UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

17 de janeiro de 2013

RUBENS EWALD FILHO FALA DE “SHANE”, “RASTROS DE ÓDIO” E DE OUTROS FAROESTES



Laudney 'Shane' Mioli, Rubens Ewald Filho e Darci Fonseca.
A Confraria dos Amigos do Western fundada pelo Doutor Aulo Barretti, em 1977 tinha algumas ‘verdades absolutas’ sempre lembradas nas conversas entre os sócios. A primeira verdade era que John Wayne era o maior cowboy de todos os tempos; a segunda verdade era que os chamados westerns-spaghetti jamais frequentariam as telas da confraria; a terceira e última verdade que corria de boca-em-boca era que o crítico Rubens Ewald Filho não gostava de faroestes. Em 30 de agosto de 2003 a revista PARDNER realizou uma longa entrevista com Rubens Ewald Filho, ocasião em que essa ‘verdade’ foi desmentida e oportunidade também para Rubens falar mais longamente sobre faroestes. Uma verdade foi constatada após a entrevista: Rubinho, possui um humor contagiante, uma radiante simpatia e uma simplicidade que nem sempre a televisão consegue mostrar. A seguir a entrevista:

Pardner – Prazer em falar com você, Rubens, que é o mais querido crítico cinematográfico do Brasil.
REFObrigado pelo querido, mas no fundo eu gosto mesmo é de ser amado. Mas a profissão não se presta a isso porque às vezes a gente diz verdades desagradáveis às pessoas, mas eu sempre tento passar uma mensagem de amor pelo cinema, paixão que não morreu, apesar de todos os embates que a gente vê por aí.

Pardner – Em um de seus livros você relacionou os 100 melhores filmes de todos os tempos e nessa lista há quatro westerns (“Os Brutos Também Amam”, “Matar ou Morrer”, “Meu Ódio Será Sua Herança” e “Rastros de Ódio”), que são seus preferidos. Gostaríamos que você lembrasse de outros westerns que você considera como grandes westerns.
Shane / Alan Ladd
REF – Olha, é engraçado, mas eu nunca fiz essa conta, eu nunca fiz um levantamento por gênero, curiosamente nunca me ocorreu. Eu ainda pertenço a uma geração que foi criada com o faroeste, embora eu nunca tenha visto um filme seriado, eu não peguei. Eu tenho 50 e tantos anos, mas em Santos não passava na minha época. Eu fui ver Roy Rogers só em vídeo, agora recentemente. Eu não conhecia. Quando você é garoto, você é muito marcado pelos filmes que você assiste. Eu acho que John Ford, sem dúvida, é o cineasta que mais me marcou e um dos poucos que nunca me decepcionou. Você revendo os filmes, o ruim é que você com frequência fala: ‘Mas foi isso que eu gostei quando jovem? Mas que bobagem...’. Com John Ford isso nunca acontece. É raríssimo ele ter um filme mais fraco e alguns deles ficam melhores a cada vez que você vê. Um outro cineasta que na verdade eu só redescobri agora é Anthony Mann. Eu acabei de voltar de Nova York e de lá eu trouxe dois DVDs de Anthony Mann. Eu tenho comprado poucos DVDs lá fora porque agora quase tudo sai aqui. Eu trouxe “E o Sangue Semeou a Terra” e “Região do Ódio” porque eu sou um fã do Anthony Mann! Esse é um cineasta que eu só fui descobrir depois, também, porque antes tudo era tão melhor, o padrão era tão alto que a gente não valorizava o Anthony Mann. A gente dizia: ‘Ah, ele é bom, esse filme é bom...’ Mas eu nunca imaginei que ele fosse tão bom. Anthony Mann é uma dessas injustiças que foram cometidas, mais ou menos assim como George Sidney no musical, aquele que você assiste e você acha normal. Hoje não é mais normal. Anthony Mann era bom mesmo! Por outro lado, por exemplo, o “Shane” não é um filme que me toca tanto. Eu coloquei mais pelo prestígio que ele tem. Eu fui ler o livro do Paulo Perdigão e achei uma bobagem aquele livro... Ele enrola, enrola, enrola e tem muita coisa que poderia dizer e realmente não diz. Eu só vim a ler essa edição nova pois ainda não havia lido. O filme não me pega tanto quanto poderia. Mas só voltando ao faroeste, é um gênero onde eu vi tudo... Eu vi Audie Murphy, eu vi todas as coisas possíveis, menos classe ‘C’. E adoro Sergio Leone. Eu sou um fã completo de Sergio Leone! Acho “Era Uma Vez no Oeste” uma maravilha! Acho todos aqueles filmes dele fantásticos. Adoro “Era Uma Vez na América”, que não é faroeste, mas que é muito bom também. Eu acho que Sergio Leone merece também o papel de criador do gênero Faroeste. Eu adoro Ennio Morricone também. Que eu esteja lembrando, um outro cineasta que me parece injustiçado é o John Sturges, que é outro que fez grandes filmes e que a gente nunca vê um livro sobre ele. Agora eu não conheço muito bem o Budd Boetticher. Eu nunca consegui ver todos os filmes que ele fez com Randolph Scott, como esse “Sete Homens Sem Destino”, que disseram que é muito bom. Eu ainda tenho uns lapsos assim. Randolph Scott também eu não conheço muito bem. Joel McCrea eu estou programando lá para o Telecine ainda neste ano. Eu já peguei vários deles e é bom vocês saberem, já que essa informação não sai na imprensa, que no Telecine Classic os campeões de audiência são os filmes faroestes. Um grande sucesso de audiência é “O Rio das Almas Perdidas”. Curioso, né? Ele não é um grande filme, mas ele funciona na televisão. Eu já peguei várias vezes no ar e continuei assistindo... Sabe aquilo, você continua vendo... Ele tem uns números musicais demais, um pouquinho...

