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13 de março de 2012

O PURGATÓRIO DE SAM PECKINPAH


Após a excelente recepção de “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country) por parte da crítica cinematográfica, o nome de Sam Peckinpah passou a ser olhado com enorme interesse pelos estúdios que queriam contratá-lo para novos filmes. Peckinpah que se iniciara na TV como roteirista e diretor, estreou no cinema em 1961 com “Parceiros da Morte” (The Deadly Companions), western que apesar de violento para a época, passou praticamente despercebido. Em 1964, aos 39 anos de idade, Sam Peckinpah teria sua grande oportunidade numa superprodução da Columbia intitulada “Juramento de Vingança” (Major Dundee), western que se tornou um pesadelo para todos que dele participaram.

O Mestre das Pradarias
WESTERN PERFEITO PARA JOHN FORD - O produtor Jerry Bresler havia acertado um contrato com a Columbia Pictures para produzir alguns filmes em parceria com aquele estúdio, um deles foi “Os Tiranos Também Amam”, estrelado por Charlton Heston. A carreira de Heston parecia não ter limites, conhecendo um sucesso após o outro, com o ator se especializando em protagonizar papéis de homens altivos e com nobreza de caráter. Bresler havia adquirido um roteiro de autoria de Harry Julian Fink intitulado “Major Dundee” e avisou a Heston que pretendia que ele interpretasse o Major Amos Charles Dundee, oficial da Cavalaria, num papel diferente daqueles que Heston vinha interpretando. O Major Dundee estava mais para Custer que para El Cid ou Ben-Hur. O ator recebeu o roteiro de 37 páginas, leu, percebeu o potencial da história e aceitou o desafio, ao passo que a Columbia já havia aprovado o projeto que deveria ser uma superprodução em Panavision com custo de 4,5 milhões de dólares. Jerry Bresler e a Columbia sonhavam com um filme parecido com aqueles da inesquecível Trilogia da Cavalaria realizada por John Ford no final da década de 40, tanto que procuraram o premiado diretor para dirigir “Major Dundee”. Ford, que seria uma escolha perfeita, estava envolvido com a produção de “Crepúsculo de uma Raça” (Cheynne Autumn) e declinou do convite. Sam Peckinpah vinha sendo chamado, com grande dose de exagero, de ‘o novo John Ford’. Foi nele que Jerry Bresler pensou após a recusa de John Ford.

Quinn: Zorba - Marvin:
Liberty Valance
NEM ANTHONY QUINN, NEM LEE MARVIN - Charlton Heston era um dos maiores astros do cinema daqueles anos e como tal tinha direito a porcentagem sobre o lucro do filme, aprovação de elenco e de diretor, tudo estipulado nos contratos que assinava. Jerry Bresler falou então a Heston a respeito de Sam Peckinpah, pois Heston ainda não conhecia o diretor. Bresler levou Heston a uma sala de projeção e exibiu “Pistoleiros do Entardecer” especialmente para o ator. Charlton Heston ficou bem impressionado e aprovou o nome de Peckinpah, após o que o diretor foi contratado com salário de 50 mil dólares. Sam, que havia recebido 12 mil dólares para dirigir “Pistoleiros do Entardecer”, logo passou a trabalhar no roteiro, tentando melhorá-lo, e também na escolha do elenco. Sam e o produtor queriam Anthony Quinn para interpretar o Capitão Benjamin Tyreen e Lee Marvin para o papel de Samuel Potts. Quinn fez três filmes em 1964, um deles “Zorba, o Grego” e com tanto trabalho não pode aceitar. Lee Marvin por sua vez pediu um salário muito alto que não foi aceito por Jerry Bresler. No lugar de Quinn e Marvin foram contratados o irlandês Richard Harris e James Coburn. Peckinpah queria também Lucien Ballard para diretor de fotografia, mas Bresler impôs o nome de Sam Leavitt (“Êxodus”, “Anatomia de um Crime”, “Círculo do Medo”). Lucien Ballard seria o diretor de fotografia dos filmes seguintes de Peckinpah, entre eles “Meu Ódio Será Sua Herança”.

