O MARAVILHOSO (Mascarado) TOM STEELE

O normal no cinema sempre foi escolher um stuntman (dublê) levando-se em conta a semelhança física deste com o ator a ser substituído para criar no espectador a impressão que quem fez a cena foi o próprio ator. A recíproca jamais poderia ser verdadeira, não é mesmo? Errado! Houve em Hollywood um stuntman tão perfeito na sua arte que seu estúdio, a Republic Pictures, contratava os atores desde que eles fossem parecidos com esse dublê. Monte Hale, Rocky Lane, Sunset Carson e Rex Allen foram alguns dos mocinhos que Herbert J. Yates contratou porque eles eram altos e simpáticos como o dublê-galã Tom Steele. O Rei dos Dublês Yakima Cannutt era na década de 40 um profissional muito caro para a Republic e os demais stuntmen da casa eram diferentes da maioria dos mocinhos. Dave Sharpe era tão baixinho que dublava até as mocinhas Linda Stirling e Kay Aldridge. Cliff Lyons, Fred Graham e Dale Van Sikel tinham seus quilinhos a mais e não enganavam nem mesmo os pequenos fãs das matinês nas cenas perigosas em que arriscavam a própria vida. Dublar os mocinhos era mesmo com o magnífico, alto, discreto, humilde e generoso Tom Steele.


Tom Steele dublando John Dehner (no
destaque). numa troca de socos em
"Era da Violência" (Cripple Creek),
de 1952, com George Montgomery

MAIS DE 500 FILMES - Thomas Skeoch (Tom Steele), nasceu na Escócia em 1909 e tinha dois anos de idade quando sua família se mudou para os Estados Unidos. O pai de Thomas era engenheiro de construção civil e erguia arranha-céus em Nova York, mas com o terremoto ocorrido em São Francisco levou a família para a Califórnia onde ajudou a reconstruir a devastada São Francisco. O jovem Thomas estudava na Stanford University e se destacava no time de futebol americano da faculdade, sendo também excelente jogador de polo. Devido a essa habilidade foi convidado para ser extra em um filme como jogador de polo. Thomas gostou da atividade, outros convites surgiram e rapidamente o esguio atleta (1,87m) já participava de filmes em diversos estúdios como a Metro, Mascot, Universal e Columbia. Adotando o nome artístico de Tom Steele, a estréia do jovem escocês ocorreu no seriado “Uma Lenda do Vale” (The Lone Star Ranger), de 1930, estrelado por George O’Brien. Fazendo pontas Tom Steele pode ser visto em “Capitão Blood” e em “O Prisioneiro da Ilha dos Tubarões”. Não demorou porém para que fosse notada a verdadeira vocação de Tom Steele que era participar de cenas perigosas, tornando-se um bastante requisitado dublê na trilogia de seriados de Flash Gordon, e nos seriados “Império Submarino”, “Ás Drummond”, “Agente secreto X-9”, “Jim das Selvas”, “Buck Rogers” e quase todos os principais seriados dos anos 30, atuando como free-lancer. Contratado pela Republic Pictures no início dos anos 40, Tom Steele iria participar de praticamente todos os seriados do estúdio, bem como de um incrível número de westerns “B” dublando os ‘ousados e corajosos’ mocinhos. É muito dífícil precisar o número exato de filmes em que Tom Steele atuou pois ele tanto fazia pequenos papéis, ou pontas como era o mais requisitado dos stuntmen. Algumas fontes afirmam que Tom Steele trabalhou em mais de 500 filmes em sua carreira e certamente esse número se não é exato está muito próximo do verdadeiro. E como Tom Steele gostava do que fazia... Cenas de ação com cavalgadas, saltos perigosos e lutas violentas eram com ele mesmo, ainda que o público praticamente o desconhecesse.

