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18 de abril de 2015

EL DORADO - HOWARD HAWKS RECICLA RIO BRAVO COM DUKE WAYNE E BOB MITCHUM


A roteirista Leigh Brackett e Howard Hawks.
Nos anos 60 Howard Hawks viu seu prestígio diminuir com filmes de menor qualidade artística. O razoável “Hatari” foi o melhor deles e parecia que a idade irreversívelmente avisava o diretor que era hora de se aposentar. John Wayne, por seu lado, lutava para provar que havia vencido o maior inimigo de sua vida, o câncer que lhe retirou um pulmão em 1964. Ambos sabiam que a parceria entre eles num western era infalível como ocorrera em “Rio Vermelho” (Red River) e “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo). Além dessa confiança, havia o salário de 750 mil dólares mais porcentagem nos lucros do filme que o Duke iria receber. Hawks escolheu a história “The Stars in Their Courses”, de autoria de Harry Brown e entregou a Leigh Brackett, sua colaboradora em outros filmes para escrever o roteiro. Com orçamento de três milhões, oitocentos e cinquenta mil dólares, Howard e uma equipe de 150 pessoas entre atores e técnicos rumou para Old Tucson, cenário para o filme que recebeu o título de “El Dorado”. Leigh Brackett bem que poderia ter desconfiado que, pelas incontáveis sugestões de Hawks, ele pretendia fazer um faroeste muito parecido com “Rio Bravo” com o roteiro adaptado da história de Harry Brown. No decorrer das filmagens a contrariada Leigh Brackett disse a Hawks que ele poderia ser creditado como autor da história, o que o diretor somente não fez porque teria de pagar os direitos não só a Harry Brown como também à Warner Bros., detentora dos direitos cinematográficos de “Rio Bravo”. Afinal a história de “El Dorado” não podia sequer ser chamada de semelhante pois era idêntica à de “Rio Bravo”, com pequenas variações.


Acima Eward Asner ao lado de Jim Davis;
abaixo R.G. Armstrong.
Os maus contra os amigos bons - Em “El Dorado” Bart Jason (Edward Asner) quer se apossar das terras do fazendeiro Kevin MacDonald (R.G. Springsteen) e para isso tenta contratar o pistoleiro Cole Thornton (John Wayne). Um dos filhos de MacDonald atira inadvertidamente contra Thornton e é ferido por este, cometendo suicídio a seguir. Thornton é amigo de J.P. Harrah (Robert Mitchum), o xerife de El Dorado, e após conversar com este Thornton rejeita a oferta de Jason que então contrata os serviços de Nelse McLeod (Christopher George), pistoleiro tão famoso, rápido e certeiro quanto Thornton. O bando sob as ordens de Bart Jason é numeroso mas o maior problema de J.P. Harrah não é esse e sim a bebida, já que vive permanentemente alcoolizado. Cole Thornton decide auxiliar o amigo xerife, contando para isso com a ajuda do jovem amigo Mississippi (James Caan) e de Bull (Arthur Hunnicutt), veterano batedor. Em luta desigual o quarteto enfrenta e derrota Jason e seus homens, permitindo que a paz volte a reinar em El Dorado.

Christopher George
Fugindo da tragédia - As filmagens de “El Dorado” já haviam se iniciado com as sequências dos encontros de Thornton com Jason e com MacDonald e a morte de Luke MacDonald (John Crawford). Foi então que Howard Hawks decidiu mudar tudo. Hawks não queria que seu filme se tornasse uma ‘tragédia grega’ como estava se encaminhando a partir do roteiro de Leigh Brackett. Do encontro em Sonora entre Cole Thorton com Mississippi em diante o tom de “El Dorado” muda passando a ser um western com situações mais agradáveis e com a maior parte das sequências noturnas. Hawks começava os trabalhos às 17 horas e não raro as filmagens avançavam até três ou quatro horas da madrugada. O diretor a cada dia apresentava aos atores novos diálogos, a ponto de o ator Robert Donner ter declarado que “o roteiro do filme era escrito na areia de Old Tucson”. Muitas das falas dos atores principais, justamente as mais espirituosas, foram criadas nos próprios sets de filmagem, aproximando “El Dorado” de um tom de comédia. Questionado por Leigh Brackett que estava se autoplagiando em relação a “Rio Bravo”, Howard Hawks respondeu que o que tinha dado certo poderia sim ser repetido. E disse isso com a plena concordância de John Wayne.

Michele Carey e James Caan
O talento do diretor - Contados esses episódios de como se desenvolveram as filmagens de “El Dorado”, fica a impressão que não havia um rumo definido para o filme e que fatalmente este western redundaria num fiasco. Entra em cena então o talento do diretor, secundado por um grupo de excelentes atores, mostrando-se capaz de realizar um filme movimentado e divertido. Nem o fato de o espectador ‘reconhecer’ a história prejudica “El Dorado” mesmo porque este remake é mais dinâmico que o modelo produzido em 1959, com um número maior de cenas de ação bem encenadas por Hawks. Muito mais espaço ganhou o personagem do jovem membro do quarteto (Mississippi), habilidoso atirador de facas para quem foi criado até mesmo um interesse romântico, Joey (Michele Carey), a filha do ameaçado fazendeiro MacDonald. E a luta do xerife J.P. Harrah contra o vício do álcool consegue ser ao mesmo tempo dramática e engraçada.