James Coburn, Richard Harris,
Warren Oates, Ben Johnson,
Mario Adorf, L.Q. Jones,
Jum Hutton, Karl Swenson
LOCAÇÕES NO MÉXICO - Sam Peckinpah não se entendeu bem com Harry Julian Fink chegando a dizer a ele que seu roteiro era impossível de ser filmado. Bresler então chamou Oscar Saul (“Uma Rua Chamada Pecado”) para colaborar no roteiro que estava sendo reescrito por Peckinpah. Enquanto Saul trabalhava no roteiro, Peckinpah partiu para o México para escolher as locações onde o filme seria inteiramente rodado. Junto com Peckinpah seguiu o diretor de arte Alfred (Al) Ybarra, o mesmo que havia criado o Álamo para John Wayne, em Brackettville, no Texas. “Major Dundee” estava programado para ser um road-show, ou seja, filme para ser lançado em poucos cinemas mas com longa permanência em cartaz, até ser exibido um ano depois em salas menores. A produção de “Major Dundee” estava programada para 75 dias, envolvendo perto de duzentas pessoas, entre atores e técnicos. Por ser rodado em locações o filme acarretaria enorme despesa diária com acomodações, alimentação e transporte. Peckinpah em busca dos lugares certos começou a se aprofundar México a dentro, escolhendo locais bastante distantes uns dos outros, forma nada econômica de se trabalhar com uma equipe tão grande. O elenco principal, bastante numeroso, foi formado com Heston, Harris, Coburn e mais Ben Johnson, Slim Pickens, Jim Hutton, Michael Anderson Jr., Warren Oates, Mario Adorf, Brock Peters, Karl Swenson, R.G. Armstrong, L.Q. Jones, Michael Pate, Dub Taylor e os atores mexicanos contratados. Além deles, duas dezenas dos melhores stuntmen (Cliff Lyons e Chuck Roberson entre eles) e quase uma centena de extras faziam parte da equipe, sem falar nos cavalos, parte integrante de inúmeras sequências.

Acima Richard Harris com o produtor
 Jerry Bresler; abaixo Peckinpah
com Senta Berger
A BARBA DE CHARLTON HESTON - No dia 7 de fevereiro de 1964, segundo dia de filmagem, Jerry Bresler chegou a Durango com uma verdadeira bomba: ocorrerá a troca do encarregado de produção da Columbia, saindo Sol Schwartz e entrando em seu lugar Mike Frankovich. Este, de posse de uma série de gráficos que apontavam uma queda de 12,5 por cento no número de ingressos vendidos e o fechamento de sete mil cinemas nos Estados Unidos, determinou redução de custos em quase todos os filmes, especialmente “Major Dundee” que teria o orçamento reduzido para três milhões de dólares, ao invés dos 4,5 milhões iniciais. E o cronograma de filmagem seria reduzido de 75 para 60 dias. Peckinpah quase enlouqueceu com a informação e Bresler percebendo o desespero de Sam lhe disse para ele ir tocando o filme que ele Bresler se encarregaria de convencer Frankovich a mudar de idéia. Acontece que Jerry Bresler era daquelas pessoas com personalidade frágil e para Mike Frankovich o produtor disse que iria convencer Peckinpah a fazer um filme mais barato, cortando as cenas que fosse necessário cortar. A única coisa que Peckinpah queria cortar naquele momento era a barba que Charlton Heston deixara crescer há um mês para interpretar Dundee. Quando Peckinpah viu Heston com aquela barba disse a ele que Dundee só teria barba quando da incursão ao México atrás do apache Sierra Charriba. A contragosto Heston raspou a barba que planejava deixar para seu próximo filme quando interpretaria Michelangelo Buonarroti em “Agonia e Êxtase”.