Claire Trevor em "No Tempo das Diligências".
Pardner – Você fez entrevistas com alguns de nossos grandes ídolos como Janet Leigh, Jean Simmons, Robert Wagner, John Saxon e tantos outros. Você esteve em 1995, em Cannes, por ocasião da homenagem ao centenário de nascimento de John Ford, com dois de nossos maiores ídolos, Ben Johnson e Harry Carey Jr. fale sobre eles.
REF – Tinha outra pessoa junto que não quis dar entrevista, embora eu tenha conversado com ela, a Carroll Baker, com quem eu conversei assim socialmente. Estava também a Claire Trevor que não podia dar entrevista porque estava velhinha, velhinha, velhinha. A Claire Trevor é maravilhosa, né? Essa era a maior de todas. Carroll Baker era meia-boca, não era tudo isso, não. Eu adorei ter entrevistado os dois porque eles também eram ídolos meus, principalmente por causa dessa história do John Ford. A gente vê com muito eles, é engraçado... Eles tinham aquele elenco constante e acabavam virando amigos da gente. Frank Capra tinha um pouco isso, aquela turma... Uma pessoa que eu gostaria muito de entrevistar é Anna Lee, ela está viva ainda. Richard Widmark está vivo também e eu gostaria de entrevistar. Ricardo Montalbán, que eu entrevistei, é uma pessoa maravilhosa, super simpática e ele está com aquele problema na perna... Na entrevista ele teve que subir uma escada, coitado... É uma pena, ele está aleijado.

Pardner – E o Clint Eastwood?
REF – O Clint, entrevista sozinho ele não dá. Eu participei de umas quatro coletivas e ele é aquilo mesmo, muito calado, mas eu gosto muito dele. Principalmente como mito. Como diretor ele é irregular. Ele é meio rapidinho, às vezes acerta, às vezes não. Eu gosto muito dele como mito. Quem chegou aos 73 anos trabalhando como ator principal? Não tem... E ainda fazendo sucesso. É uma sobrevivência extraordinária e uma coisa que a gente respeita.