Duke e Mitchum com as bengalas dos lados errados.
Heróis alquebrados - Recuperado do câncer, John Wayne interpreta um personagem vulnerável e que, atingido por uma bala que se aloja próximo à sua coluna, sofre espasmos que lhe causam paralisia, resultando numa queda de cavalo e impossibilidade momentânea de sacar com a mão direita. E o ébrio xerife vivido por Robert Mitchum, forçado a usar uma muleta devido a um ferimento, está longe da figura clássica de um heroico defensor da lei e da ordem. Aparentemente mais velho e fisicamente perfeito é o excêntrico Bull com seu trompete, enquanto Mississippi, que usa sua faca como ninguém, mal sabe empunhar um revólver. Os quatro repetem o tema da amizade masculina comum aos filmes de Howard Hawks, desta vez com a presença de uma personagem feminina resoluta e audaciosa, Joey a filha do fazendeiro MacDonald. As nuances divertidas de “El Dorado” são aquelas que, percebe-se, não constavam do roteiro original, como Mississippi repetindo seu bizarro nome (Alan Bedillion Trehearne) ou o xerife J.P. Harrah perguntando sempre quem é ele (Mississippi). Os muitos pedaços de sabão levados para o banho do xerife Harrah e o entra-e-sai de mulheres tem claramente o humor característico de Hawks .

James Caan e John Wayne; o banho de Robert Mitchum.

Duke e Mitchum; Duke, Cann e Arthur Hunicutt.
Pouca seriedade - Nem tudo porém deu certo em “El Dorado” e é até aborrecido ouvir Mississippi declamar versos do poema ‘El Dorado’ de autoria de Edgar Allan Poe. Pior que isso é ver James Caan pateticamente imitar um chinês lembrando os piores momentos dos Três Patetas. E Hawks manteve no filme a estapafúrdia sequência. Jamais decola a relação entre Cole Thornton e a viúva Maudie (Charlene Holt) pois John Wayne só é convincente em cenas de amor com Maureen O’Hara. Pior ainda é imaginar que uma mulher fútil possa ter levado um homem como J.P. Harrah à derrocada moral. O clima de informalidade chegou a tal ponto nas filmagens que o personagem de John Wayne cobra de Robert Mitchum que este não se decide em qual lado usar a muleta. Mitchum conta em suas memórias que trocara, sem querer, da direita para a esquerda o uso da muleta e ao alertar Hawks depois das tomadas prontas, o diretor respondeu que “o público nos cinemas nem iria notar”. A pouco inspirada sequência final, com Wayne e Mitchum caminhando pela rua principal de El Dorado ambos estão com as respectivas muletas do lado errado, fecha o filme com uma evidente e imperdoável galhofa. Antes Mitchum pegara a muleta na delegacia e quando sai à rua está com uma roupa inteiramente diferente, num erro de continuidade que poderia e deveria ser evitado num filme levado mais a sério.

"Não adianta, Thornton, ele não vai
sentir nada".
Show de Bob Mitchum - Entre os pontos altos de “El Dorado” está a destacada interpretação de Robert Mitchum, como não poderia deixar de ser, jamais se intimidando com a presença de John Wayne. Perfeito como bêbado andrajoso alvo das chacotas dentro do saloon e incrivelmente casual na sequência do banho com as frases sugestivas “estaria mais à vontade na estação ferroviária de El Paso” e “deveria cobrar ingresso durante meu banho”. John Wayne nada pode fazer diante de um ator com a estatura artística de Mitchum e só mesmo a sólida presença do Duke permite que Bob não roube todas as cenas. Em seu quarto trabalho no cinema James Caan dá conta do recado, enquanto Arthur Hunnicutt tem a missão impossível de criar um personagem próximo ao de Walter Brennan em “Rio Bravo”. Edward Asner poderia ter sido muito mais exigido como o poderoso chefe do bando, ficando para Christopher George os melhores momentos como o elegante facínora capaz de ‘cortesias profissionais’. Paul Fix faz muito bem um irônico médico e R.G. Armstrong aparece em um dos raros papéis em que não interpreta um pregador intolerante. Michele Carey cavalga melhor do que atua e Charlene Holt provoca a doce lembrança de Angie Dickinson. John Mitchum, irmão de Bob aparece como bartender e Johnny Crawford é o adolescente que se suicida.