Charlton Heston e Sam Peckinpah
PECKINPAH DE CANTINA EM CANTINA - Jerry Bresler apostava que Sam Peckinpah, acostumado com a agilidade da TV, filmaria tão rapidamente como John Ford costumava fazer, mas o produtor estava inteiramente enganado. Com duas semanas de filmagem Peckinpah havia produzido menos milhares de metros de filmes que pessoal técnico que havia demitido, nada menos que doze pessoas, quase uma por dia. Quando Bresler retornou à locação para pressionar Peckinpah, ouviu do diretor que ele não rodaria nem mais um palmo de filme enquanto ele Bresler não voltasse para Hollywood. Sem outra saída Bresler abandonou a locação deixando o filme à deriva nas mãos de Peckinpah. Bresler, porém, fez um relatório completo da situação a Frankovich dizendo que o diretor estava jogando dinheiro fora e tinha dúvidas até que ele soubesse como dirigir aquele filme. Charlton Heston também estava descontente mas havia percebido que Sam tinha talento e poderia fazer um grande western. Heston não gostava mesmo era do comportamento de Sam que após as filmagens ia para o centro de Durango peregrinando de cantina em cantina e sendo trazido para o hotel de madrugada, bastante embriagado. Nas manhãs seguintes a equipe tinha que esperar Peckinpah que sempre chegava com atraso, coisa inconcebível para um profissional como Charlton Heston. E todos sabiam que a cidade de Durango à noite era um lugar mais perigoso que a Tombstone do século passado. A média de mortes devido a brigas era de duas por noite, mas Sam sobrevivia porque Ben Johnson, Warren Oates e L.Q. Jones o livravam das encrencas que arrumava em todo lugar que ia para tomar tequila. Mais alguns dias e chega a Durango uma caravana de executivos da Columbia, todos com ternos bem cortados e brilhantes sapatos italianos. Tinham a espinhosa missão de demitir Peckinpah.

REBELIÃO EM DU-RANGO - Os executivos da Columbia que mais se assemelhavam a um bando de pinguins, encontraram Peckinpah sem camisa e com uma bandana na testa vociferando palavrões para todo lado. Sem perda de tempo informaram o diretor que ele estava despedido pois já havia gasto quase dois milhões de dólares dos três milhões previstos e ainda não havia sido filmada nem a quarta parte do roteiro. Peckinpah sabia que não adiantaria discutir com os pinguins, alguns deles advogados, mas para sua surpresa, Charlton Heston avisou aos executivos que se Peckinpah saísse ele também abandonaria o filme. Atitude semelhante tiveram Richard Harris, Warren Oates, Ben Johnson, L.Q. Jones, Slim Pickens e R.G. Armstrong, ameaçando sair se Sam fosse despedido. Quem ficou sem saída foi o staff da Columbia que informou Frankovich da situação. Frankovich, por telefone, tentou convencer Heston a continuar no filme com outro diretor e acabou recebendo de Heston uma contraproposta: o ator abriria mão do seu salário (200 mil dólares ou 300 mil dólares, dependendo da fonte de informação) para ajudar a reduzir as despesas, o que foi aceito imediatamente pelo chefão da Columbia. Este exigiu ainda que o próprio Peckinpah abrisse mão de 35 mil dólares de seu salário em razão do atraso da produção, o que também foi aceito pelo diretor, para não desagradar Heston numa espécie de solidário agradecimento. Sam e Heston continuaram no filme, um pouco mais pobres, é verdade, mas com muito mais poder para Peckinpah que dali em diante saía do purgatório para levar toda a equipe de “Major Dundee” para o inferno.

                                                                            (Continua)

4 comentários:

  1. Esperando o desfecho da história.

    Abraço

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  2. Muito interessante essa luta atrás dos bastidores de Major Dundee. Aguardo o desfecho. SC

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  3. Não vi Juramento de Vingança. Observei isso no meu caderno onde anoto todos os filmes assistidos.
    Porém, ainda que o houvesse visto, isso seria há muitos anos atrás, o que me impediria de fazer um comentário real.

    Quanto ao Peckinpah, sempre gostei dele. Defeitos? Muitos outros diretores têm, embora de outras formas. Mais ainda; quem não tem defeitos?

    Se o Heston, que era um homem levado a ser tudo correto com ele, via a situação em que o diretor se metia todas as noites, e ainda assim esteve do seu lado, aquilo não era mal sinal. Ao contrário; era sinal de que o homem tinha farinha no saco.

    Referente a atrasos de produções e gastos acima do previsto, temos inumeros exemplos, não podendo assim crucificar o Sam por este critério.

    Para terminar, estou mandando pegar o filme em SP para um comentário mais presente do que se tornou o filme depois de todo aquele redemoinho de reclamações, mudanças, contratempos e tudo o mais.
    jurandir_lima@bol.com.br

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