Henry Brandon, o 'Cicatriz' de "Rastros de Ódio".
Pardner – O nosso clube se divide entre aqueles que elegem “Os Brutos Também Amam” como o melhor faroeste de todos os tempos e um outro grupo que prefere “Rastros de Ódio”...
REF – Já ganhou!!! Já ganhou!!! Claro, né?! Ele é o melhor. Se você me perguntar, seria ele. John Ford e “Rastros de Ódio”. E bem antes do “Shane” eu poria outros de John Ford. Eu acho que ele é grande. O único filme fraco dele que eu lembro é “O Último Hurra!”, que não deu certo. Mas isso é muito raro numa carreira enorme. Ele acertou 98 por cento das vezes. E com uma simplicidade, com uma ternura, uma humanidade. Um humor muito particular. O Howard Hawks é um cineasta que eu não gostava muito, mas também em comparação com o que se faz hoje, cada vez eu gosto mais. “Rio da Aventura” era um filme que eu gostava muito, um preto e branco do Howard Hawks que é um grande diretor considerando o que temos hoje e que eu não punha no meu patamar (dos melhores). Eu já não gosto de “Eldorado”, que eu acho meia boca. Nem de “Rio Lobo”.

Pardner – Mas em compensação “Rio Bravo”...
REF – Pois é, “Rio Bravo”... mas eu não sei se os ‘Rios Bravos’ de John Ford não são melhores... Outro cineasta que eu acho que resiste bem é Burt Kennedy, que é um cara de ação, como em “Uma Cidade Contra o Xerife”. 

Pardner – John Wayne é o nosso maior astro do faroeste...
REF – Ele é o maior astro... O Telecine está passando muitos filmes dele. Ainda ontem eu estava vendo “Fúria no Alasca” que é um faroeste que não é faroeste, mas que é muito bom. É de Henry Hathaway e eu estive com ele também. Ele era um velho mal humorado... Eu almocei com Hathaway mas não gravei imagens, só almocei. Mas ele era um cara tão mal humorado e que achava que tudo que ele fazia era bobagem e que não tinha a menor importância. Falou que Gregory Peck era um bêbado que caia bêbado nas filmagens.

Pardner – Você acha que Hathaway era um diretor injustiçado?
REF – Exatamente. Por isso eu quis conhecê-lo. Mas eu fui com uma senhora me acompanhando e ele deu a maior bola para a senhora e mal me respondeu...

Mercedes McCambridge ladeada por Frank Ferguson
e Ward Bond em "Johnny Guitar".
Pardner – E sobre “Johnny Guitar”?
REF – Hi... Não está entre os meus preferidos, não. Eu vi várias vezes. Os franceses acham uma maravilha, mas eu nunca consegui achar, embora eu entenda, Joan Crawford, Mercedes McCambridge, o duelo... Os filmes do Nicholas Ray têm um enquadramento muito especial que perdem muito sem o widescreem, se não for Cinemascope. Mas o “Johnny Guitar” nunca conseguiu me atingir. Estou vendo aqui (folheando a revista PARDNER n.º 21) alguns filmes que eu gosto muito... “O Matador” vai passar agora no Telecine e eu acho esse filme excelente! Eu acho ele muito bom. “Minha Vontade é Lei”, que é um bom faroeste eu tenho visto ele em vários momentos. “O Preço de um Homem”, do Anthony Mann, que eu já tinha falado. “Consciências Mortas”, que é um filme mais de tese, do William Wellman, que é outro bom diretor e que também é pouco falado. É dele “Caravana das Mulheres”, aquele com Robert Taylor, outro que também eu gosto muito.

