e eis que, numa cerimônia para homenagear o valente jovem mexicano, Barbarosa reaparece para manter viva a lenda que será cantada em versos, histórias e canções.

Corpos semienterrados; Willie Nelson e Gary Busey observam.

Willie Nelson
Willie Nelson perfeito - Este western de Schepisi tem o estilo seco e mórbido de Sam Peckinpah, mormente “Tragam-Me a Cabeça de Alfredo Garcia”, por sinal com a mesma bonita Isela Vega no elenco. Por vezes as imagens semissurrealistas de “Barbarosa” e o clima de desordenada loucura remetem a Sergio Leone. O que se vê na tela é uma linguagem inusitada em faroestes, distante do convencional e, o que é melhor, inteiramente convincente. Para isso contribui a incrível criação de Willie Nelson como Barbarosa, papel para o qual o cantor parece ter nascido e que o faz demonstrar o ótimo ator que é. Infelizmente as belas imagens do Texas não receberam a trilha sonora musical apropriada e esta, apesar de variar de tema para tema incessantemente, nunca casa satisfatoriamente com o filme e nem lhe acrescenta as nuances que poderia ter. Se Willie é o Barbarosa perfeito, Gary Busey, que nunca convenceu como bom ator, quase põe a perder o trabalho todo, não conseguindo se decidir entre ser engraçado ou sério, ou a difícil mescla desses tipos, o que está muito além de sua capacidade de ator. Para compensar há Gilbert Roland impondo sua personalidade como o venerável patriarca que se compraz ao contar para as crianças histórias envolvendo seu genro e desafeto.

Gary Busey na sequência de fotos com a barba cada vez mais parecida
à de Willie Nelson.


A morte de Barbarosa.
Western misterioso - Fred Schepisi não mais voltou ao faroeste pois o público não queria mais assistir a esse gênero de filme. “Barbarosa” fracassou nas bilheterias, assim como fracassos foram inúmeros outros westerns naquele início de década, notadamente “O Portal do Paraíso” (Heaven’s Gate). Pouco adiantou, portanto, a resenha favorável de Pauline Kael após ver o filme. Demoraria ainda três anos para que um western fosse melhor aceito pelo público, o que aconteceu com “Silverado” e mais tarde com a pequena série de belos westerns produzidos nos anos 90. Com o passar dos anos “Barbarosa” ganhou mais e mais fãs pois é daqueles filmes estranhos que nos deixam a sensação de estarmos diante do bizarro, do misterioso e do inesperado. Ao término da projeção fica uma única certeza: que é um belo western.


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