UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

12 de maio de 2014

A ‘EMENDA CLINT EASTWOD’ (THE CLINT EASTWOOD AMENDMENT)


John Ford
Há nos Estados Unidos uma série de organizações sindicais criadas com o intuito de proteger os profissionais ligados ao cinema de possíveis prejuízos que possam vir a sofrer em suas carreiras. A mais conhecida delas é o Screen Actors Guild (SAG), que associa os atores. Por sinal essa entidade fundada em 1933 passou a existir em 2012 com outro nome, a SAG-AFTRA, reunindo também atores de televisão e rádio. Também criada em 1933 foi a Screen Writers Guild que em 1954 dividiu-se em Writers Guild of America West e Writers Guild of America East, passando igualmente a concentrar escritores de cinema, televisão e rádio. Criada em 1936, a Screen Directors Guild, é uma entidade que associa diretores e que em 1960 teve o nome mudado para Directors Guild of America. A DGA conta com mais de 14 mil associados, todos diretores de cinema, rádio e televisão. Talvez a mais famosa reunião do Screen Directors Guild tenha sido aquela ocorrida em 1950 e na qual John Ford fez a célebre declaração iniciada com “My name is John Ford anda I make westerns...”, calando a boca de reacionários como Cecil B. DeMille que estava a serviço do macarthismo. Em 1985 a Directors Guild of America alterou seu estatuto, após reunião de seus associados, com uma emenda que ganhou o nome de “The Clint Eastwood Amendment”.

Philip Kaufman
Diretores conquistadores - Quando foi iniciada em 1975 a produção de “Josey Wales, o Fora-da-Lei” (Outlaw Josey Wales) a Warner Bros., associada à Malpaso (a produtora de Clint), indicou para dirigir esse western Philip Kaufman. O último filme de Kaufman, diretor então com 39 anos havia sido “Sem Lei e Sem Esperança” (The Great Northfield Minnesota Raid), abordagem sobre os últimos dias de Jesse James muito bem recebida pelos críticos. Para esse filme Kaufman havia também escrito o roteiro. E foi o mesmo Kaufman quem escreveu o roteiro de “Josey Wales, o Fora-da-Lei”. A escolha da atriz Sondra Locke, contratada para interpretar ‘Laura Lee’ foi feita por Clint Eastwood à revelia de Kaufman. Desde que Clint havia conhecido rapidamente Sondra naquele mesmo ano, não a esquecera e nasceu entre ambos um romance que o casal não teve preocupação de esconder, em que pese Clint estar casado desde 1953 com sua esposa Maggie Johnson. Acontece que Kaufman, que também era casado, se interessou igualmente por Sondra Locke. A jovem atriz de 31 anos deu um ‘chega pra lá’ em Kaufman mas o diretor insistiu no assédio à protegida de Clint que, finalmente, decidiu acertar as contas com Kaufman.

Robert Wise
Robert Wise intervém - O lema de Clint Eastwood como produtor (e diretor) sempre foi ‘under the budget and under the schedule’, ou seja, filmar em menos tempo do que o previsto e com economia. O estilo de Philip Kaufman era exatamente o oposto pois esse diretor filmava de modo meticuloso, sem pressa, prendendo-se a inúteis detalhes, inúteis na concepção artística de Clint. Numa certa sequência em que Kaufman tinha que aproveitar o pôr-do-sol, ele demorou tanto para filmar que o sol acabou se escondendo, levando ao desespero o produtor Eastwood. Foi a gota d’água e Clint demitiu Kaufman, assumindo ele próprio a direção do western. Toda Hollywood tomou conhecimento do fato e Kaufman foi se queixar ao Directors Guild of America, que era presidido por Robert Wise. O premiado diretor de “Amor Sublime Amor” e “A Noviça Rebelde” mandou um ofício para Clint Eastwood dizendo que ele não poderia substituir Kaufman pois além de dono do filme como produtor, ele era também o ator principal.

Marlon Brando
Famosos diretores dispen-sados - Muitos diretores foram dispensados por ‘ordem expressa’ de atores que se julgavam mais importantes que o próprio filme. Anthony Mann foi dispensado da direção de “A Passagem da Noite” (The Night Passage) por James Stewart, em 1957, com James Neilson assumindo a direção. Em 1960 o também produtor (Bryna Productions) Kirk Douglas dispensou o mesmo Anthony Mann da direção de “Spartacus” substituindo-o por Stanley Kubrick. Até aí nada demais, a não ser a prática do poder dos produtores falando mais alto, atitudes aceitas pelo sindicato dos diretores. Mas eis que em 1960 Stanley Kubrick foi dispensado da direção de “A Face Oculta” (One-Eyed Jacks) por Marlon Brando e o próprio Marlon, ator e produtor associado (Pennebaker Productions) desse western tomou a direção. A atitude de Brando deu o que falar mas não resultou em nada, uma vez que Brando agira como ‘produtor’, ainda que seu inflado ego o levasse a crer que dirigiria melhor que Kubrick. E não é que Brando fez um belíssimo western! Em 1975 os diretores já não eram mais contratados dos estúdios como em outras décadas e o Directors Guild of America estava muito mais forte e atuante.