A MAIOR INJUSTIÇA DOS SERIADOS - Tom Steele foi vítima daquela que talvez seja a mais gritante injustiça do cinema. Em 1943 a Republic Pictures produziu o seriado “O Maravilhoso Mascarado” (The Masked Marvel) e o herói passou os doze capítulos com a máscara no rosto participando de algumas das mais emocionantes lutas desse tipo de filme. Quem interpretava o Maravilhoso Mascarado era Tom Steele, levando ao delírio os pequenos frequentadores das matinês que queriam a todo custo saber quem era aquele ator que corria, saltava e enfrentava corajosamente os bandidos. Mas a Republic Pictures tinha uma norma de não creditar os stuntmen. Só que nesse caso o stuntman era o próprio herói do seriado, mas mesmo assim Tom Steele não teve seu nome nos créditos de “O Maravilhoso Mascarado”. A injustiça é maior ainda quando se sabe que Tom Steele nesse seriado ainda dublou outros quatro personagens que hipoteticamente seriam o Masked Marvel, entre eles o principal ator do seriado que foi William Forrest (fórmula já utilizada no seriado “O Guarda Vingador”, de 1938). E Tom Steele ainda fez uma ponta como um dos vilões, também sem receber crédito por essa participação. Tom Steele praticamente carregou o seriado nas costas e a meninada cresceu sem saber quem era o Maravilhoso Mascarado. E como nos lembrou o catedrático Professor José Simões, lá de Guaçuí (Espírito Santo), na última cena do seriado “O Maravilhoso Mascarado” Bob Barton (o ator David Bacon), um dos possíveis personagens que seriam o Masked Marvel, tira a máscara mas sabe-se que não era ele o Maravilhoso Mascarado (veja fotos ao lado). E a Republic sabia como atrair a atenção do público pois esse último capítulo de “O Maravilhoso Mascarado” intitula-se justamente “O Homem por Trás da Máscara”. Claro que nenhum garoto iria perder esse episódio... Nessa época a principal revista de cinema brasileira “Scena Muda”, não dava espaço para os pequenos estúdios como a Republic e somente a partir dos anos 70 quando se começou a editar publicações sobre seriados, westens “B” e filmes de menor orçamento é que toda a verdade sobre “O Maravilhoso Mascarado” veio à tona. Levou mais de trinta anos para que os fãs dos adorados filmes em capítulos soubessem quem era o Maravilhoso Mascarado, que não era outro senão o excepcional stuntman Tom Steele.

Espetacular cena de ação com Tom Steele
saltando sobre uma carroça em chamas

PERSEGUIDO POR STEVE MCQUEEN - Tom Steele continuou sua carreira de stuntman dublando Roy Rogers, Rod Cameron, George Montgomery e outros mocinhos dos faroestes. Com o fim dos pequenos westerns Tom Steele passou a fazer com perfeição as cenas de perigo vividas por Gary Cooper, Randolph Scott diversos outros atores que jamais se arriscariam a quebrar um braço ou uma perna. Uma de suas mais perigosas atuações como dublê foi em “O Monstro do Ártico”, dublando James Arness como a Criatura (The Thing), na cena em que o monstro é exterminado pelas chamas. A idade parecia não interferir na agilidade, destreza e coragem de Tom Steele que, entre outros filmes famosos participou como dublê de “O Selvagem” (dublou Lee Marvin na cena de luta com Marlon Brando), “Spartacus”, “Deu a Louca no Mundo”, “Dívida de Sangue” (outra vez dublando Lee Marvin bêbado montando o cavalo), “Os Diamantes são Eternos” (James Bond), dublou os agentes Flint (James Coburn) e Matt Helm (Dean Martin), “O Homem com a Morte nos Olhos” (dublou Henry Fonda), “O Destino de Poseidon”, “Terremoto”, “Os Irmãos Cara-de-Pau”, “Scarface” (de Brian de Palma) e “Banzé no Oeste”. Excelente piloto, Tom Steele pilotou Herbie em “Se Meu Fusca Falasse” e fez algumas das maiores loucuras do cinema ao volante do Dodge Charger 440 Magnum 1968, com 375 hp, perseguido pelo Mustang fastback verde 1966, de 325 hp, de Steve McQueen pelas ladeiras de São Francisco em “Bullitt”. Tom Steele despediu-se do cinema aos 77 anos fazendo o trabalho de stuntman em “Os Últimos Durões”, ao lado dos muito famosos veteranos Kirk Douglas e Burt Lancaster. Infinitamente menos famoso que esses dois astros, Tom Steele foi um dos homens que mais contribuíram para que o cinema fosse mais emocionante. Além de seu trabalho, Tom Steele foi um dos fundadores do “Stuntmen’s Association Office”, órgão que organizou e deu mais respeito ao trabalho dos dublês, inclusive creditando seus nomes nos filmes. Tom Steele faleceu em 1990, aos 81 anos de uma vida das mais felizes pois, como ele próprio disse: “O trabalho, as pessoas, a administração da Republic, isso tudo fez minha vida ser muito melhor e eu adorei essa vida.”