O artista plástcio Ola Wieghorst, como
armeiro, em cena com John Wayne.
Diversão garantida - As telas exibidas durante os créditos de “El Dorado” são de autoria do pintor sueco Olaf Wieghorst, que no filme interpreta o armeiro da cidade de Cuervo, amigo de John Wayne. O tema musical principal é cantado durante os créditos iniciais mas fica muito melhor quando executado pela orquestra de Nelson Riddle, autor da trilha. Na maior parte do filme não há nem mesmo música incidental e quando Riddle cria alguns poucos fundos musicais deixa a impressão que a qualquer momento vai ser ouvida a voz de Sinatra, com quem Nelson Riddle muito trabalhou. O cinegrafista Harold Rosson, da mesma idade de Howard Hawks (então com 69 anos), estava aposentado quando foi chamado pelo diretor para fazer a iluminação perfeita das muitas cenas noturnas passadas em El Dorado. Este foi o último e magnífico trabalho de Rosson que de sua filmografia de 150 títulos constam pérolas como “Cantando na Chuva”, “O Segredo das Jóias”, “Um Dia em Nova York” e “O Mágico de Oz”. Agradável western, “El Dorado” rendeu 12 milhões de dólares nos Estados Unidos, lançado simultaneamente a "Gigantes em Luta" (The War Wagon), outro sucesso de John Wayne. Mesmo sem a magia de “Rio Bravo” e com alguns senões, "El Dorado" é diversão garantida e não podia ser diferente com a reunião de Wayne e Mitchum sob as ordens de Howard Hawks.

Big Duke John Wayne em "El Dorado".

Charlene Holt entre John Wayne e Robert Mitchum; Wayne e Mitchum, descontraídos.

Michele Carey e Charlene Holt. Michele Carey ao fim das filmagens passou a
viver com James Caan na vida real. "El Dorado" foi o terceiro filme que
a ex-modelo Charlene Holt fez com Howard Hawks, de quem era namorada.

Cena de cantoria que Howard Hawks preferiu excluir da versão final de  "El Dorado";
na sequência cantam juntos Charlene Holt e Robert Mitchum.

Michele Carey que em "El Dorado" cavalga como verdadeira cowgirl;
James Caan mostrando que é ruim de mira ao lado de John Wayne.

6 comentários:

  1. Grande western. Bob Mitchum e Hawks sempre valem a pena. Mas prefiro RIO BRAVO.
    Abraços

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    1. Que honra ter o amigo Antonio Nahud como leitor, você, Nahud, que edita aquele que está entre os melhores blogs sobre cinema do Brasil, onde conhecimento e elegância se misturam magicamente. Grande abraço do Darci.

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  2. Gosto muito de El Dorado, embora concorde com a quase unânime preferência dos cinéfilos e críticos por Rio Bravo. A presença de Robert Mitchum, em extraordionária atuação, é um aspecto fundamental para que El Dorado figure numa galeria de clássicos do western. Quanto a Hawks, esse é dos maiores! Tive o prazer de acompanhar a mostra Howard Hawks Integral no Cine Humberto Mauro em Belo Horizonte no ano de 2013. Darci, mais uma vez o parabenizo pelos textos maravilhosos sobre os dois clássicos de Hawks.
    Márcio/MG

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    1. Olá, Márcio, obrigado pelas palavras elogiosas. Essa mostra deve ter sido um grande acontecimento cinematográfico pela importância da obra de Howard Hawks. Concordo com tudo que você disse. Grande abraço do Darci.

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  3. Faroestaço. Divertido demais. Mas tô com a maioria, inferior a Rio Bravo. Em El Dorado tudo é mais construído, menos espontâneo, até irregular. Só que essa irregularidade, principalmente no roteiro, é praticamente imperceptível, devida a afiada maestria de Hawks na direção e um elenco, quase todo, harmonioso. Porém, não consegue passar a fluidez e a mágica sensação de uma enganosa simplicidade de Rio Bravo.
    Show de matéria Darci. Várias curiosidades, como o "espertinho" do Hawks ser namorado da belíssima Holt,mas ela era tão fraquinha que até cortou cenas dela, e que teve até uma cena musical, provavelmente copiando a de Rio Bravo, mas se Mitchum arrassa na interpretação, duvido que sua a voz se compare com a de Dino,
    Agora, meu caro Darci, “Hatari!” razoavel? Ui! Uma tremenda e deliciosa aventura daquela, com o “Passo do Elefantinho” e tudo mais. Hehehe! É um baita filmaço saboroso onde nada acontece e nada se conta em duas horas meia, e, mesmo assim, no final saio sempre com alma mais leve toda vez que assisto. Aí, você pode alegar Darci: “Não tem história, não tem roteiro.” Nesse caso parafraseio mestre Hawks quando Robert Mitchum, ao ser chamado para o filme, lhe perguntou qual era história de El Dorado: Ah, sem história, Darci... Hehehe!

    Abração.
    Robson

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  4. Robson, gosto muito e Hatari, especialmente a trilha sonora maravilhosa de Mancini. Tenho o LP comprado quando do lançamento do filme, penso que seja uma daquelas raridades absolutas. Mas John Wayne conquistando Elsa Martinelli, decididamente não dá. Grandes sequências de caçadas, mas o humor sem inspiração. Hawks jamais se prendeu a uma história contada linearmente e como Fellini observou anos mais tarde, os melhores filmes são aqueles em que parece que nada de especial acontece. 'Rio Bravo' é assim. - Abraço do Darci.

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