Pardner – Rubens, para encerrar, uma saudação para os sócios do CAW.
REF - Na primeira oportunidade eu vou visitar vocês. Eu fico muito honrado porque, se vale alguma coisa, alguma homenagem, é vinda de vocês que são, literalmente, membros do mesmo clube, sócios do meu clube, que são as pessoas que gostam de cinema, dos fãs de cinema. O resto é meio bobagem, sucesso, fama, tudo isso é passageiro. O que vale mesmo é o respeito, a amizade de pessoas que gostam da mesma coisa que eu que é o cinema. Para mim isso é super importante, muito mais do que vocês podem imaginar. Obrigado e um abração pra vocês.

Nota do editor – Por ocasião desta entrevista Rubens Ewald Filho era o responsável pela programação dos canais por assinatura da Rede Telecine, com ênfase no Telecine Classic, hoje Telecine Cult.

6 comentários:

  1. Darci, obrigado pela transcrição da entrevista com o Rubens. Adorei, valeu mesmo! Era tudo que eu queria!

    Aproveitando a foto do Johnny Guitar, você já repareu como o Frank Ferguson e o Hank Worden aparecem em dezenas de faroestes, mas quase sempre apenas alguns segundinhos? Por que será? Será que é por causa da idade? (Mas o Frank não era tão velho assim...). Fico pensando se eles se sujeitavam a isso só prá conseguir pagar o jantar, coitados...

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    1. Esqueci de assinar a mensagem acima.

      Abraços
      José Tadeu

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  2. Olá, José Tadeu - De fato, Frank Ferguson e Hank Worden atuaram em grandes faroestes, quase sempre em pequenos papéis. Porém só a participação maior de Hank Worden em Rastros de Ódio compensou tudo. E em Johnny Guitar Frank Ferguson tem razoável destaque. O blog está devendo biografias desses dois atores a quem nunca faltou trabalho pelo grande número de filmes em que atuaram ao longo das carreiras. Hank Worden era da turma de John Ford e era muito amigo de JOhn Wayne que sempre lhe arrumava pequenos papéis em seus filmes.
    José Tadeu, escreva, por favor, para darci.fonseca@yahoo.com.br
    Um abraço do Darci

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  3. Aacabo de rever " Abutres Humanos" com Alan Ladd e Robert Preston e lá estava o Hank Worden mais uma vez !!!
    Como na maioria das vezes,nada ou pouco falou !! É uma figura
    interessante,que esteve em dezenas de westerns. Parece que estava sempre disponível nos "set" de filmagem .
    Abraços !!!!!

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  4. Consultei rapidamente a filmografia de Hank Worden e vi que ele participou de mais de 230
    filmes,seriados,séries tv e outros. Imaginem,em
    muitos deles não foi creditada a participação !!
    Acho que é um recordista,se esta informação não estiver errada !! Que coisa !!!! Vale a pena
    se aprofundar nesta biografia !!Abraços !!

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  5. Lau Shane - Em 1994 publiquei na revista Mocinhos e Bandidos uma matéria intitulada "Alguém Lembra de Hank Worden? Pois Clint Eastwood lembrou". Acredito que tenha sido a primeira vez no Brasil que Hank Worden tenha sido focalizado. Breve ele estará aqui no Westerncinemania.
    O ator que mais apareceu em filmes foi Tom London, que trabalhou em 316 westerns, 102 filmes não-westerns e 48 seriados, num total de 466 aparições no cinema, inclusive em "Matar ou Morrer". Depois de Tom London vem Bud Osborne, que atuou em 384 westerns, 12 não-westerns e 35 seriado, totalizando 431 participações.
    Você, no caso de Hank Worden, deve ter consultado o site IMDb, que inclui também trabalhos feitos para a televisão. Se contarmos os trabalhos feitos para a TV, Tom London chega a 630 filmes e Bud Osborne chega a 616, segundo a própria Internet Movie Database. Como se vê nunca faltou trabalho para esses característicos. - Um abraço do Darci.

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