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20 de outubro de 2015

O TRÁGICO ACIDENTE QUE TIROU A VIDA DE FRED KENNEDY E ATORMENTOU JOHN FORD


Fred Kennedy
Fred Kennedy era stuntman, dublando atores em cenas de perigo. Iniciou sua carreira nessa profissão aos 29 anos no clássico de Michael Curtiz “As Aventuras de Robin Hood”, em 1938. Fred encontrou-se com John Wayne pela primeira vez em “Rio Vermelho” (Red River) e foi o Duke quem o apresentou a John Ford. Fred Kennedy era atarracado nos seus 1,75m de altura e o irascível diretor com sua habitual e ferina franqueza disse que ele era baixo demais para dublar seus atores pois quase todos esbarravam nos 1,90m. Alguns, como o próprio Wayne, passavam dessa altura. Mas como Fred arriscava-se corajosamente, especialmente nas perfeitas quedas de cavalo, acabou aceito por John Ford, juntando-se a Cliff Lyons, Frank McGrath, Fred Graham, Chuck Hayward como parte da Ford Stock Company na seção dos stuntmen. Chuck Roberson só viria a fazer parte dessa equipe a partir de 1956, tornando-se o dublê quase oficial de John Wayne pelas duas décadas seguintes. Antes de Roberson, coube a Fred Graham dublar John Wayne dezenas de vezes.

Claude Jarman Jr. e Fred Kennedy em cena
de "Rio Grande", com John Wayne
e Victor McLaglen.
Presença constante nos westerns de Ford - O primeiro filme de Fred Kennedy sob a direção de John Ford foi “Legião Invencível” (She Wore a Yellow Ribbon), vindo a seguir “Caravana de Bravos” (Wagon Master), “Rio Grande” (Rio Bravo), “Depois do Vendaval” (The Quiet Man) e “Rastros de Ódio” (The Searchers). Os dublês recebiam por dia de trabalho quando eram contratados para os filmes, mas além da diária recebiam também por cena arriscada, como as quedas de cavalos. John Ford gostava de aproveitar os dublês em pequenos papéis, o que fazia com que eles fossem enquadrados também como atores, passando a receber adicionalmente o pagamento mínimo estipulado pelo Screen Actors Guild, o sindicato da categoria. Em “Rio Grande” Fred Kennedy teve uma participação maior como ator interpretando o Soldado Heinze, aquele mal-encarado que provoca e trava luta a socos contra Claude Jarman Jr.

Chuck Hayward com John Wayne.
Favor especial do diretor - Em outubro de 1958 John Ford deu início às filmagens de “Marcha de Heróis” (The Horse Soldiers) e convocou o grupo de stuntmen que o acompanhava normalmente. Os dois ‘Freds’ (Graham e Kennedy) não faziam parte da lista pois a idade começava a pesar para ambos. Pesado e mais lento, Graham estava com 49 anos e Kennedy com 48 também não mostrava mais a antiga forma. Como eram amigos de John Ford e membros da Ford Stock Company, foram contratados somente como atores para pequenos papéis. Próximo de finalizar as sequências de ação com filmagens em Homochitto River, no Mississipi, Ford foi procurado por Kennedy que lhe pediu para atuar como dublê. Kennedy disse ao diretor que o Natal se aproximava e ele ficaria muito agradecido se pudesse receber uns dólares a mais resultantes de trabalho como dublê em algumas quedas de cavalo. Havia uma sequência em que William Holden é jogado fora de sua montaria e Ford, para atender ao amigo Fred, arriscou deixá-lo dublar Holden. Ford tinha à mão, entre outros, Chuck Hayward, que passa quase o filme todo em cima de um cavalo, estando em excepcional forma física, como se vê quando adentra a cavalo o saloon em Newton, sendo derrubado do animal pelo Coronel Marlowe (John Wayne) irritado e inconformado com a atitude do Capitão interpretado por Chuck Hayward.

Fred Kennedy com John Wayne.
Morte em cena - O dia 5 de dezembro constava na programação de filmagem como o momento da queda de William Holden que seria então dublado por Fred Kennedy. Este se apresentou e galopou até provocar a queda do cavalo, truque relativamente simples e que pode ser visto inúmeras vezes em “Marcha de Heróis” e em centenas de outros filmes. Ford orientou Kennedy para que após a queda ele permanecesse no chão até que a atriz Constance Towers se aproximasse dele, esperando o diretor gritar ‘Corta!’, Kennedy se levantaria e Bill Holden tomaria seu lugar no chão. Com a câmara filmando, Fred Kennedy cai do cavalo, Constance Towers corre até ele e antes que fosse ouvido o grito ‘Corta!’, foi a atriz quem gritou angustiada, levantando-se e afastando-se horrorizada. Constance percebera que Fred Kennedy estava imóvel, com os olhos arregalados e o pescoço aparentemente quebrado, o que foi confirmado pelo médico presente para desespero de todos na locação, especialmente de John Ford. As filmagens foram suspensas naquele dia, sendo retomadas no dia seguinte.

John Wayne
Estranha displicência - John Ford não havia gostado nada do roteiro de “Marcha de Heróis”, duvidando que ele pudesse resultar em um bom filme. Ford chegou a dizer que, para dar certo, aquele western deveria ser realizado em... Lourdes. Ford referia-se ao santuário localizado na pequena cidade francesa de Lourdes, onde, numa gruta, a menina Bernadette Soubirous afirmou ter visto uma aparição de Nossa Senhora. Ford estava necessitado de dinheiro e aceitou dirigir esse western que lhe renderia o salário de 350 mil dólares mais uma porcentagem sobre os lucros que o filme viesse a dar. Nem o fato de estar cercado pelos amigos Wayne, Hoot Gibson, Ken Curtis (genro de Ford), Hank Worden, Jack Pennick, Willis Bouchey, Anna Lee, Danny Borzage, Stan Jones, Cliff Lyons, Chuck Hayward e os ‘Freds’ Graham e Kennedy melhoraram o humor do diretor que se mostrava displicente e desinteressado como nunca se vira antes. Mesmo assim, depois de dois meses de filmagens, “Marcha de Heróis” encaminhava-se para o final.

À esquerda Hank Worden, Ken Curtis e Fred Graham;
à direita Constance Towers, Judson Pratt e Frd Kennedy.

John Wayne e Constance Towers
Final alterado pela amargura - John Ford sentiu-se o responsável pela morte de Fred Kennedy e seu normalmente irritadiço temperamento somente piorou, acrescentando-se ainda uma apatia que só não contaminou os demais atores e técnicos porque souberam compreender a angústia que atormentava o diretor. Wayne, Holden e Constance, o trio central de atores, praticamente passou a se autodirigir diante da falta de interesse de Ford. Para complicar ainda mais a situação, Ford decidiu alterar o final, que previa o retorno triunfal do destacamento sob as ordens do Coronel Marlowe após a arriscada missão no Sul. A desolação de John Ford fez com que o final de “Marcha de Heróis” fosse amargo, com o personagem de William Holden tornando-se prisioneiro dos confederados e os personagens de Constance Towers e John Wayne separando-se apesar de unidos pelo amor que se revelara entre ambos. Por sorte, a maior parte das filmagens já havia sido realizada e Ford realizara algumas sequências com sua inconfundível marca, o que fez com que o filme, mesmo sem se equiparar às tantas obras-primas resultasse excelente. Para John Ford, no entanto, “Marcha de Heróis” seria lembrado, para sempre, como o filme em que morreu Fred Kennedy.



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