Clint Eastwood
A Emenda Clint Eastwood – O ator-produtor-diretor resolveu a questão criada na produção de “Josey Wales, o Fora-da-Lei” à maneira do ‘estranho sem nome’ e com poucas palavras deu uma indenização a Philip Kaufman, que aceitou prontamente, até porque a situação entre ambos tornara-se insustentável. E Robert Wise aplicou uma multa de 50 mil dólares a Clint pela desobediência à recomendação do Director Guild of America. Wise reuniu o conselho do DGA e foi proposta e votada uma regra segundo a qual nenhum ator-produtor poderia dispensar um diretor depois de as filmagens iniciadas e tomar, esse ator-produtor, o lugar do diretor dispensado. Diretores somente poderiam ser substituídos por diretores. E no caso de Clint Eastwood, era ele também membro da DGA pois já havia dirigido cinco filmes, mais até que Kaufman que contava com quatro filmes dirigidos em sua filmografia como diretor. A regra criada pelo DGA ficou conhecida como ‘The Clint Eastwood Amendment’. Para evitar novos problemas com diretores, Clint passou a dirigir praticamente todos os filmes que produzia e atuava. Quando não dirigia Clint colocava homens de sua inteira confiança como James Fargo, Buddy Van Horn e mesmo Don Siegel. Clint se desentendeu com Siegel em “Alcatraz, Fuga Impossível”, com ambos não mais voltando a se falar, para desgosto de Don Siegel. Mas Clint não esqueceu o amigo pois dedicou “Os Imperdoáveis” (Unforgiven) a Sergio (Leone) e a Don (Siegel).

Sondra Locke
Clint e a Warner Bros. pagam indenizações - Com Sondra Locke o comportamento de Clint Eastwood foi ainda pior pois após viver com ela por oito anos e tê-la como atriz principal em cinco de seus filmes, Clint simplesmente decidiu apagá-la de sua vida, sem direito algum aos anos de vida em comum. Inconformada Sondra acionou Clint na Justiça de Los Angeles. Vingativo como seus personagens, Clint fez com que a Warner Bros., com quem Sondra assinara um acordo para dirigir três filmes, a impedisse de trabalhar atuando ou dirigindo filmes. Mais uma vez a pequenina Sondra, feito Davi, denunciou na Justiça de Los Angeles, por fraude e não cumprimento de contrato, o gigantesco Golias que era o estúdio e, foi reconhecido pela corte o seu prejuízo e nova indenização veio a se somar àquela paga a Sondra por Eastwood. O montante recebido pela atriz-diretora foi mantido em segredo conforme acordado entre as partes, mas especulou-se que a quantia ficou entre 15 e 30 milhões de dólares. Após o desfecho dos processos Sondra ainda ganhou mais um pouco de dinheiro com a publicação do livro de sua autoria intitulado “The Good, the Bad and the Very Ugly”, cujo título (e texto) deve ter provocado a ira de Clint Eastwood.

O último western de Clint Eastwood,
na foto ao lado de Morgan Freeman.
Clint filmando sem parar - A carreira de Sondra acabou, mas a de Clint prosseguiu. Clint teve filhos com quatro mulheres diferentes e casou-se em 1996 com Dina Eastwood, sua segunda esposa. Dina entrou há alguns meses com pedido de divórcio do ator de 83 anos. Como diretor Clint consolidou sua carreira como um dos mais prestigiados diretores de cinema de seu tempo e como produtor ganhou muito dinheiro com seus filmes rodados ‘under the budget and under the schedule’. Dois dos filmes de Clint Eastwood receberam prêmios Oscar de Melhor Filme do Ano, respectivamente “Os Imperdoáveis” (Unforgiven) e “Menina de Ouro” (Million Dollar Baby). Incansável, Clint Eastwood não tem planos de aposentadoria e concluiu recentemente “Jersey Boys”, biografia do grupo vocal ‘The Four Seasons’ e trabalha da pré-produção de “American Sniper”, com lançamento previsto para 2015. Pena que Eastwood não mais tenha retornado ao faroeste, ele que, como personagem do gênero western só fica atrás de John Wayne que é um autêntico ‘hors concours’ nessa categoria.


Sondra Locke e a capa de seu livro; à direita Sondra em "Bronco Billy".

Clint Eastwood com a primeira esposa Maggie Johnson;
abaixo Clint com Dina, sua segunda esposa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário